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#Manual de Direito do Consumidor (2017) - Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpsção Neves

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direito fundamental à saú<strong>de</strong> <strong>do</strong> usuário, o que coloca tal espécie contratual em uma perspectiva <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> relevância no sistema<br />

jurídico pátrio. (…). Consoante <strong>do</strong>utrina a respeito <strong>do</strong> tema, conquanto a Carta da República se refira, por excelência, ao Po<strong>de</strong>r<br />

Público, sabe-se que a eficácia <strong>do</strong> direito fundamental à saú<strong>de</strong> ultrapassa o âmbito das relações travadas entre Esta<strong>do</strong> e cidadãos –<br />

eficácia vertical –, para abarcar as relações jurídicas firmadas entre os cidadãos, limitan<strong>do</strong> a autonomia das partes, com o intuito <strong>de</strong><br />

se obter a máxima concretização <strong>do</strong> aspecto existencial, sem, contu<strong>do</strong>, eliminar os interesses materiais. Suscita-se, pois, a eficácia<br />

horizontal <strong>do</strong> direito fundamental à saú<strong>de</strong>, visualizan<strong>do</strong> a incidência direta e imediata <strong>de</strong>sse direito nos contratos <strong>de</strong> plano <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />

Todavia, o que se nota, muitas vezes, no âmbito priva<strong>do</strong>, é a colisão <strong>do</strong>s interesses das partes, fican<strong>do</strong>, <strong>de</strong> um la<strong>do</strong>, as opera<strong>do</strong>ras <strong>do</strong><br />

plano <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> – <strong>de</strong> caráter eminentemente patrimonial – e, <strong>de</strong> outro, os usuários – com olhar volta<strong>do</strong> para sua subsistência. Assim,<br />

para dirimir os conflitos existentes no <strong>de</strong>correr da execução contratual, há que se buscar, nesses casos, o diálogo das fontes, que<br />

permite a aplicação simultânea e complementar <strong>de</strong> normas distintas. Por isso, é salutar, nos contratos <strong>de</strong> plano <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, con<strong>de</strong>nsar a<br />

legislação especial (Lei n. 9.656/1998), especialmente com o CDC, pois, segun<strong>do</strong> o entendimento <strong>do</strong>utrinário, esse contrato<br />

configura-se como um ‘contrato cativo e <strong>de</strong> longa duração, a envolver por muitos anos um fornece<strong>do</strong>r e um consumi<strong>do</strong>r, com uma<br />

finalida<strong>de</strong> em comum, que é assegurar para o usuário o tratamento e ajudá-lo a suportar os riscos futuros envolven<strong>do</strong> a sua saú<strong>de</strong>’.<br />

Assim, diante da concepção social <strong>do</strong> contrato, aquele que <strong>de</strong>clara algo referente ao negócio que está prestes a concluir <strong>de</strong>ve<br />

respon<strong>de</strong>r pela confiança que a outra parte nele <strong>de</strong>positou ao contratar. Isso porque o direito <strong>do</strong>s contratos assume a função <strong>de</strong><br />

realizar a equitativa distribuição <strong>de</strong> direitos e <strong>de</strong>veres entre os contratantes, buscan<strong>do</strong> atingir a justiça contratual, a qual se<br />

perfectibiliza, pois, na exata equivalência das prestações ou sacrifícios suporta<strong>do</strong>s pelas partes, bem como na proteção da confiança<br />

e da boa-fé <strong>de</strong> ambos os contratantes”.<br />

E arremata, com conclusão que tem o apoio <strong>de</strong>ste autor: “embora seja conduta embasada em cláusulas contratuais, nota-se que<br />

as práticas realizadas pela opera<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> plano <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, sobretu<strong>do</strong> negar as solicitações feitas por médicos não coopera<strong>do</strong>s,<br />

mostram-se contrárias ao permiti<strong>do</strong> pela legislação consumerista. Naquela situação em que o usuário busca o médico <strong>de</strong> sua<br />

confiança, mas realiza os exames por ele solicita<strong>do</strong>s em instalações da re<strong>de</strong> cre<strong>de</strong>nciada, não há prejuízo nenhum para a<br />

cooperativa, haja vista que o valor da consulta foi arca<strong>do</strong> exclusivamente pelo usuário, sem pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> reembolso. In<strong>de</strong>ferir a<br />

solicitação <strong>de</strong> qualquer procedimento hospitalar requeri<strong>do</strong> por médico não coopera<strong>do</strong> estaria afetan<strong>do</strong> não mais o princípio <strong>do</strong><br />

equilíbrio contratual, mas o da boa-fé objetiva” (STJ – REsp 1.330.919/MT – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – j. 02.08.2016 – DJe<br />

