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#Manual de Direito do Consumidor (2017) - Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpsção Neves

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conforme analisa<strong>do</strong> no item 11.6.4. Como se nota, há uma quase perfeita interação entre os <strong>do</strong>is diplomas que formam o núcleo<br />

duro <strong>do</strong> microssistema coletivo.<br />

Nas raras situações <strong>de</strong> conflito, enten<strong>do</strong> que <strong>de</strong>va sempre prevalecer a norma mais benéfica na tutela <strong>do</strong> direito coletivo lato<br />

sensu, sen<strong>do</strong>, portanto, irrelevante a natureza <strong>do</strong> direito material. Dessa forma, mesmo se tratan<strong>do</strong> <strong>de</strong> direito <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, se a<br />

norma prevista no CDC se mostrar menos favorável ao direito <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r <strong>do</strong> que aquela prevista na LACP, enten<strong>do</strong> que <strong>de</strong>ve<br />

ser essa segunda aplicada no caso concreto.<br />

Mais complexa é a solução <strong>de</strong> conflito entre o núcleo duro forma<strong>do</strong> pelas duas leis e as <strong>de</strong>mais leis extravagantes que<br />

compõem o microssistema. Para parcela da <strong>do</strong>utrina, primeiro <strong>de</strong>ve-se aplicar o núcleo duro, e somente não haven<strong>do</strong> norma lá<br />

prevista, as <strong>de</strong>mais leis16, enquanto outros enten<strong>de</strong>m que primeiro <strong>de</strong>vam ser aplicadas as leis específicas, e somente na hipótese<br />

<strong>de</strong> omissão se passar à aplicação das regras constantes <strong>do</strong> núcleo duro 17 .<br />

Caso seja necessária a <strong>de</strong>terminação a priori e <strong>de</strong> forma abstrata <strong>de</strong> qual lei <strong>de</strong>ve prevalecer, tem mais lógica o segun<strong>do</strong><br />

entendimento, aplican<strong>do</strong>-se antes a norma prevista em lei específica e, somente diante <strong>de</strong> sua omissão, a norma geral prevista no<br />

núcleo duro <strong>do</strong> microssistema coletivo. Não parece, entretanto, que <strong>de</strong>va ser sempre essa a melhor solução, porque é possível que a<br />

norma específica seja menos benéfica para a tutela <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> que aquela prevista <strong>de</strong> forma genérica na Lei <strong>de</strong> Ação Civil<br />

Pública e/ou no Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r.<br />

Prefiro, portanto, conforme já adianta<strong>do</strong>, o entendimento <strong>de</strong> que, <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> microssistema coletivo, <strong>de</strong>ve ser sempre aplicável a<br />

norma mais benéfica à tutela <strong>do</strong> direito material discuti<strong>do</strong> em processo, sen<strong>do</strong> irrelevante se <strong>de</strong>terminada por norma específica ou<br />

geral, anterior ou posterior, ou qualquer outra forma <strong>de</strong> interpretação <strong>de</strong> normas 18 . Esse entendimento tem como mérito uma<br />

proteção mais efetiva ao direito material coletivo lato sensu, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da espécie <strong>de</strong> direito e <strong>do</strong> diploma legal cria<strong>do</strong><br />

pelo legisla<strong>do</strong>r para tutelá-lo, porém gera relativa insegurança jurídica por não criar bases objetivas para aferição da norma<br />

aplicável ao caso concreto, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> sempre da casuística.<br />

Por fim, a aplicação das normas existentes no Código <strong>de</strong> Processo Civil será imprescindível, mas para isso é fundamental que<br />

não exista norma expressa aplicável ao caso concreto <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> próprio microssistema 19 . Além disso, a norma processual presente<br />

no Código <strong>de</strong> Processo Civil não po<strong>de</strong> afrontar os princípios <strong>do</strong> processo coletivo20, o que leva a <strong>do</strong>utrina a afirmar que a<br />

aplicação não <strong>de</strong>ve ser subsidiária, mas sim eventual.<br />

11.1.4. Marcos legislativos<br />

Apesar <strong>de</strong> indiscutível a existência <strong>de</strong> um microssistema coletivo, composto por inúmeras leis é inegável que existem<br />

verda<strong>de</strong>iros marcos legislativos no tocante ao processo coletivo em nosso país, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ser indica<strong>do</strong>s quatro momentos, sem<br />

