#Manual de Direito do Consumidor (2017) - Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpsção Neves
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(art. 107 <strong>do</strong> CC), a garantia contratual exige forma escrita, o que é reconheci<strong>do</strong> também em outras fontes <strong>do</strong> <strong>Direito</strong> Compara<strong>do</strong>,<br />
caso das normas italianas.59 A norma visa a dar maior segurança aos consumi<strong>do</strong>res, para a tutela efetiva <strong>do</strong>s seus direitos.<br />
Em complemento, estipula o parágrafo único <strong>do</strong> art. 50 que o termo <strong>de</strong> garantia ou equivalente <strong>de</strong>ve ser padroniza<strong>do</strong> e<br />
esclarecer, <strong>de</strong> maneira a<strong>de</strong>quada, em que consiste a garantia, especialmente o seu lapso temporal. Além disso, <strong>de</strong>ve indicar a forma<br />
e o lugar em que po<strong>de</strong> ser exercitada e os ônus a cargo <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r. Em suma, as informações constantes <strong>do</strong> termo <strong>de</strong>vem ser<br />
completas e precisas, para o seu <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> exercício por parte <strong>do</strong> vulnerável negocial.<br />
O art. 50, parágrafo único, <strong>do</strong> CDC ainda preceitua que o termo <strong>de</strong> garantia <strong>de</strong>ve ser efetivamente entregue e preenchi<strong>do</strong> pelo<br />
fornece<strong>do</strong>r, no ato <strong>do</strong> fornecimento, acompanha<strong>do</strong> <strong>de</strong> manual <strong>de</strong> instruções, <strong>de</strong> instalação e uso <strong>do</strong> produto em linguagem didática,<br />
com ilustrações. O <strong>de</strong>srespeito a tais <strong>de</strong>veres inerentes à boa-fé objetiva po<strong>de</strong> gerar a responsabilização <strong>do</strong> fornece<strong>do</strong>r ou presta<strong>do</strong>r,<br />
nas hipóteses <strong>de</strong> danos causa<strong>do</strong>s aos consumi<strong>do</strong>res.<br />
Para encerrar a análise <strong>do</strong> tema, cumpre trazer a lume mais um <strong>de</strong>bate envolven<strong>do</strong> os vícios redibitórios trata<strong>do</strong>s pelo Código<br />
Civil, em diálogo das fontes. Enuncia o art. 446 <strong>do</strong> CC/2002 que “Não correrão os prazos <strong>do</strong> artigo antece<strong>de</strong>nte na constância <strong>de</strong><br />
cláusula <strong>de</strong> garantia; mas o adquirente <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>nunciar o <strong>de</strong>feito ao alienante nos trinta dias seguintes ao seu <strong>de</strong>scobrimento, sob<br />
pena <strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência”. O dispositivo sempre gerou dúvidas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a entrada em vigor <strong>do</strong> Código Civil. Esclareça-se que os “prazos<br />
<strong>do</strong> artigo antece<strong>de</strong>nte” são os prazos <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nciais <strong>de</strong> trinta dias, cento e oito dias e um ano para a reclamação <strong>do</strong>s vícios<br />
redibitórios.<br />
Em verda<strong>de</strong>, trata o coman<strong>do</strong> legal <strong>de</strong> prazo <strong>de</strong> garantia convencional que in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>do</strong> legal e vice-versa, exatamente como<br />
consta <strong>do</strong> CDC. O art. 50 da Lei 8.078/1990 serve perfeitamente para a interpretação <strong>do</strong> preceito priva<strong>do</strong>, por meio <strong>de</strong> um diálogo<br />
<strong>de</strong> complementarida<strong>de</strong>. Assim, na vigência <strong>de</strong> prazo <strong>de</strong> garantia (<strong>de</strong>cadência convencional), não correrão os prazos legais<br />
(<strong>de</strong>cadência legal). Porém, diante <strong>do</strong> <strong>de</strong>ver anexo <strong>de</strong> informação, inerente à boa-fé objetiva, o alienante <strong>de</strong>verá <strong>de</strong>nunciar o vício no<br />
prazo <strong>de</strong> trinta dias conta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> seu <strong>de</strong>scobrimento, sob pena <strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência. A dúvida relativa ao dispositivo gira em torno da<br />
<strong>de</strong>cadência mencionada ao seu final. Essa <strong>de</strong>cadência se refere à perda da garantia convencional ou à perda <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> ingressar<br />
com as ações edilícias?<br />
