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#Manual de Direito do Consumidor (2017) - Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpsção Neves

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A execução <strong>de</strong> sentença fundada em direito individual homogêneo será feita individualmente, pelos lesiona<strong>do</strong>s, seus<br />

sucessores ou mesmo pelos legitima<strong>do</strong>s coletivos. In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>do</strong> exequente, o importante a ressaltar é a natureza<br />

individual <strong>de</strong>ssas execuções, o que, no caso concreto, exigirá a iniciativa <strong>do</strong> indivíduo, seja ingressan<strong>do</strong> com a execução, seja<br />

munician<strong>do</strong> o legitima<strong>do</strong> coletivo <strong>de</strong> informações para que o quantum <strong>de</strong>beatur individual seja estabeleci<strong>do</strong>. O indivíduo, portanto,<br />

é peça fundamental na execução <strong>de</strong> sentença coletiva fundada em direito individual homogêneo.<br />

Como a participação <strong>do</strong> indivíduo é praticamente indispensável na execução ora analisada, surge a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma<br />

sentença praticamente ineficaz, que aproveite concretamente um número ínfimo <strong>de</strong> interessa<strong>do</strong>s que se habilitem na <strong>de</strong>manda para<br />

executar seus créditos. Por vezes, uma sentença com abrangência ampla em termos <strong>de</strong> sujeitos beneficia<strong>do</strong>s po<strong>de</strong> simplesmente<br />

<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> gerar to<strong>do</strong>s os seus potenciais efeitos, bastan<strong>do</strong> para isso que os beneficia<strong>do</strong>s pela <strong>de</strong>cisão não executem seus créditos<br />

individuais. E nesse caso a execução por reparação fluida evita o enriquecimento sem causa <strong>do</strong> con<strong>de</strong>na<strong>do</strong> na ação coletiva323.<br />

Po<strong>de</strong>r-se-á questionar por que um sujeito, que tem em seu favor um título executivo judicial, <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> executá-lo. Apesar <strong>do</strong>s<br />

mecanismos <strong>de</strong> aviso aos interessa<strong>do</strong>s previstos pela lei, <strong>de</strong>ve-se reconhecer que a publicação <strong>de</strong> editais no início <strong>do</strong> processo, nos<br />

termos <strong>do</strong> art. 94 <strong>do</strong> CDC, po<strong>de</strong> não levar à informação da existência <strong>do</strong> processo para to<strong>do</strong>s os interessa<strong>do</strong>s. E, mesmo que<br />

a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> entendimento <strong>do</strong>utrinário no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> aplicar esse dispositivo legal por analogia para o momento posterior ao trânsito em<br />

julga<strong>do</strong> 324 , difícil acreditar na plena publicida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>cisão. Medida interessante nesse senti<strong>do</strong> seria o autor pedir já na petição<br />

inicial a con<strong>de</strong>nação <strong>do</strong> réu a provi<strong>de</strong>nciar a publicação da sentença em meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> alcance, como internet,<br />

televisão e rádio. De qualquer forma, <strong>de</strong>ve-se contar com a ignorância <strong>do</strong>s interessa<strong>do</strong>s a respeito da sentença que os beneficia.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, a própria <strong>de</strong>sinformação <strong>de</strong> muitas partes e seus patronos po<strong>de</strong> colaborar para não haver a execução individual<br />

na dimensão a<strong>de</strong>quada e possível diante da sentença coletiva. A exata compreensão <strong>do</strong> sistema processual existente para a tutela<br />

coletiva ainda está longe <strong>de</strong> ser uma realida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que não é espantoso encontrar advoga<strong>do</strong>s que simplesmente não sabem<br />

que po<strong>de</strong>rão se valer <strong>de</strong> uma sentença coletiva para o benefício <strong>de</strong> seus clientes.<br />

Além das dificulda<strong>de</strong>s apresentadas, é importante lembrar típica hipótese <strong>de</strong> execução por fluid recovery. Como aponta a<br />

melhor <strong>do</strong>utrina 325 , existem danos que individualmente consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s são ínfimos, dificilmente incentivan<strong>do</strong> os indivíduos à<br />

execução. No entanto, quan<strong>do</strong> esses danos individuais são soma<strong>do</strong>s, passan<strong>do</strong> a existir <strong>de</strong> forma global, nota-se que o prejuízo<br />

gera<strong>do</strong> pelo réu foi substancial 326 . Os exemplos são fartos: milhares <strong>de</strong> consumi<strong>do</strong>res foram engana<strong>do</strong>s por uma empresa <strong>de</strong><br />

chocolate, que anunciava barras <strong>de</strong> 30 g com somente 29 g; milhares <strong>de</strong> viajantes pagaram pedágio a R$ 10,00 quan<strong>do</strong> o valor<br />

correto seria R$ 9,90; milhares <strong>de</strong> clientes <strong>de</strong> um banco tiveram R$ 0,50 retira<strong>do</strong> in<strong>de</strong>vidamente <strong>de</strong> suas contas. Nesse caso, a falta<br />

