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#Manual de Direito do Consumidor (2017) - Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpsção Neves

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com Venosa e com Cassettari neste tocante. O referi<strong>do</strong> abono cumula<strong>do</strong> com cláusula penal é ilegal, pois reflete, na verda<strong>de</strong>, dupla<br />

multa e subverte a real data <strong>de</strong> pagamento da prestação. Um exemplo esclarece a questão.<br />

O contrato prevê que se a mensalida<strong>de</strong> escolar no importe <strong>de</strong> R$ 100,00 for paga até o dia 5 <strong>do</strong> mês, há um <strong>de</strong>sconto <strong>de</strong> 20%, se paga<br />

até o dia 10, o <strong>de</strong>sconto é <strong>de</strong> 10% e se paga na data <strong>do</strong> vencimento, dia 15, não há <strong>de</strong>sconto. Entretanto, se houver atraso a multa<br />

moratória é <strong>de</strong> 10%. Na realida<strong>de</strong>, o valor da prestação é <strong>de</strong> R$ 80,00, pois se <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>scontar o abono <strong>de</strong> pontualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 20%, que é<br />

cláusula penal disfarçada. Então, temos no contrato duas cláusulas penais cumuladas: a primeira que transforma o valor da prestação<br />

<strong>de</strong> R$ 80,00 em R$ 100,00 e a segunda, aplicada após o vencimento, que transforma o valor <strong>de</strong> R$ 100,00 em R$ 110,00. E assim<br />

<strong>de</strong>cidiu o TJSP, no mês <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2009: ‘Prestação <strong>de</strong> serviços educacionais. Cobrança. Desconto ou abatimento por<br />

pontualida<strong>de</strong>. Cláusula penal. Apuração <strong>do</strong>s valores <strong>de</strong>vi<strong>do</strong>s a título <strong>de</strong> mensalida<strong>de</strong>s não pagas, <strong>de</strong>verá ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> o valor<br />

líqui<strong>do</strong> da prestação, <strong>de</strong>sconta<strong>do</strong> o abatimento por pontualida<strong>de</strong>. Multa contratual. Redução para 2%. incidência <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Defesa<br />

<strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r. Recurso improvi<strong>do</strong>’ (Apelação sem revisão n. 987905004 – Trigésima Primeira Câmara <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Priva<strong>do</strong> – Rel.<br />

Des. Francisco Casconi – j. 11.08.2009).<br />

Essa interpretação <strong>do</strong> tema <strong>de</strong>corre <strong>do</strong> princípio que veda o enriquecimento sem causa, pois a existência <strong>de</strong> duas multas (uma<br />

<strong>de</strong>clarada e outra disfarçada) faz com que os prejuízos sejam presumi<strong>do</strong>s (<strong>de</strong> maneira absoluta) <strong>de</strong> forma <strong>do</strong>brada. A<strong>de</strong>mais, ofen<strong>de</strong> a<br />

função social <strong>do</strong> contrato em sua eficácia interna, pois gera uma obrigação por <strong>de</strong>mais pesada ao <strong>de</strong>ve<strong>do</strong>r”.90<br />

Como não po<strong>de</strong>ria ser diferente, o entendimento esposa<strong>do</strong> conta com o total apoio <strong>do</strong> presente autor, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> a cláusula <strong>de</strong><br />

pontualida<strong>de</strong> ser reprimida pelos órgãos e entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> proteção <strong>do</strong>s direitos <strong>do</strong>s consumi<strong>do</strong>res, bem como pelo Po<strong>de</strong>r Judiciário<br />

Nessa esteira, o presente autor não se filia a acórdão <strong>do</strong> Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, <strong>do</strong> ano <strong>de</strong> 2016, que consi<strong>de</strong>rou válida e eficaz<br />

a cláusula <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconto ou <strong>de</strong> abono por pontualida<strong>de</strong> inserida em contratos <strong>de</strong> serviços educacionais. Reitere-se que enten<strong>de</strong>mos ser<br />

tal <strong>de</strong>sconto nada mais <strong>do</strong> que uma multa disfarçada, superior aos limites legais. Vejamos a sua ementa:<br />