Na opinião <strong>de</strong>ste autor, a <strong>de</strong>cadência referenciada no final <strong>do</strong> art. 446 <strong>do</strong> CC está ligada à perda <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> garantia e não ao<br />
direito <strong>de</strong> ingressar com as ações edilícias fundadas em vícios redibitórios. Sen<strong>do</strong> assim, fin<strong>do</strong> o prazo <strong>de</strong> garantia convencional, ou<br />
não exercen<strong>do</strong> o adquirente o direito no prazo <strong>de</strong> 30 dias fixa<strong>do</strong> no art. 446 <strong>do</strong> CC, iniciam-se os prazos legais previstos no art. 445<br />
<strong>do</strong> CC. Essa é a melhor interpretação, <strong>de</strong>ntro da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> justiça, pois, caso contrário, seria pior aceitar um prazo <strong>de</strong> garantia<br />
convencional, uma vez que o prazo <strong>de</strong> exercício <strong>do</strong> direito é reduzi<strong>do</strong> para trinta dias. Interpretan<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssa forma, leciona Maria<br />
Helena Diniz que, “com o término <strong>do</strong> prazo <strong>de</strong> garantia ou não <strong>de</strong>nuncian<strong>do</strong> o adquirente o vício <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> prazo <strong>de</strong> trinta dias, os<br />
prazos legais <strong>do</strong> art. 445 iniciar-se-ão”.60 Anote-se, para encerrar a seção, que essa solução <strong>de</strong> complementarida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s prazos no<br />
sistema civil já é aplicada pela melhor jurisprudência nacional (TJRS – Recurso 34989-90.2010.8.21.9000, Três <strong>de</strong> Maio – Segunda<br />
Turma Recursal Cível – Rel. Des. Fernanda Carravetta Vilan<strong>de</strong> – j. 13.04.2011 – DJERS 19.04.2011).<br />
5.7.<br />
AS CLÁUSULAS ABUSIVAS NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ANÁLISE<br />
DO ROL EXEMPLIFICATIVO DO ART. 51 DA LEI 8.078/1990 E SUAS<br />
DECORRÊNCIAS<br />
Sintoniza<strong>do</strong> com os princípios da função social <strong>do</strong> contrato e da boa-fé objetiva, o art. 51 da Lei 8.078/1990 consagra um rol<br />
exemplificativo ou numerus apertus <strong>de</strong> cláusulas abusivas, consi<strong>de</strong>radas como nulas <strong>de</strong> pleno <strong>de</strong> direito nos contratos <strong>de</strong> consumo<br />
(nulida<strong>de</strong> absoluta ou tão somente nulida<strong>de</strong>). Esclareça-se que a expressão cláusulas abusivas é mais contemporânea, para substituir<br />
o antigo termo cláusulas leoninas, que remonta ao <strong>Direito</strong> Romano.<br />
A natureza meramente exemplificativa, tema praticamente pacífico em se<strong>de</strong> <strong>do</strong>utrinária e jurispru<strong>de</strong>ncial em nosso País, fica<br />
clara pela redação <strong>do</strong> caput <strong>do</strong> coman<strong>do</strong> em estu<strong>do</strong> (“São nulas <strong>de</strong> pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao<br />
fornecimento <strong>de</strong> produtos e serviços que…” – com <strong>de</strong>staque por este autor). Como bem aponta Cristiano Heineck Schmitt, em<br />
trabalho monográfico sobre a matéria, “Todas essas situações exprimem contrarieda<strong>de</strong> à boa-fé, mas o legisla<strong>do</strong>r preferiu ser<br />
meticuloso, explicitan<strong>do</strong> cada uma <strong>de</strong>las, as quais servem <strong>de</strong> auxílio ao juiz, sem limitar a sua ativida<strong>de</strong>, uma vez que esse rol é<br />
apenas exemplificativo. A não a<strong>de</strong>quação <strong>do</strong> caso concreto ao rol <strong>do</strong> art. 51 <strong>do</strong> CDC não impedirá a ativida<strong>de</strong> meticulosa <strong>do</strong><br />
magistra<strong>do</strong> na análise das cláusulas <strong>do</strong> instrumento, a fim <strong>de</strong> comprovar a abusivida<strong>de</strong> ou não <strong>de</strong> uma ou <strong>de</strong> todas elas”.61<br />
As cláusulas são consi<strong>de</strong>radas ilícitas pela presença <strong>de</strong> um abuso <strong>de</strong> direito contratual. Além da nulida<strong>de</strong> absoluta, é possível<br />
reconhecer que, presente o dano, as cláusulas abusivas po<strong>de</strong>m gerar o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> reparar, ou seja, a responsabilida<strong>de</strong> civil <strong>do</strong><br />
fornece<strong>do</strong>r ou presta<strong>do</strong>r.<br />
O art. 51 <strong>do</strong> CDC representa uma das mais importantes mitigações da força obrigatória da convenção (pacta sunt servanda) na