<strong>de</strong> interesse nas execuções individuais, em razão <strong>do</strong> ínfimo valor envolvi<strong>do</strong>, po<strong>de</strong>rá liberar o réu <strong>de</strong> arcar com as consequências <strong>de</strong><br />

seu ato danoso, o que, naturalmente, não <strong>de</strong>ve ser bem aceito.<br />

Exatamente por compreen<strong>de</strong>r que a efetivida<strong>de</strong> da sentença fundada em direito individual homogêneo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá antes <strong>de</strong> tu<strong>do</strong><br />

da iniciativa <strong>do</strong> indivíduo, com o que nem sempre se po<strong>de</strong>rá contar, o legisla<strong>do</strong>r consagrou no art. 100 <strong>do</strong> CDC a chamada<br />

execução por fluid recovery, originária <strong>do</strong> direito norte-americano, também chamada <strong>de</strong> reparação fluída. Segun<strong>do</strong> o dispositivo<br />

legal, “<strong>de</strong>corri<strong>do</strong> o prazo <strong>de</strong> um ano sem habilitação <strong>de</strong> interessa<strong>do</strong>s em número compatível com a gravida<strong>de</strong> <strong>do</strong> dano, po<strong>de</strong>rão os<br />

legitima<strong>do</strong>s <strong>do</strong> art. 82 promover a liquidação e execução da in<strong>de</strong>nização <strong>de</strong>vida”.<br />

A execução por fluid recovery se distingue <strong>de</strong> forma significativa da execução individual. Nesta, o indivíduo ou o legitima<strong>do</strong><br />

coletivo como substituto processual litiga para satisfazer o direito individual, enquanto naquela o legitima<strong>do</strong> coletivo busca uma<br />

recomposição em prol da coletivida<strong>de</strong>, tanto assim que, segun<strong>do</strong> o art. 100, parágrafo único, <strong>do</strong> CDC, o produto da in<strong>de</strong>nização<br />

<strong>de</strong>vida reverterá para o fun<strong>do</strong> cria<strong>do</strong> pela Lei 7.347/1985, o Fun<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Difusos (FDD), in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> pedi<strong>do</strong> nesse<br />

senti<strong>do</strong> na petição inicial da ação coletiva327. Não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser interessante porque o dano gera<strong>do</strong> pelo réu foi individual, enquanto<br />

a execução por fluid recovery tutela a coletivida<strong>de</strong>.<br />

Essa forma diferenciada <strong>de</strong> execução <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rada como uma anomalia <strong>do</strong> sistema, só <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> tomar lugar quan<strong>do</strong> as<br />

execuções individuais não tiverem si<strong>do</strong> oferecidas em número compatível com a gravida<strong>de</strong> <strong>do</strong> dano. Insista-se mais uma vez que,<br />

se o direito individual homogêneo tem natureza <strong>de</strong> direito individual, as execuções <strong>de</strong>vem ser individuais, valen<strong>do</strong>-se o sistema da<br />

execução por fluid recovery apenas subsidiariamente 328 .<br />

Apesar <strong>do</strong> silêncio da lei, o termo inicial <strong>do</strong> prazo <strong>de</strong> um ano previsto pelo art. 100 <strong>do</strong> CDC é o trânsito em julga<strong>do</strong> da<br />

sentença 329 , pois ninguém po<strong>de</strong> ser obriga<strong>do</strong> a executar provisoriamente uma sentença assumin<strong>do</strong> os riscos que essa espécie <strong>de</strong><br />

execução proporciona. Caberá aos legitima<strong>do</strong>s coletivos uma primeira aferição <strong>do</strong> número <strong>de</strong> interessa<strong>do</strong>s habilita<strong>do</strong>s diante <strong>do</strong><br />

potencial da sentença, uma vez que, se os próprios legitima<strong>do</strong>s coletivos enten<strong>de</strong>rem que o número <strong>de</strong> interessa<strong>do</strong>s habilita<strong>do</strong>s é<br />

compatível com a gravida<strong>de</strong> <strong>do</strong> dano, não <strong>de</strong>vem ingressar com a execução por fluid recovery. E, mesmo que seja oferecida a<br />

execução, caberá ao juiz a palavra final a respeito <strong>do</strong> cabimento <strong>de</strong>ssa espécie <strong>de</strong> execução, sen<strong>do</strong> nesse caso indispensável, em<br />

respeito ao princípio <strong>do</strong> contraditório, a oitiva <strong>do</strong> réu antes da prolação da <strong>de</strong>cisão. De qualquer forma, o juiz nunca po<strong>de</strong>rá dar<br />

início <strong>de</strong> ofício a tal execução.

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