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#Manual de Direito do Consumidor (2017) - Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpsção Neves

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da carência econômica <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s eles. Note-se que, nesse caso, sen<strong>do</strong> indivisível o direito, não se admitiria que essa i<strong>de</strong>ntificação e<br />

comprovação fossem reservadas ao momento da execução, pois seria impossível a <strong>de</strong>cisão favorecer somente parcela <strong>do</strong> grupo,<br />

classe ou categoria.<br />

Há no acórdão ora analisa<strong>do</strong> a menção da impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a Defensoria Pública executar a sentença individualmente em<br />

favor <strong>de</strong> quem não comprovar a hipossuficiência econômica, o que parece razoável, mas em nada interfere em sua legitimida<strong>de</strong><br />

para a propositura da ação coletiva, ainda que a tutela buscada possa tutelar também quem não é hipossuficiente econômico. A<br />

solução é perfeita porque numa tutela individual não po<strong>de</strong> a Defensoria Pública atuar por quem não provar sua situação <strong>de</strong> pobreza<br />

jurídica.<br />

Registre-se que, em voto venci<strong>do</strong> proferi<strong>do</strong> no julgamento <strong>do</strong> Recurso Especial 912.849/RS, o Ministro Teori Albino Zavascki,<br />

seguin<strong>do</strong> entendimento <strong>do</strong> relator da apelação no caso concreto, curiosamente o processualista Araken <strong>de</strong> Assis, já havia entendi<strong>do</strong><br />

pela legitimida<strong>de</strong> da Defensoria Pública para a <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> direitos individuais homogêneos <strong>do</strong>s consumi<strong>do</strong>res, limitan<strong>do</strong> a proteção<br />

jurisdicional obtida somente àqueles que <strong>de</strong>monstrassem individualmente, em fase <strong>de</strong> execução, sua condição <strong>de</strong> economicamente<br />

necessita<strong>do</strong> 167 .<br />

Como bem <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> por abalizada <strong>do</strong>utrina, essa limitação subjetiva pretendida pelo entendimento ora examina<strong>do</strong> exigiria<br />

<strong>do</strong>s consumi<strong>do</strong>res, que não são economicamente hipossuficientes, a propositura <strong>de</strong> nova ação – coletiva ou individual –, o que<br />

contraria os princípios da economia processual e da harmonização <strong>do</strong>s julga<strong>do</strong>s 168 . A<strong>de</strong>mais, o entendimento mistura<br />

in<strong>de</strong>vidamente a questão <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong> e da eficácia subjetiva da coisa julgada coletiva, sen<strong>do</strong> irrelevante para a <strong>de</strong>terminação<br />

<strong>do</strong>s beneficia<strong>do</strong>s quem foi o autor da ação coletiva. Se assim não fosse, ação coletiva movida por associação <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong>s<br />

consumi<strong>do</strong>res não po<strong>de</strong>ria beneficiar individualmente sujeito não consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> tecnicamente consumi<strong>do</strong>r, o que evi<strong>de</strong>ntemente não<br />

acontece nem <strong>de</strong>ve ocorrer.<br />

Nesse senti<strong>do</strong> o entendimento <strong>do</strong> Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral é superior, porque ele não impe<strong>de</strong> que a sentença coletiva<br />

favoreça também quem não é hipossuficiente econômico, apenas retira da Defensoria Pública a legitimida<strong>de</strong> ativa para executar a<br />

sentença em favor <strong>do</strong> indivíduo que não <strong>de</strong>monstrar seu esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> pobreza.<br />

No voto prolata<strong>do</strong> pelo Ministro Barroso, há expressa menção à ilegitimida<strong>de</strong> ativa da Defensoria Pública na hipótese <strong>de</strong> já ser<br />

possível i<strong>de</strong>ntificar que os tutela<strong>do</strong>s, como grupo, classe, categoria ou individualmente, não são hipossuficientes, como ocorreria<br />

numa ação para tutelar os associa<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Iate Clube ou os correntistas <strong>do</strong> Itaú Personnalité. Nesse senti<strong>do</strong>, inclusive, há <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong><br />

Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça enten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> pela ilegitimida<strong>de</strong> ativa da Defensoria Pública em ação coletiva que visava tutelar<br />

interesses <strong>de</strong> i<strong>do</strong>sos contratantes <strong>de</strong> planos priva<strong>do</strong>s <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>169.<br />

É tradicional na <strong>do</strong>utrina a divisão da função da Defensoria Pública em típica e atípica. Há unanimida<strong>de</strong> em apontar como<br />

função típica a <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong>s interesses <strong>do</strong>s economicamente necessita<strong>do</strong>s, existin<strong>do</strong> certa divergência no que viria a ser sua função<br />

atípica. Essas divergências são mais <strong>de</strong> forma <strong>do</strong> que <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong>, pois atinentes à forma <strong>de</strong> classificação <strong>de</strong>ssa função, mas ainda<br />

assim merecem breves comentários.<br />

Para parcela da <strong>do</strong>utrina, qualquer atuação que, apesar <strong>de</strong> permitida por previsão legal, não seja em <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong> economicamente<br />

necessita<strong>do</strong> representa uma atuação atípica 170 , cujos clássicos exemplos são a <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> acusa<strong>do</strong>s no processo penal (art. 4.º, XIV e<br />

XV, da LC 80/1994), com amparo nos arts. 261 e 263 <strong>do</strong> CPP, e a cura<strong>do</strong>ria especial nas hipóteses previstas no art. 72, II, <strong>do</strong> Novo<br />

CPC e admitida expressamente pelo art. 4.º, XVI, da LC 80/1994.<br />

Em ambos os casos menciona<strong>do</strong>s a condição econômica <strong>do</strong> sujeito tutela<strong>do</strong> pela Defensoria Pública é irrelevante, pois são<br />

outras as razões que <strong>de</strong>terminam sua participação no processo. Uma eventual legitimida<strong>de</strong> ativa da Defensoria Pública<br />

absolutamente dissociada da hipossuficiência econômica seria possível, portanto, em razão <strong>de</strong> suas funções atípicas.<br />

Outra parcela da <strong>do</strong>utrina, ao especificar a função atípica <strong>de</strong>senvolvida pela Defensoria Pública, divi<strong>de</strong>-a em duas espécies:<br />

<strong>de</strong>fesa <strong>do</strong> hipossuficiente jurídico e <strong>do</strong> hipossuficiente organizacional, o que se obtém por meio <strong>do</strong> alargamento <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong><br />

necessita<strong>do</strong>s, alvo constitucional <strong>de</strong> tutela nos termos <strong>do</strong> art. 134 da CF.<br />

Alarga-se o conceito <strong>de</strong> necessita<strong>do</strong>s para, além <strong>do</strong>s tradicionais carentes <strong>de</strong> recursos econômicos, incluírem-se também os<br />

necessita<strong>do</strong>s jurídicos, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que caberia à Defensoria Pública, quan<strong>do</strong> previsto em lei, garantir a <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s sujeitos,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> sua condição econômica, o pleno exercício da ampla <strong>de</strong>fesa e <strong>do</strong> contraditório171. Costuma-se indicar como<br />

exemplos as já citadas atuações em <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong> réu no processo penal e da cura<strong>do</strong>ria especial exercida no processo civil.<br />

Também incluem-se entre os necessita<strong>do</strong>s aqueles que têm real dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> se organizar para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>rem seus direitos em<br />

juízo e fora <strong>de</strong>le. Nesse caso, passa-se a falar em necessita<strong>do</strong>s organizacionais, hipossuficiência <strong>de</strong>rivada da vulnerabilida<strong>de</strong> das<br />

pessoas em face das relações complexas existentes na socieda<strong>de</strong> contemporânea, com especial ênfase aos conflitos próprios da<br />

socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> massa atual 172 . Derivaria <strong>de</strong>ssa função atípica a legitimação da Defensoria Pública nas ações coletivas.<br />

A tese, entretanto, não é pacífica, existin<strong>do</strong> <strong>do</strong>utrina que, em algum grau, continua a vincular a atuação da Defensoria Pública<br />

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