#Manual de Direito do Consumidor (2017) - Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpsção Neves
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prejuízo da responsabilida<strong>de</strong> pela reparação <strong>de</strong> eventuais danos”. Razões <strong>do</strong> veto: “O dispositivo é contrário ao interesse público,<br />
pois, ao <strong>de</strong>terminar a retirada <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> <strong>de</strong> produtos e serviços que apresentem ‘alto grau <strong>de</strong> nocivida<strong>de</strong> ou periculosida<strong>de</strong>’,<br />
mesmo quan<strong>do</strong> ‘a<strong>de</strong>quadamente utiliza<strong>do</strong>s’, impossibilita a produção e o comércio <strong>de</strong> bens indispensáveis à vida mo<strong>de</strong>rna (e.g.<br />
materiais radioativos, produtos químicos e outros). Cabe, quanto a tais produtos e serviços, a a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong>s especiais, a<br />
serem disciplina<strong>do</strong>s em legislação específica”. Todavia, <strong>de</strong>ve ficar claro que tal veto não prejudica o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> se fazer o recall,<br />
prática que se mostrou até mais efetiva <strong>do</strong> que a simples retirada <strong>do</strong> produto. O que se verifica no recall é um ato <strong>de</strong> convocação<br />
<strong>do</strong>s fornece<strong>do</strong>res para que os consumi<strong>do</strong>res ajam em colaboração ou cooperação, um <strong>do</strong>s ditames da boa-fé objetiva.<br />
Não restam dúvidas <strong>de</strong> que há um paralelo entre a responsabilida<strong>de</strong> pós-contratual ou post pactum finitum e a prática <strong>do</strong><br />
recall, aplican<strong>do</strong>-se o princípio da boa-fé nessa fase negocial. Tal interação é muito bem <strong>de</strong>lineada por Rogério Ferraz Donnini,<br />
para quem “o recall evita que o fornece<strong>do</strong>r suporte uma gama enorme <strong>de</strong> ações <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização daqueles que eventualmente<br />
sofreriam prejuízos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a substituição <strong>do</strong> produto nocivo ou perigoso seja realizada <strong>de</strong> maneira apropriada. O recall, assim,<br />
não caracteriza uma culpa <strong>do</strong> fornece<strong>do</strong>r após a extinção <strong>do</strong> contrato firma<strong>do</strong> com o consumi<strong>do</strong>r. Ao contrário. Trata-se <strong>de</strong><br />
expediente preventivo. Há, em verda<strong>de</strong>, a antecipação <strong>do</strong> fornece<strong>do</strong>r para que o fato que provavelmente suce<strong>de</strong>ria (dano) não se<br />
concretize. Embora essa substituição <strong>de</strong> produto ocorra normalmente após extinto o contrato, inexiste culpa <strong>do</strong> fornece<strong>do</strong>r. Não há,<br />
<strong>de</strong>starte, responsabilida<strong>de</strong> civil <strong>do</strong> fornece<strong>do</strong>r, haja vista que o prejuízo ainda não ocorreu. Des<strong>de</strong> que seja feita a troca da peça<br />
avariada <strong>de</strong> forma a<strong>de</strong>quada, foram os <strong>de</strong>veres acessórios cumpri<strong>do</strong>s”.112<br />
De fato, se há a troca, o dano não estará presente, não se cogitan<strong>do</strong> o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nizar <strong>do</strong> fornece<strong>do</strong>r. Nessa linha vem<br />
<strong>de</strong>cidin<strong>do</strong> a jurisprudência nacional. A título <strong>de</strong> exemplo, <strong>do</strong> Tribunal <strong>do</strong> Distrito Fe<strong>de</strong>ral: “Ação coletiva. CDC. Alegação <strong>de</strong><br />
riscos a consumi<strong>do</strong>res. Exposição a produtos vicia<strong>do</strong>s ou <strong>de</strong>feituosos que foram objeto <strong>de</strong> recall. Danos morais. Inocorrência. O<br />
recolhimento preventivo <strong>de</strong> brinque<strong>do</strong> (recall) em face <strong>de</strong> <strong>de</strong>feito na concepção ou <strong>de</strong> componente nocivo à saú<strong>de</strong>, não gera, por si<br />
só, danos morais. Prece<strong>de</strong>ntes <strong>do</strong> STJ” (TJDF – Recurso 2007.01.1.110169-4 – Acórdão 329.335 – Segunda Turma Cível – Rel.<br />
Des. Carmelita Brasil – DJDFTE 12.11.2008, p. 77). Na mesma perspectiva:<br />
“In<strong>de</strong>nização. Danos morais e materiais. Convocação para troca <strong>de</strong> equipamentos através <strong>de</strong> recall. Impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reparação <strong>de</strong><br />
dano hipotético ou potencial. Não há se falar em dano moral ou material em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> convocação da autora para troca <strong>de</strong><br />
equipamentos em seu veículo através <strong>de</strong> recall pela simples preocupação advinda com a ciência <strong>do</strong> <strong>de</strong>feito ou pelo não abatimento<br />