“Recurso especial. Ação civil pública <strong>de</strong>stinada ao reconhecimento <strong>de</strong> abusivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prática comercial conhecida como ‘<strong>de</strong>sconto<br />

<strong>de</strong> pontualida<strong>de</strong>’ inserida em contrato <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços educacionais. Improcedência. Inexistência <strong>de</strong> multa camuflada.<br />

Legitimida<strong>de</strong> da contratação. Reconhecimento. Recurso especial provi<strong>do</strong>. 1. A par das medidas diretas que atuam imediatamente no<br />

comportamento <strong>do</strong> indivíduo (proibin<strong>do</strong> este, materialmente, <strong>de</strong> violar a norma ou compelin<strong>do</strong>-o a agir segun<strong>do</strong> a norma), ganham<br />

relevância as medidas indiretas que influenciam psicologicamente o indivíduo a atuar segun<strong>do</strong> a norma. Assim, o sistema jurídico<br />

promocional, para o propósito <strong>de</strong> impedir um comportamento social in<strong>de</strong>seja<strong>do</strong>, não se limita a tornar essa conduta mais difícil ou<br />

<strong>de</strong>svantajosa, impon<strong>do</strong> obstáculos e punições para o <strong>de</strong>scumprimento da norma (técnica <strong>do</strong> <strong>de</strong>sencorajamento, por meio <strong>de</strong> sanções<br />

negativas). O or<strong>de</strong>namento jurídico promocional vai além, vai ao encontro <strong>do</strong> comportamento social <strong>de</strong>seja<strong>do</strong>, estimulan<strong>do</strong> a<br />

observância da norma, seja por meio da facilitação <strong>de</strong> seu cumprimento, seja por meio da concessão <strong>de</strong> benefícios, vantagens e<br />

prêmios <strong>de</strong>correntes da efetivação da conduta socialmente a<strong>de</strong>quada prevista na norma (técnica <strong>do</strong> encorajamento, por meio <strong>de</strong><br />

sanções positivas). 1.1 As normas que disciplinam o contrato (seja o Código Civil, seja o Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r)<br />

comportam, além das sanções legais <strong>de</strong>correntes <strong>do</strong> <strong>de</strong>scumprimento das obrigações ajustadas contratualmente (<strong>de</strong> caráter coercitivo<br />

e punitivo), as <strong>de</strong>nominadas sanções positivas, que, ao contrário, têm por propósito <strong>de</strong>finir consequências vantajosas em <strong>de</strong>corrência<br />

<strong>do</strong> correto cumprimento das obrigações contratuais. 2. Os serviços educacionais são contrata<strong>do</strong>s mediante o pagamento <strong>de</strong> um preço<br />

<strong>de</strong> anualida<strong>de</strong> certo, <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> e aceito pelas partes (diluí<strong>do</strong> nos valores nominais constantes das mensalida<strong>de</strong>s e matrícula). Inexiste,<br />

no bojo da presente ação civil pública, qualquer discussão quanto à existência <strong>de</strong> <strong>de</strong>feito <strong>de</strong> informação ou <strong>de</strong> vício <strong>de</strong> consentimento,<br />

especificamente em relação ao preço estipula<strong>do</strong> da anuida<strong>de</strong> escolar à época da celebração <strong>do</strong>s contratos <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços<br />

educacionais. Em momento algum se cogita que o aluno/consumi<strong>do</strong>r teria si<strong>do</strong> leva<strong>do</strong>, erroneamente, a supor que o preço <strong>de</strong> sua<br />

mensalida<strong>de</strong> seria aquele já <strong>de</strong>duzi<strong>do</strong> <strong>do</strong> valor <strong>do</strong> <strong>de</strong>sconto. Aliás, insinuações nesse senti<strong>do</strong> ce<strong>de</strong>riam à realida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s termos<br />

