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#Manual de Direito do Consumidor (2017) - Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpsção Neves

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absolutas ou iure et <strong>de</strong> iure, não admitin<strong>do</strong> <strong>de</strong>clinação ou previsão em contrário.<br />

Como primeiro exemplo <strong>de</strong> cláusula abusiva por representar lesão objetiva, anote-se o teor <strong>do</strong> Enuncia<strong>do</strong> n. 432, da V Jornada<br />

<strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Civil <strong>do</strong> Conselho da Justiça Fe<strong>de</strong>ral e <strong>do</strong> Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça (2011): “Em contratos <strong>de</strong> financiamento bancário,<br />

são abusivas cláusulas contratuais <strong>de</strong> repasse <strong>de</strong> custos administrativos (como análise <strong>do</strong> crédito, abertura <strong>de</strong> cadastro, emissão <strong>de</strong><br />

fichas <strong>de</strong> compensação bancária etc.), seja por estarem intrinsecamente vinculadas ao exercício da ativida<strong>de</strong> econômica, seja por<br />

violarem o princípio da boa-fé objetiva”. De toda sorte, infelizmente, a jurisprudência superior enten<strong>de</strong> pela possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

cobrança <strong>de</strong> tais valores pelas entida<strong>de</strong>s bancárias, como fez o STJ, em relação à taxa <strong>de</strong> abertura <strong>de</strong> crédito (TAC) e à taxa <strong>de</strong><br />

emissão <strong>de</strong> carnê ou boleto (TEC). O tema ainda será retoma<strong>do</strong> no presente capítulo, com a análise das Súmulas 565 e 566 daquela<br />

Corte Superior, <strong>do</strong> ano <strong>de</strong> 2016.<br />

Outra interessante concretização <strong>de</strong> cláusula que representa a renúncia <strong>de</strong> um direito inerente ao contrato envolve a exceção <strong>de</strong><br />

contrato <strong>de</strong> não cumpri<strong>do</strong> e a cláusula solve et repete, exemplo retira<strong>do</strong> <strong>do</strong> raciocínio <strong>de</strong> Nelson Nery Jr.64 Como é notório, para os<br />

contratos bilaterais – aqueles com direitos e <strong>de</strong>veres para ambas as partes –, vale a máxima da exceção <strong>de</strong> contrato não cumpri<strong>do</strong>,<br />

antes explicada (art. 476 <strong>do</strong> CC). Repisan<strong>do</strong>, em tais negócios, não po<strong>de</strong> uma parte contratual exigir que a outra cumpra com a sua<br />

obrigação, se não cumprir com a própria. Porém, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primórdios jurídicos, admite-se a valida<strong>de</strong> e eficácia da cláusula solve et<br />

repete ou cláusula paga e <strong>de</strong>pois pe<strong>de</strong>, a afastar a invocação da exceção <strong>de</strong> contrato não cumpri<strong>do</strong>. Ora, como tal cláusula<br />

representa uma renúncia a um direito reconhecidamente inerente aos contratos bilaterais, sustenta-se a sua nulida<strong>de</strong> quan<strong>do</strong> inserida<br />

em contratos <strong>de</strong> consumo.65<br />

Pois bem, diante da existência <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> julga<strong>do</strong>s que fazem incidir a regra <strong>do</strong> inc. IV <strong>do</strong> art. 51, presumin<strong>do</strong> muitas vezes<br />

a <strong>de</strong>svantagem nos mol<strong>de</strong>s <strong>do</strong> exposto, vejamos apenas algumas <strong>de</strong>cisões ilustrativas <strong>do</strong> Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, para que a<br />

efetivida<strong>de</strong> da citada cláusula geral fique bem <strong>de</strong>lineada. De início, pronuncia-se a respeito <strong>de</strong> dívida em contrato bancário que “A<br />

orientação <strong>de</strong>sta Corte é no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que a cláusula contratual que permite a emissão da nota promissória em favor <strong>do</strong> banco<br />

caracteriza-se como abusiva, porque viola<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> princípio da boa-fé, consagra<strong>do</strong> no art. 51, inc. IV, <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong><br />

Consumi<strong>do</strong>r” (STJ – AgRg no REsp 1.025.797/RS – Terceira Turma – Rel. Min. Sidnei Beneti – j. 10.06.2008 – DJe 20.06.2008).<br />

Ato contínuo, já se enten<strong>de</strong>u na hipótese <strong>de</strong> o contrato bancário prever a incidência <strong>de</strong> juros remuneratórios, porém sem lhe<br />

precisar o montante, que está correta a <strong>de</strong>cisão que consi<strong>de</strong>ra nula tal cláusula, por <strong>de</strong>srespeito à boa-fé objetiva (STJ – REsp<br />

