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#Manual de Direito do Consumidor (2017) - Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpsção Neves

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Lima Marques, Herman Benjamin e Bruno Miragem, constitui uma regra <strong>de</strong> conduta. 21 Na mesma linha, conforme reconhece o<br />

Enuncia<strong>do</strong> n. 26 da Conselho da Justiça Fe<strong>de</strong>ral, aprova<strong>do</strong> na I Jornada <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Civil, a boa-fé objetiva vem a ser a exigência <strong>de</strong><br />

um comportamento <strong>de</strong> lealda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s participantes negociais, em todas as fases <strong>do</strong> negócio. A boa-fé objetiva tem relação direta com<br />

os <strong>de</strong>veres anexos ou laterais <strong>de</strong> conduta, que são <strong>de</strong>veres inerentes a qualquer negócio, sem a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> previsão no<br />

instrumento. Entre eles merecem <strong>de</strong>staque o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong>, o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> respeito, o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> lealda<strong>de</strong>, o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> probida<strong>de</strong>, o<br />

<strong>de</strong>ver <strong>de</strong> informar, o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> transparência, o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> agir honestamente e com razoabilida<strong>de</strong>. 22<br />

Atualizan<strong>do</strong> a obra, frise-se que a boa-fé objetiva também foi valorizada <strong>de</strong> maneira consi<strong>de</strong>rável pelo Novo Código <strong>de</strong><br />

Processo Civil, consolidan<strong>do</strong>-se na norma a boa-fé objetiva processual. Nos termos <strong>do</strong> seu art. 5º, aquele que <strong>de</strong> qualquer forma<br />

participa <strong>do</strong> processo <strong>de</strong>ve comportar-se <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a boa-fé. Em reforço, to<strong>do</strong>s os sujeitos <strong>do</strong> processo <strong>de</strong>vem cooperar entre<br />

si para que se obtenha, em tempo razoável, <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> mérito justa e efetiva (art. 6º <strong>do</strong> CPC/2015, consagra<strong>do</strong>r <strong>do</strong> <strong>de</strong>ver <strong>de</strong><br />

colaboração processual). Destaque-se, também, a vedação das <strong>de</strong>cisões-surpresa pelos julga<strong>do</strong>res, pois o art. 10 <strong>do</strong> Estatuto<br />

Processual emergente enuncia que o juiz não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir, em grau algum <strong>de</strong> jurisdição, com base em fundamento a respeito <strong>do</strong><br />

qual não se tenha da<strong>do</strong> às partes oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se manifestar, ainda que se trate <strong>de</strong> matéria sobre a qual <strong>de</strong>va <strong>de</strong>cidir <strong>de</strong> ofício.<br />

Como se verá em outros trechos <strong>de</strong>ste livro, tal regra tem aplicação para as relações <strong>de</strong> consumo, especialmente no caso <strong>de</strong><br />

reconhecimento <strong>de</strong> ofício da nulida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cláusulas abusivas. Merece ser mencionada, ainda, a regra <strong>do</strong> art. 489, § 3º, <strong>do</strong> CPC/2015,<br />

pelo qual a <strong>de</strong>cisão judicial <strong>de</strong>ve ser interpretada a partir da conjugação <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os seus elementos e em conformida<strong>de</strong> com o<br />

princípio da boa-fé.<br />

Na órbita consumerista, Claudia Lima Marques, Herman Benjamin e Bruno Miragem lecionam que a boa-fé objetiva tem três<br />

funções básicas:<br />

1ª)<br />

2ª)<br />

3ª)<br />

Servir como fonte <strong>de</strong> novos <strong>de</strong>veres especiais <strong>de</strong> conduta durante o vínculo contratual, os <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong>s <strong>de</strong>veres anexos, que serão por<br />

nós oportunamente estuda<strong>do</strong>s (função cria<strong>do</strong>ra).<br />

Constituir uma causa limita<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> exercício, antes lícito, hoje abusivo, <strong>do</strong>s direitos subjetivos (função limita<strong>do</strong>ra).<br />

Ser utilizada como concreção e interpretação <strong>do</strong>s contratos (função interpreta<strong>do</strong>ra).23<br />

Os mesmos juristas <strong>de</strong>monstram que “boa-fé é cooperação e respeito, é conduta esperada e leal, tutelada em todas as relações<br />

sociais”. 24 Dessa forma, por esse princípio, exige-se no contrato <strong>de</strong> consumo o máximo <strong>de</strong> respeito e colaboração entre as partes,<br />