contrata<strong>do</strong>s, em especial, repisa-se, no tocante ao preço da anuida<strong>de</strong> efetivamente ajusta<strong>do</strong>. 2.2 Se o somatório <strong>do</strong>s valores nominais<br />

constantes das mensalida<strong>de</strong>s (incluí<strong>do</strong>s, aí, os valores <strong>de</strong> matrícula) equivale ao preço da anuida<strong>de</strong> contratada, ressai inquestionável<br />

que a concessão <strong>do</strong> <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> ‘<strong>de</strong>sconto por pontualida<strong>de</strong>’ consubstancia idônea medida <strong>de</strong> estímulo à consecução <strong>do</strong><br />

cumprimento <strong>do</strong> contrato, a premiar, legitimamente, o consumi<strong>do</strong>r que efetuar o pagamento <strong>de</strong> sua mensalida<strong>de</strong> na data avençada.<br />

2.3 A disposição contratual sob comento estimula o cumprimento da obrigação avençada, o que converge com os interesses <strong>de</strong> ambas<br />

as partes contratantes. De um la<strong>do</strong>, representa uma vantagem econômica ao consumi<strong>do</strong>r que efetiva o pagamento tempestivamente<br />

(colocan<strong>do</strong>-o em situação <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque em relação ao consumi<strong>do</strong>r que, ao contrario, proce<strong>de</strong> ao pagamento com atraso, promoven<strong>do</strong>,<br />

entre eles, isonomia material, e não apenas formal), e, em relação à instituição <strong>de</strong> ensino, não raras vezes, propicia até um<br />

adiantamento <strong>do</strong> valor a ser pago. 2.4 A proibição da estipulação <strong>de</strong> sanções premiais, como a tratada nos presentes autos, faria com<br />

que o redimensionamento <strong>do</strong>s custos <strong>do</strong> serviço pelo fornece<strong>do</strong>r (a quem cabe, exclusivamente, <strong>de</strong>finir o valor <strong>de</strong> seus serviços) fosse<br />

repassa<strong>do</strong> ao consumi<strong>do</strong>r, indistintamente, tenha ele o mérito <strong>de</strong> ser adimplente ou não. Além <strong>de</strong> o <strong>de</strong>sconto <strong>de</strong> pontualida<strong>de</strong><br />

significar indiscutível benefício ao consumi<strong>do</strong>r adimplente – que pagará por um valor efetivamente menor <strong>do</strong> preço da anualida<strong>de</strong><br />

ajusta<strong>do</strong> –, conferin<strong>do</strong>-lhe isonomia material, tal estipulação corrobora com a transparência sobre a que título os valores contrata<strong>do</strong>s<br />

são pagos, indiscutivelmente. 3. O <strong>de</strong>sconto <strong>de</strong> pontualida<strong>de</strong> é caracteriza<strong>do</strong> justamente pela cobrança <strong>de</strong> um valor inferior ao<br />

efetivamente contrata<strong>do</strong> (que é o preço da anuida<strong>de</strong> diluí<strong>do</strong> nos valores das mensalida<strong>de</strong>s e matrícula). Não se po<strong>de</strong> confundir o<br />

preço efetivamente ajusta<strong>do</strong> pelas partes com aquele a que se chega pelo abatimento proporciona<strong>do</strong> pelo <strong>de</strong>sconto. O consumi<strong>do</strong>r que<br />

não efetiva a sua obrigação, no caso, até a data <strong>do</strong> vencimento, não faz jus ao <strong>de</strong>sconto. Não há qualquer incidência <strong>de</strong> dupla<br />

penalização ao consumi<strong>do</strong>r no fato <strong>de</strong> a multa moratória incidir sobre o valor efetivamente contrata<strong>do</strong>. Entendimento contrário, sim,<br />

ensejaria duplo benefício ao consumi<strong>do</strong>r, que, além <strong>de</strong> obter o <strong>de</strong>sconto para efetivar a sua obrigação nos exatos termos contrata<strong>do</strong>s,<br />

em caso <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento, teria, ainda a seu favor, a incidência da multa moratória sobre valor inferior ao que efetivamente

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