<strong>do</strong> valor <strong>do</strong> carro no momento da compra. Não existe reparação <strong>de</strong> dano hipotético ou potencial. Além <strong>do</strong> mais, não há se falar em<br />
danos materiais se o preço <strong>de</strong> venda <strong>do</strong> veículo foi superior ao preço <strong>de</strong> compra. Não é qualquer dissabor, ou qualquer incômo<strong>do</strong>,<br />
que dá ensejo à in<strong>de</strong>nização por abalo moral. É preciso se ter em conta, sempre, que não se po<strong>de</strong> estimular a proliferação da<br />
chamada ‘indústria <strong>do</strong> dano moral’. Apelo improvi<strong>do</strong>” (TJRS – Acórdão 70004786117, Porto Alegre – Quinta Câmara Cível – Rel.<br />
Des. Marco Aurélio <strong>do</strong>s Santos Caminha – j. 25.09.2003).<br />
Por outra via, se o problema na coisa é anterior ao recall, a convocação posterior para a troca evi<strong>de</strong>ncia o vício, surgin<strong>do</strong> a<br />
obrigação <strong>de</strong> reparar <strong>do</strong> fabricante, com base no Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r, conforme reconheci<strong>do</strong> pelo Superior Tribunal<br />
<strong>de</strong> Justiça na ementa a seguir colacionada:<br />
“Civil. Processual civil. Recurso especial. <strong>Direito</strong> <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r. Veículo com <strong>de</strong>feito. Responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> fornece<strong>do</strong>r.<br />
In<strong>de</strong>nização. Danos morais. Valor in<strong>de</strong>nizatório. Redução <strong>do</strong> quantum. Prece<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>sta Corte. 1. Aplicável à hipótese a legislação<br />
consumerista. O fato <strong>de</strong> o recorri<strong>do</strong> adquirir o veículo para uso comercial – táxi – não afasta a sua condição <strong>de</strong> hipossuficiente na<br />
relação com a empresa-recorrente, ensejan<strong>do</strong> a aplicação das normas protetivas <strong>do</strong> CDC. 2. Verifica-se, in casu, que se trata <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>feito relativo à falha na segurança, <strong>de</strong> caso em que o produto traz um vício intrínseco que potencializa um aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> consumo,<br />
sujeitan<strong>do</strong>-se o consumi<strong>do</strong>r a um perigo iminente (<strong>de</strong>feito na mangueira <strong>de</strong> alimentação <strong>de</strong> combustível <strong>do</strong> veículo, propician<strong>do</strong><br />
vazamento causa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> incêndio). Aplicação da regra <strong>do</strong> art. 27 <strong>do</strong> CDC. 3. O Tribunal a quo, com base no conjunto fáticoprobatório<br />
trazi<strong>do</strong> aos autos, enten<strong>de</strong>u que o <strong>de</strong>feito fora publicamente reconheci<strong>do</strong> pela recorrente, ao proce<strong>de</strong>r ao recall com vistas<br />
à substituição da mangueira <strong>de</strong> alimentação <strong>do</strong> combustível. A pretendida reversão <strong>do</strong> <strong>de</strong>cisum recorri<strong>do</strong> <strong>de</strong>manda reexame <strong>de</strong><br />
provas analisadas nas instâncias ordinárias. Óbice da Súmula 7/STJ. 4. Esta Corte tem entendimento firma<strong>do</strong> no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que<br />
‘quanto ao dano moral, não há que se falar em prova, <strong>de</strong>ve-se, sim, comprovar o fato que gerou a <strong>do</strong>r, o sofrimento, sentimentos<br />
íntimos que o ensejam. Prova<strong>do</strong> o fato, impõe-se a con<strong>de</strong>nação’ (Cf. AGA 356.447-RJ, DJ 11.06.2001). 5. Consi<strong>de</strong>radas as<br />
peculiarida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> caso em questão e os princípios <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>ração e da razoabilida<strong>de</strong>, o valor fixa<strong>do</strong> pelo Tribunal a quo, a título <strong>de</strong><br />
danos morais, em 100 (cem) salários mínimos, mostra-se excessivo, não se limitan<strong>do</strong> à compensação <strong>do</strong>s prejuízos advin<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />
evento danoso, pelo que se impõe a respectiva redução a quantia certa <strong>de</strong> R$ 5.000,00 (cinco mil reais). 6. Recurso conheci<strong>do</strong><br />
parcialmente e, nesta parte, provi<strong>do</strong>” (STJ – REsp 575.469/RJ – Quarta Turma – Rel. Min. Jorge Scartezzini – j. 18.11.2004 – DJ<br />
06.12.2004, p. 325).<br />
Na mesma linha, colaciona-se ementa <strong>do</strong> Tribunal Paulista, seguin<strong>do</strong> as lições expostas nesta obra: “In<strong>de</strong>nização. Dano moral.<br />
Aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> veículo com evento morte. Cinto <strong>de</strong> segurança traseiro. Defeito <strong>de</strong> fabricação. Recall posterior ao evento. Ônus da