#Manual de Direito do Consumidor (2017) - Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpsção Neves
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única sentença que os vincula é a <strong>de</strong> procedência, porque esta naturalmente os beneficia, permitin<strong>do</strong>-se que o indivíduo se valha<br />
<strong>de</strong>ssa sentença coletiva, liquidan<strong>do</strong>-a no foro <strong>de</strong> seu <strong>do</strong>micílio e posteriormente executan<strong>do</strong>-a, o que o dispensará <strong>do</strong> processo <strong>de</strong><br />
conhecimento. A <strong>do</strong>utrina fala em coisa julgada secundum eventum litis in utilibus, porque somente a <strong>de</strong>cisão que seja útil ao<br />
indivíduo será capaz <strong>de</strong> vinculá-lo a sua coisa julgada material224.<br />
Uma empresa petrolífera causa um gran<strong>de</strong> vazamento <strong>de</strong> óleo em uma <strong>de</strong>terminada baía, o que naturalmente agri<strong>de</strong> o meio<br />
ambiente saudável, mas também prejudica os pesca<strong>do</strong>res <strong>do</strong> local, que têm danos individuais por não mais po<strong>de</strong>rem exercer seu<br />
ofício. Haven<strong>do</strong> uma ação coletiva fundada no direito difuso a um meio ambiente equilibra<strong>do</strong> e sen<strong>do</strong> essa ação julgada<br />
improce<strong>de</strong>nte, os pesca<strong>do</strong>res po<strong>de</strong>rão ingressar e vencer em ações individuais <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização contra a empresa petrolífera. Por<br />
outro la<strong>do</strong>, com a sentença <strong>de</strong> procedência, os pesca<strong>do</strong>res po<strong>de</strong>rão se valer <strong>de</strong>sse título executivo judicial, liquidan<strong>do</strong> seus danos<br />
individuais e executan<strong>do</strong> o valor <strong>do</strong> prejuízo.<br />
Registre-se que esse benefício da coisa julgada material da ação coletiva po<strong>de</strong> ser excepciona<strong>do</strong> em duas circunstâncias:<br />
(a)<br />
(b)<br />
na hipótese <strong>de</strong> o indivíduo ser informa<strong>do</strong> na ação individual da existência da ação coletiva (fair notice), e em um prazo <strong>de</strong> 30 dias<br />
preferir continuar com a ação individual (right to opt out), não será beneficia<strong>do</strong> pela sentença coletiva <strong>de</strong> procedência (art. 104 <strong>do</strong><br />
CDC) 225 . O Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça corretamente enten<strong>de</strong> que, não ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> o autor <strong>de</strong>vidamente informa<strong>do</strong> da existência da<br />
ação coletiva, <strong>de</strong> seu resulta<strong>do</strong> se beneficia, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>do</strong> <strong>de</strong>sfecho <strong>de</strong> sua ação individual 226 ;<br />
nas ações coletivas <strong>de</strong> direito individual homogêneo, o art. 94 <strong>do</strong> CDC admite a intervenção <strong>do</strong>s indivíduos como litisconsortes <strong>do</strong><br />
autor, e nesse caso os indivíduos se vinculam a qualquer resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> processo coletivo, mesmo no caso <strong>de</strong> sentença <strong>de</strong><br />
improcedência 227 .<br />
11.6.4.<br />
Limitação territorial da coisa julgada<br />
Segun<strong>do</strong> o art. 16 da LACP, “a sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial <strong>do</strong> órgão<br />
prolator, exceto se o pedi<strong>do</strong> for julga<strong>do</strong> improce<strong>de</strong>nte por insuficiência <strong>de</strong> provas, hipótese em que qualquer legitima<strong>do</strong> po<strong>de</strong>rá<br />
intentar outra ação com idêntico fundamento, valen<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> nova prova”. A presente redação <strong>do</strong> dispositivo legal <strong>de</strong>correu da<br />
famigerada Lei 9.494/1997, e na primeira regra que consagra é absolutamente lamentável <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à tentativa <strong>de</strong> se limitar a<br />
abrangência territorial da tutela coletiva. E o que é ainda pior, a norma teria si<strong>do</strong> supostamente criada para a <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> interesses<br />