715.894/PR – Segunda Seção – Rel. Min. Nancy Andrighi – j. 26.04.2006 – DJ 19.03.2007, p. 284). Eis uma situação típica <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>svantagem ao consumi<strong>do</strong>r, em clara situação <strong>de</strong> onerosida<strong>de</strong> excessiva e <strong>de</strong>srespeito ao <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> informar <strong>de</strong>corrente da boa-fé<br />

objetiva.<br />

Além disso, o mesmo STJ conclui com justiça que “é abusiva a cláusula prevista em contrato <strong>de</strong> plano <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> que suspen<strong>de</strong> o<br />

atendimento em razão <strong>do</strong> atraso <strong>de</strong> pagamento <strong>de</strong> uma única parcela. Prece<strong>de</strong>nte da Terceira Turma. Na hipótese, a própria empresa<br />

segura<strong>do</strong>ra contribuiu para a mora, pois, em razão <strong>de</strong> problemas internos, não enviou ao segura<strong>do</strong> o boleto para pagamento. II. É<br />

ilegal, também, a estipulação que prevê a submissão <strong>do</strong> segura<strong>do</strong> a novo perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> carência, <strong>de</strong> duração equivalente ao prazo pelo<br />

qual perdurou a mora, após o adimplemento <strong>do</strong> débito em atraso. III. Recusa<strong>do</strong> atendimento pela segura<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> em<br />

<strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> cláusulas abusivas, quan<strong>do</strong> o segura<strong>do</strong> encontrava-se em situação <strong>de</strong> urgência e extrema necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong>s<br />

médicos, é nítida a caracterização <strong>do</strong> dano moral. Recurso provi<strong>do</strong>” (STJ – REsp 259.263/SP – Terceira Turma – Rel. Min. Castro<br />

Filho – j. 02.08.2005 – DJ 20.02.2006, p. 330).<br />

Também sobre o contrato <strong>de</strong> plano <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, <strong>de</strong>cisum <strong>do</strong> ano <strong>de</strong> 2016, <strong>do</strong> Tribunal da Cidadania, consi<strong>de</strong>rou que “é nula a<br />

cláusula inserta por opera<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> plano priva<strong>do</strong> <strong>de</strong> assistência à saú<strong>de</strong> em formulário <strong>de</strong> Declaração <strong>de</strong> Doenças ou Lesões<br />

Preexistentes (Declaração <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>) preven<strong>do</strong> a renúncia pelo consumi<strong>do</strong>r contratante à entrevista qualificada orientada por um<br />

médico, seguida apenas <strong>de</strong> espaço para aposição <strong>de</strong> assinatura, sem qualquer menção ao fato <strong>de</strong> tal entrevista se tratar <strong>de</strong> faculda<strong>de</strong><br />

<strong>do</strong> beneficiário”. Segun<strong>do</strong> o Ministro Relator, em tais contratos, a segura<strong>do</strong>ra <strong>de</strong>ve “a) esclarecer o pretenso segura<strong>do</strong> acerca <strong>do</strong> que<br />

consiste uma <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> <strong>do</strong>enças e lesões preexistentes e das consequências <strong>do</strong> incorreto preenchimento <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s ou <strong>de</strong><br />

eventuais equívocos nas respostas às indagações ali formuladas; e b) esclarecer que, no caso <strong>de</strong> o segura<strong>do</strong> ter dúvida acerca <strong>de</strong><br />

alguma questão, teria direito à orientação <strong>de</strong> um médico durante o preenchimento <strong>do</strong> <strong>do</strong>cumento, oportunida<strong>de</strong> em que o<br />

profissional <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> iria elucidar o que estava sen<strong>do</strong> indaga<strong>do</strong>, por exemplo, os termos técnicos para <strong>de</strong>finir eventuais <strong>do</strong>enças e/ou<br />

lesões que o segura<strong>do</strong> ou parente pu<strong>de</strong>ssem ter sofri<strong>do</strong> antes daquela data” (STJ – REsp 1.554.448/PE – Rel. Min. João Otávio <strong>de</strong><br />

Noronha – j. 18.02.2016 – DJe 26.02.2016 – publica<strong>do</strong> no seu Informativo n. 578).<br />

Ainda no que diz respeito às opera<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> plano <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, outro aresto, ainda mais recente, consi<strong>de</strong>rou que, “em contrato <strong>de</strong><br />

plano <strong>de</strong> assistência à saú<strong>de</strong>, é abusiva a cláusula que preveja o in<strong>de</strong>ferimento <strong>de</strong> quaisquer procedimentos médico-hospitalares<br />

quan<strong>do</strong> solicita<strong>do</strong>s por médicos não coopera<strong>do</strong>s”. O Ministro Relator, com precisão, <strong>de</strong>staca o caráter existencial <strong>do</strong>s contratos <strong>de</strong><br />

plano <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, na linha <strong>do</strong> que está <strong>de</strong>fendi<strong>do</strong>. Segun<strong>do</strong> suas palavras: “o contrato <strong>de</strong> plano <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, além da nítida relação<br />

jurídica patrimonial que, por meio <strong>de</strong>le, se estabelece, reverbera também caráter existencial, intrinsecamente liga<strong>do</strong> à tutela <strong>do</strong>

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