<strong>de</strong>ven<strong>do</strong> aquele que atua com má-fé ser penaliza<strong>do</strong> por uma interpretação a contrario sensu, ou por sanções que estão previstas na<br />

própria lei consumerista, como a <strong>de</strong>cretação da nulida<strong>de</strong> <strong>do</strong> negócio ou a imputação da responsabilida<strong>de</strong> civil objetiva.<br />

A boa-fé objetiva traz a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> equilíbrio negocial, que, na ótica <strong>do</strong> <strong>Direito</strong> <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r, <strong>de</strong>ve ser manti<strong>do</strong> em to<strong>do</strong>s os<br />

momentos pelos quais passa o negócio jurídico. Sobre o tema, o argentino Carlos Gustavo Vallespinos ensina que “en este ámbito<br />

po<strong>de</strong>mos señalar que la búsqueda <strong>de</strong>l equilibrio negocial se manifiesta en la necesidad <strong>de</strong> un mayor intervencionismo estatal a la<br />

hora <strong>de</strong> pon<strong>de</strong>rar to<strong>do</strong> el fenómeno negocial entre consumi<strong>do</strong>res o usuarios y los provee<strong>do</strong>res profesionales, es <strong>de</strong>cidir abarcativo<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> la etapa previa al contrato, publicidad incluida, hasta el perío<strong>do</strong> poscontractual, pasan<strong>do</strong> por lo atinente al conteni<strong>do</strong> y<br />

ejecución <strong>de</strong>l contrato”.25<br />

Verificadas tais conceituações, vejamos algumas regras que traduzem, na Lei 8.078/1990, a melhor expressão concreta <strong>do</strong><br />

princípio em análise.<br />

De início, o art. 9º <strong>do</strong> CDC valoriza a boa-fé objetiva, ao prever o <strong>de</strong>ver <strong>do</strong> presta<strong>do</strong>r ou fornece<strong>do</strong>r <strong>de</strong> informar o consumi<strong>do</strong>r<br />

quanto ao perigo e à nocivida<strong>de</strong> <strong>do</strong> produto ou serviço que coloca no merca<strong>do</strong>, visan<strong>do</strong> à proteção da sua saú<strong>de</strong> e da sua segurança.<br />

A imputação <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> objetiva, prevista nos arts. 12, 14 e 18 <strong>do</strong> Código Consumerista, traz as consequências<br />

<strong>de</strong>correntes <strong>do</strong> <strong>de</strong>srespeito a tal <strong>de</strong>ver, haven<strong>do</strong> uma ampliação <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, inclusive pela informação mal prestada. Em<br />

tais hipóteses, a boa-fé objetiva é <strong>de</strong>terminante para apontar a responsabilida<strong>de</strong> pré-contratual, <strong>de</strong>corrente da má informação, da<br />

publicida<strong>de</strong> enganosa e abusiva.<br />

Em relação aos meios <strong>de</strong> oferta, o Código Consumerista consagra normas <strong>de</strong> interessante conteú<strong>do</strong>. Entre elas, o princípio da<br />

boa-fé objetiva faz-se sentir no seu art. 31, que estabelece a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> informações precisas quanto à essência, quantida<strong>de</strong> e<br />

qualida<strong>de</strong> <strong>do</strong> produto ou <strong>do</strong> serviço; <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong>, traz em seu bojo o regramento em questão, o que vem sen<strong>do</strong> observa<strong>do</strong> na<br />

prática, com a imposição <strong>de</strong> sanções específicas em casos em que se percebe a má-fé na fase <strong>de</strong> oferta <strong>do</strong> produto ou <strong>do</strong> serviço.<br />

No Código <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r, a valorização da boa-fé objetiva também po<strong>de</strong> ser visualizada pela proibição <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong><br />

simulada, abusiva e enganosa, conforme os seus arts. 36 e 37, respectivamente.<br />

Partin<strong>do</strong> para outro aspecto, o art. 39 <strong>do</strong> Código Consumerista estabelece o conceito <strong>de</strong> abuso <strong>de</strong> direito como precursor da<br />

ilicitu<strong>de</strong> <strong>do</strong> ato <strong>de</strong> consumo, em rol exemplificativo <strong>de</strong> situações, com a penalização civil <strong>de</strong> condutas cometidas pelos presta<strong>do</strong>res<br />

e fornece<strong>do</strong>res que não agem <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a boa-fé esperada nas relações pessoais.

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