fazendários228.<br />
A referida Lei 9.494/1997 tem norma específica no mesmo senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> limitação <strong>do</strong> alcance da sentença coletiva, no art. 2º-A:<br />
“A sentença civil prolatada em ação <strong>de</strong> caráter coletivo proposta por entida<strong>de</strong> associativa, na <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong>s interesses e direitos <strong>do</strong>s<br />
seus associa<strong>do</strong>s, abrangerá apenas os substituí<strong>do</strong>s que tenham, na data da propositura da ação, <strong>do</strong>micílio no âmbito da competência<br />
territorial <strong>do</strong> órgão prolator”.<br />
Por um la<strong>do</strong>, a previsão legal é uma clara afronta a todas as tentativas legislativas voltadas à diminuição no número <strong>de</strong><br />
processos, o que em última análise geraria uma maior celerida<strong>de</strong> naqueles que estiverem em trâmite, sen<strong>do</strong> também uma agressão<br />
clara ao próprio espírito da tutela coletiva. Assim se manifestou Ada Pellegrini Grinover:<br />
“Limitar a abrangência da coisa julgada nas ações civis públicas significa multiplicar <strong>de</strong>mandas, o que, <strong>de</strong> um la<strong>do</strong>, contraria toda a<br />
filosofia <strong>do</strong>s processos coletivos, <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>s justamente a resolver molecularmente os conflitos <strong>de</strong> interesses, em vez <strong>de</strong> atomizá-los<br />
e pulverizá-los; e, <strong>de</strong> outro la<strong>do</strong>, contribui para a multiplicação <strong>de</strong> processos, a sobrecarregarem os tribunais, exigin<strong>do</strong> múltiplas<br />
respostas jurisdicionais quan<strong>do</strong> uma só po<strong>de</strong>ria ser suficiente” 229 .<br />
Por outro la<strong>do</strong>, a exigência <strong>de</strong> diversas ações coletivas a respeito da mesma circunstância fática jurídica po<strong>de</strong>rá gerar <strong>de</strong>cisões<br />
contraditórias, o que abalará a convicção da unida<strong>de</strong> da jurisdição, ferin<strong>do</strong> <strong>de</strong> morte o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> harmonização <strong>de</strong> julga<strong>do</strong>s 230 . E uma<br />
vez existin<strong>do</strong> várias <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> diferente teor, também restará macula<strong>do</strong> o princípio da isonomia, com um tratamento jurisdicional<br />
distinto para os sujeitos em situações assemelhadas pela simples razão <strong>de</strong> serem <strong>do</strong>miciliadas em diferentes localida<strong>de</strong>s231.<br />
Até se po<strong>de</strong>ria alegar que nesse caso o Esta<strong>do</strong> – mais precisamente o Executivo, já que a lei <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> conversão da Medida<br />
Provisória 1.570/1997 – apenas a<strong>do</strong>tou a regra que mais lhe pareceu interessante, ainda que computa<strong>do</strong>s os prejuízos <strong>de</strong> sua<br />
a<strong>do</strong>ção. Nesse senti<strong>do</strong>, o Esta<strong>do</strong> teria pesa<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os males advin<strong>do</strong>s da multiplicação <strong>de</strong> processos coletivos – ofensa ao princípio<br />
da economia processual – e das eventuais <strong>de</strong>cisões contraditórias – ofensa ao princípio da harmonização <strong>do</strong>s julga<strong>do</strong>s – e ainda<br />
assim teria feito a consciente opção pela regra consagrada no dispositivo legal ora comenta<strong>do</strong>.<br />
O alega<strong>do</strong> não <strong>de</strong>ve <strong>de</strong> maneira alguma ser entendi<strong>do</strong> como <strong>de</strong>fesa da opção <strong>do</strong> legisla<strong>do</strong>r, até porque compartilho da corrente<br />
<strong>do</strong>utrinária amplamente majoritária que critica com veemência o art. 16 da LACP. A questão não é precisamente se pessoalmente<br />
gosto ou não da previsão legal, mas reconhecer a possível aplicação prática da regra se a única crítica for principiológica, fundada<br />
em ofensa clara, manifesta e injustificada aos princípios da economia processual e à harmonização <strong>do</strong>s julga<strong>do</strong>s. Nada mais que<br />
uma entre várias opções equivocadas <strong>de</strong> política legislativa.