<strong>de</strong>sprezo <strong>do</strong>s <strong>de</strong>mais, que têm relevância mais significativa na sistematização <strong>do</strong> processo coletivo.<br />

O primeiro marco legislativo é a Lei 4.717/1965, conhecida como Lei da Ação Popular. Apesar <strong>de</strong> a <strong>do</strong>utrina enten<strong>de</strong>r que a<br />

ação popular vigorou no perío<strong>do</strong> imperial e início da República, durante a vigência das Or<strong>de</strong>nações <strong>do</strong> Reino, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>-se a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> bens <strong>de</strong> uso comum pelo cidadão, com o advento <strong>do</strong> Código Civil <strong>de</strong> 1916, mais precisamente em razão<br />

<strong>de</strong> seu art. 76, a <strong>do</strong>utrina majoritária passou a enten<strong>de</strong>r que o sistema jurídico brasileiro não mais admitia a ação popular, ainda que<br />

vozes isoladas continuassem a <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a sobrevivência <strong>de</strong>ssa ação coletiva21.<br />

Em 1934 a ação popular é incluída expressamente na Constituição Fe<strong>de</strong>ral, por meio <strong>do</strong> art. 113, § 38, para, três anos <strong>de</strong>pois,<br />

ser suprimida pela Constituição <strong>de</strong> 1937, vin<strong>do</strong> a ser restabelecida pelo art. 141, § 38, da Constituição <strong>de</strong> 1946, manten<strong>do</strong>-se em<br />

todas as Constituições subsequentes (art. 150, § 31, da CF <strong>de</strong> 1967; art. 153, § 31, da ECF <strong>de</strong> 1969 e na atual CF/1988 em seu art.<br />

5.º, LXXIII).<br />

No campo infraconstitucional, a Lei 4.717 <strong>de</strong> 1965, que regulamenta a ação popular, <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rada o primeiro marco<br />

legislativo, por ter si<strong>do</strong> a primeira lei que indiscutivelmente tratou <strong>de</strong> tutela coletiva no or<strong>de</strong>namento brasileiro, sen<strong>do</strong> significativas<br />

as inovações por ela propostas, tais como a diferenciada forma <strong>de</strong> legitimação ativa (embora a legitimida<strong>de</strong> ativa <strong>do</strong> cidadão não<br />

tenha influencia<strong>do</strong> leis posteriores que compõe o microssistema coletivo), a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o réu virar autor, a coisa julgada<br />

secundum eventum probationis, a obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> execução da sentença <strong>de</strong> procedência, <strong>de</strong>ntre outras importantes novida<strong>de</strong>s, ao<br />

menos à época.<br />

Apesar da indiscutível relevância da ação popular para o processo coletivo, no âmbito <strong>do</strong> direito consumerista tal ação é<br />

inaplicável, daí o <strong>de</strong>sinteresse <strong>de</strong> sua análise no presente livro. Tentativas no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> tutelar direitos consumeristas por meio da<br />

ação popular vêm sen<strong>do</strong> corretamente rejeitadas pelo Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça22, que limita tal espécie <strong>de</strong> ação coletiva à<br />

proteção <strong>do</strong>s valores constantes expressamente <strong>do</strong> texto constitucional, no qual não se inclui o direito difuso <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r.<br />

O segun<strong>do</strong> marco legislativo é a Lei 7.347/1985, chamada <strong>de</strong> Lei da Ação Civil Pública. Ainda que seja inegável a importância<br />

<strong>de</strong>ssa lei para o microssistema, inclusive fazen<strong>do</strong> parte <strong>de</strong> seu núcleo duro, é preciso registrar que ela surgiu em nosso or<strong>de</strong>namento

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