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#Manual de Direito do Consumidor (2017) - Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpsção Neves

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prova <strong>do</strong> fabricante. Consi<strong>de</strong>rações sobre a Teoria da carga dinâmica da prova. Dano moral configura<strong>do</strong>. Sentença reformada.<br />

Recurso provi<strong>do</strong>, por maioria” (TJSP, Apelação 0281461-98.2009.8.26.0000 – 8ª Câmara <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Priva<strong>do</strong>, Registro – Rel. Des.<br />

Caetano Lagrasta – j. 15.08.2012).<br />

Entretanto, situação mais intrincada se faz presente quan<strong>do</strong> o consumi<strong>do</strong>r – avisa<strong>do</strong> ou não – não troca o produto com <strong>de</strong>feito,<br />

vin<strong>do</strong> a ocorrer o evento danoso. A primeira questão a ser esclarecida é a <strong>de</strong> que, em casos tais, haverá responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

fornece<strong>do</strong>r diante <strong>do</strong> produto nocivo ou que apresenta riscos. A questão da informação, aqui, é importante para se atenuar a<br />

responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste. Consigne-se que po<strong>de</strong> ser encontrada <strong>de</strong>cisão que responsabilizou exclusivamente componente da ca<strong>de</strong>ia<br />

<strong>de</strong> consumo – no caso, o comerciante – por não ter atendi<strong>do</strong> à clara convocação <strong>do</strong>s consumi<strong>do</strong>res para a troca <strong>de</strong> produtos:<br />

“Consumi<strong>do</strong>r. Fato <strong>do</strong> produto. Ingestão <strong>de</strong> produto (toddynho) que resultou em problemas estomacais. Recall publica<strong>do</strong> para a<br />

substituição <strong>do</strong> produto, não atendi<strong>do</strong> pelo supermerca<strong>do</strong>, o qual possui responsabilida<strong>de</strong> objetiva. Nexo <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong> presente.<br />

Dano moral in re ipsa. Lesão à saú<strong>de</strong> <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r. Dever <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nizar. Dano material representa<strong>do</strong> pelas <strong>de</strong>spesas <strong>de</strong> aquisição<br />

<strong>do</strong> produto e gastos com atendimento. Sentença <strong>de</strong> improcedência reformada. Deram provimento ao recurso” (TJRS – Recurso<br />

Cível 71001416346, Porto Alegre – Primeira Turma Recursal Cível – Rel. Des. Heleno Tregnago Saraiva – j. 15.05.2008 – DOERS<br />

20.05.2008, p. 106).<br />

Ora, se o consumi<strong>do</strong>r não foi <strong>de</strong>vidamente informa<strong>do</strong> – pois os meios <strong>de</strong> comunicação da convocação foram insuficientes ou<br />

equivoca<strong>do</strong>s –, a responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> fornece<strong>do</strong>r será integral, pela soma da colocação <strong>de</strong> um produto perigoso no merca<strong>do</strong> com a<br />

falha na informação. Com base em norma que consta da Lei 8.078/1990, alerte-se que o ônus da prova a respeito da comunicação<br />

cabe ao fornece<strong>do</strong>r (art. 38).<br />

Temática ainda mais complicada está relacionada à hipótese em que o consumi<strong>do</strong>r é <strong>de</strong>vidamente comunica<strong>do</strong> <strong>do</strong> recall, o que<br />

é prova<strong>do</strong> pelo fornece<strong>do</strong>r ou <strong>de</strong>corre das circunstâncias e <strong>do</strong> bom-senso, mas não o aten<strong>de</strong>, vin<strong>do</strong> a ocorrer o infortúnio.<br />

A título <strong>de</strong> exemplo, uma monta<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> veículos convoca os consumi<strong>do</strong>res <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo popular a fazerem um<br />

reforço no engate <strong>do</strong> cinto <strong>de</strong> segurança que, segun<strong>do</strong> estu<strong>do</strong>s técnico-científicos, apresenta riscos <strong>de</strong> se soltar em casos <strong>de</strong> freadas<br />

bruscas. Diante da enorme quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> automóvel, o recall é anuncia<strong>do</strong> na TV aberta, em jornais, no rádio e na<br />

internet. Aten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ao seu <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> informar, a monta<strong>do</strong>ra envia cartas para to<strong>do</strong>s os seus consumi<strong>do</strong>res com aviso <strong>de</strong><br />

recebimento e mensagens eletrônicas com certificação <strong>de</strong> leitura pelos <strong>de</strong>stinatários. Determina<strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, que foi<br />