18.08.2016 – publica<strong>do</strong> no seu Informativo n. 588).<br />

Reafirme-se, mais uma vez, que o Tribunal da Cidadania tem si<strong>do</strong> implacável, nos últimos anos, em relação às abusivida<strong>de</strong>s<br />

praticadas pelas empresas <strong>de</strong> plano <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, mormente pelo claro conteú<strong>do</strong> existencial em tais negócios.<br />

Seguin<strong>do</strong> nas concreções práticas, foram reconhecidas como nulas as cláusulas que permitiam às construtoras dispor <strong>do</strong> imóvel<br />

aliena<strong>do</strong> a terceiros, instituin<strong>do</strong> hipoteca em favor <strong>do</strong> banco, outra típica situação <strong>de</strong> onerosida<strong>de</strong> excessiva ou <strong>de</strong>sequilíbrio<br />

negocial em prejuízo ao consumi<strong>do</strong>r (STJ – REsp 410.306/DF – Quarta Turma – Rel. Min. Ruy Rosa<strong>do</strong> <strong>de</strong> Aguiar – j. 27.08.2002 –<br />

DJ 07.10.2002, p. 265). Além disso, para o mesmo Tribunal, no seguro <strong>de</strong> automóvel, em caso <strong>de</strong> perda total, a in<strong>de</strong>nização a ser<br />

paga pela segura<strong>do</strong>ra <strong>de</strong>ve tomar como base a quantia ajustada na apólice. Sen<strong>do</strong> assim, é abusiva a cláusula que inclui na apólice<br />

um valor, sobre o qual o segura<strong>do</strong> paga o prêmio, e preten<strong>de</strong>r in<strong>de</strong>nizá-lo por valor menor, correspon<strong>de</strong>nte ao preço <strong>de</strong> merca<strong>do</strong>,<br />

estipula<strong>do</strong> pela própria segura<strong>do</strong>ra (STJ – REsp 191.189/MG – Terceira Turma – Rel. Min. Nilson Naves – Rel. p/Acórdão Min.<br />

Wal<strong>de</strong>mar Zveiter – j. 05.12.2000 – DJ 05.03.2001, p. 154; e STJ – REsp 176.890/MG – Segunda Seção – Rel. Min. Wal<strong>de</strong>mar<br />

Zveiter – j. 22.09.1999 – DJ 19.02.2001, p. 130).<br />

Apesar <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s esses exemplos louváveis da Corte Superior, em alguns casos não se aplica bem o dispositivo consumerista em<br />

comento. Cite-se, a título <strong>de</strong> exemplo, o reconhecimento da cláusula <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lização consi<strong>de</strong>rada, “em regra, legítima em contrato <strong>de</strong><br />

telefonia. Isso porque o assinante recebe benefícios em contrapartida à a<strong>de</strong>são <strong>de</strong>ssa cláusula, haven<strong>do</strong>, além disso, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

garantir um retorno mínimo à empresa contratada pelas benesses conferidas. Prece<strong>de</strong>nte cita<strong>do</strong>: AgRg no REsp 1.204.952/DF, DJe<br />

<strong>de</strong> 20/8/2012” (STJ – AgRg no AREsp 253.609/RS – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – j. 18.12.2012. Ver, mais recentemente:<br />

STJ – REsp 1.097.582/MS – Quarta Turma – Rel. Min. Marco Buzzi – j. 19.03.2013, DJe 08.04.2013).<br />

Com o <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> respeito, o presente autor está alinha<strong>do</strong> aos julga<strong>do</strong>s estaduais que concluem <strong>de</strong> maneira diversa, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

que “a cláusula <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lização é abusiva, na medida em que coloca o consumi<strong>do</strong>r em posição extremamente <strong>de</strong>svantajosa e <strong>de</strong>sigual,<br />

violan<strong>do</strong>, ainda, a livre concorrência e os princípios da confiança, da transparência, da informação, bem como da boa-fé objetiva.<br />

Demonstrada a nulida<strong>de</strong> da cláusula <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>, o reconhecimento <strong>do</strong> caráter in<strong>de</strong>vi<strong>do</strong> da cobrança efetuada a este título é mero<br />

corolário lógico. A existência <strong>do</strong>s danos morais no caso vertente é in re ipsa, ou seja, <strong>de</strong>corre automaticamente da negativação <strong>do</strong><br />

nome <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r no cadastro <strong>de</strong> inadimplentes, sen<strong>do</strong> prescindível a comprovação <strong>de</strong> efetivo prejuízo, na medida em que o<br />

mesmo é presumi<strong>do</strong>” (TJMG – Apelação Cível 1.0024.10.030764-4/001 – Rel. Des. Rogério Me<strong>de</strong>iros – j. 17.01.2013, DJEMG<br />

25.01.2013).<br />

Por fim, algumas palavras <strong>de</strong>vem ser ditas em relação à chamada cláusula-surpresa, que constava <strong>do</strong> art. 51, inc. V, da Lei

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