<strong>de</strong>vidamente avisa<strong>do</strong> <strong>do</strong> recall, conforme prova que po<strong>de</strong> ser construída pelo fornece<strong>do</strong>r, resolve não aten<strong>de</strong>r à convocação,<br />

assumin<strong>do</strong> os riscos <strong>de</strong> utilizar o veículo problemático. Em certa ocasião, o consumi<strong>do</strong>r, ao dirigir o seu veículo, freia<br />

bruscamente, e o cinto <strong>de</strong> segurança não consegue segurar o impacto, vin<strong>do</strong> o motorista a chocar o seu rosto contra o para-brisa. A<br />

colisão lhe causa danos materiais, morais e estéticos, o que faz a vítima ingressar com ação in<strong>de</strong>nizatória em face <strong>do</strong> fabricante <strong>do</strong><br />

veículo, pela presença <strong>do</strong> fato <strong>do</strong> produto (art. 12 <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r).<br />

In casu, não se po<strong>de</strong> afastar o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nizar <strong>do</strong> fabricante, presente o <strong>de</strong>feito <strong>do</strong> produto coloca<strong>do</strong> em circulação.<br />

Entretanto, a vítima, ao não aten<strong>de</strong>r o recall, assumiu o risco, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> a in<strong>de</strong>nização ser reduzida razoavelmente, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as<br />

circunstâncias. Inci<strong>de</strong>m, na espécie, as normas <strong>do</strong>s arts. 944 e 945 <strong>do</strong> Código Civil e a teoria <strong>do</strong> risco concorrente.<br />

Verifica-se, <strong>de</strong>sse mo<strong>do</strong>, que o risco assumi<strong>do</strong> é a construção mais a<strong>de</strong>quada, uma vez que não se po<strong>de</strong> atribuir culpa<br />

exclusiva ao consumi<strong>do</strong>r ao não aten<strong>de</strong>r a convocação. Isso porque não se po<strong>de</strong> falar em <strong>de</strong>srespeito a um <strong>de</strong>ver principal legal ou<br />

contratual. Em verda<strong>de</strong>, é até possível alegar violação <strong>de</strong> um <strong>de</strong>ver anexo por parte <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, no caso, <strong>do</strong> <strong>de</strong>ver <strong>de</strong><br />

colaboração ou cooperação. Porém, a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> risco concorrente tem melhor encaixe no tipo <strong>de</strong>scrito. Na concreção exposta,<br />

enten<strong>de</strong>-se que o percentual <strong>de</strong> risco é maior por parte <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r e em menor montante por parte <strong>do</strong> fornece<strong>do</strong>r, que procurou<br />

minorar as consequências da exposição <strong>de</strong> outrem ao perigo. Po<strong>de</strong>-se ainda trabalhar com algumas variações, tais como 70% <strong>de</strong><br />

risco <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r e 30% <strong>de</strong> risco <strong>do</strong> fornece<strong>do</strong>r. Exemplifican<strong>do</strong>, se a vítima pleiteia no problema <strong>de</strong>scrito reparação integral <strong>de</strong><br />

R$ 10.000,00 (<strong>de</strong>z mil reais), esta será fixada em valor próximo a R$ 3.000,00 (três mil reais). Evi<strong>de</strong>ncie-se, mais uma vez, que<br />

não se po<strong>de</strong> afirmar que a conclusão pela teoria <strong>do</strong> risco concorrente é contrária aos interesses <strong>do</strong>s consumi<strong>do</strong>res, pois alguns<br />

julga<strong>do</strong>res po<strong>de</strong>riam apontar que, na problematização ora <strong>de</strong>scrita, houve culpa exclusiva da vítima ou <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r.<br />

Como últimas reflexões <strong>de</strong>ste capítulo, nota-se que a tese da concausalida<strong>de</strong> pelos riscos <strong>de</strong>monstra ter efetiva aplicação<br />

prática. Mais <strong>do</strong> que isso, mostra ser razoável e equânime, na linha <strong>do</strong> preceito máximo <strong>de</strong> justiça <strong>de</strong> “dar a cada um o que é seu”.<br />

Valem as palavras no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que não se po<strong>de</strong> atribuir a uma das partes, em hipóteses tais, o papel isola<strong>do</strong> <strong>de</strong> único causa<strong>do</strong>r <strong>do</strong><br />

evento danoso, o que acaba sen<strong>do</strong> uma visão maniqueísta e superada, a qual procura dividir a responsabilida<strong>de</strong> civil em heróis e<br />

vilões. Sintetizan<strong>do</strong>, no caso <strong>do</strong> recall, é possível dividir as responsabilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as contribuições <strong>do</strong>s envolvi<strong>do</strong>s no<br />

caso concreto, notadamente pelos riscos assumi<strong>do</strong>s.

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