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#Manual de Direito do Consumidor (2017) - Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpsção Neves

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5.7.15. Cláusulas que possibilitem a renúncia <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização por benfeitorias necessárias<br />

(art. 51, inc. XVI, <strong>do</strong> CDC)<br />

Nos termos <strong>do</strong>s arts. 96 e 97 <strong>do</strong> Código Civil, as benfeitorias como bens acessórios são melhoramentos ou acresci<strong>do</strong>s<br />

introduzi<strong>do</strong>s em um bem principal, classificadas quanto à essencialida<strong>de</strong> em necessárias, úteis e voluptuárias. Nos termos da lei, são<br />

necessárias as benfeitorias que visam à conservação <strong>do</strong> bem principal, tidas como essenciais ao último. As benfeitorias úteis são<br />

aquelas que aumentam ou facilitam o uso <strong>do</strong> bem principal. Por fim, as voluptuárias são as <strong>de</strong> mero <strong>de</strong>leite ou recreio, que não<br />

aumentam o uso habitual <strong>do</strong> bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam <strong>de</strong> eleva<strong>do</strong> valor.<br />

Diante da relação <strong>de</strong> essencialida<strong>de</strong> com o bem principal, o Código <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r <strong>de</strong>duz como abusiva a cláusula <strong>de</strong> renúncia<br />

às benfeitorias necessárias. Não se po<strong>de</strong> esquecer da presunção <strong>de</strong> boa-fé a favor <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, a gerar o direito <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização<br />

por tais benfeitorias, nos termos <strong>do</strong> art. 1.219 <strong>do</strong> Código Civil. A previsão consumerista em comento tem gran<strong>de</strong> concreção prática,<br />

em casos relativos a compromissos <strong>de</strong> compra e venda <strong>de</strong> imóveis celebra<strong>do</strong>s com incorpora<strong>do</strong>ras ou outros profissionais que são<br />

inadimpli<strong>do</strong>s pelos consumi<strong>do</strong>res, sen<strong>do</strong> forçoso reconhecer o direito a tais benfeitorias. Por to<strong>do</strong>s os inúmeros julga<strong>do</strong>s:<br />

“Ação <strong>de</strong> rescisão <strong>de</strong> compromisso <strong>de</strong> venda e compra cumulada com reintegração <strong>de</strong> posse. Descumprimento <strong>de</strong> cláusula contratual.<br />

Rescisão <strong>do</strong> contrato e reintegração <strong>de</strong> posse que se impõe, diante da inadimplência e não purgação da mora. Desnecessida<strong>de</strong> da<br />

reconvenção para análise <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>volução das parcelas pagas, já que a matéria constitui o próprio objeto <strong>do</strong> campo cognitivo<br />

da <strong>de</strong>manda principal. Incabível a perda integral das prestações pagas. Aplicação <strong>do</strong> disposto no Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r.<br />

<strong>Direito</strong> à <strong>de</strong>volução <strong>do</strong>s valores, com retenção <strong>de</strong> 50% das parcelas pagas. Nulida<strong>de</strong> da cláusula que nega o direito à in<strong>de</strong>nização<br />

pelas benfeitorias necessárias e úteis. Não cabimento <strong>de</strong> direito <strong>de</strong> retenção. Ausência <strong>de</strong> discriminação, na hipótese, das benfeitorias<br />

necessárias. Reforma parcial da R. Sentença. Dá-se parcial provimento ao recurso” (TJSP – Apelação Cível 9057567-<br />

26.2006.8.26.0000 – Acórdão 4988092, Araçatuba – Quinta Câmara <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Priva<strong>do</strong> – Rel. Des. Christine Santini – j. 23.02.2011<br />

– DJESP 07.04.2011).<br />

“Compromisso <strong>de</strong> venda e compra. Inadimplemento <strong>do</strong> compromissário compra<strong>do</strong>r. Exceptio non adimpleti contractus. Perda das<br />

prestações pagas incabível. Incabível também <strong>de</strong>volução integral <strong>do</strong>s valores pagos pela ocupação <strong>do</strong> imóvel por mais <strong>de</strong> quatorze<br />

anos. Aplicação <strong>do</strong> disposto no Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r. <strong>Direito</strong> à <strong>de</strong>volução <strong>do</strong>s valores, com retenção <strong>de</strong> 70% das<br />

parcelas pagas. Nulida<strong>de</strong> da cláusula que nega direito à in<strong>de</strong>nização pelas benfeitorias necessárias e úteis. Não cabimento, na<br />

hipótese, <strong>de</strong> direito <strong>de</strong> retenção, por ausência <strong>de</strong> discriminação <strong>de</strong> forma completa das benfeitorias necessárias e úteis introduzidas no<br />

imóvel” (TJSP – Apelação com Revisão 414.447.4/8 – Acórdão 4140044, Suzano – Quinta Câmara <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Priva<strong>do</strong> – Rel. Des.<br />

Christine Santini – j. 21.10.2009 – DJESP 11.11.2009).<br />

As <strong>de</strong>cisões transcritas são interessantes, pois vão além da previsão consumerista, estabelecen<strong>do</strong> também o direito <strong>de</strong><br />

in<strong>de</strong>nização por benfeitorias úteis ao possui<strong>do</strong>r <strong>de</strong> boa-fé, o que está em sintonia com o cita<strong>do</strong> art. 1.219 <strong>do</strong> CC/2002. Como não<br />

po<strong>de</strong>ria ser diferente, as conclusões constantes das ementas contam com o apoio <strong>do</strong> presente autor, pela opção <strong>do</strong> saudável caminho<br />

<strong>do</strong> diálogo das fontes.<br />

Realiza<strong>do</strong> o estu<strong>do</strong> das hipóteses <strong>de</strong>scritas pelo art. 51 da Lei 8.078/1990, é preciso fixar algumas <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>corrências. Como<br />

as hipóteses <strong>de</strong>scritas são <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong> absoluta, <strong>de</strong>ve-se reconhecer a imprescritibilida<strong>de</strong> da ação <strong>de</strong>claratória correspon<strong>de</strong>nte, o que<br />

é incidência da regra <strong>do</strong> art. 169 <strong>do</strong> Código Civil, segun<strong>do</strong> o qual a nulida<strong>de</strong> não convalesce pelo <strong>de</strong>curso <strong>do</strong> tempo (nesse senti<strong>do</strong>,<br />

quanto à <strong>de</strong>cretação da nulida<strong>de</strong>: TJSC – Apelação Cível 2007.014544-6, Araranguá – Rel. Juiz Paulo Roberto Camargo Costa – j.<br />

22.07.2010 – DJSC 29.07.2010, p. 261; e TJSC – Apelação Cível 2007.015529-6, Criciúma – Terceira Câmara <strong>de</strong> <strong>Direito</strong><br />

Comercial – Rel. Des. Marco Aurélio Gastaldi Buzzi – DJSC 12.05.2008, p. 156). Eis mais um caminho pelo diálogo das fontes que<br />

protege o consumi<strong>do</strong>r, diante da não submissão a qualquer prazo prescricional ou <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>ncial. A<strong>de</strong>mais, a imprescritibilida<strong>de</strong> está<br />

fundada no argumento <strong>de</strong> que a nulida<strong>de</strong> absoluta envolve or<strong>de</strong>m pública.<br />

Como explica Cristiano Heineck Schmitt ao tratar <strong>do</strong> tema, “Entre as características das nulida<strong>de</strong>s (absolutas) que mais se<br />

<strong>de</strong>stacam, po<strong>de</strong>mos referir, em regra, a insanabilida<strong>de</strong>, a alegação por qualquer interessa<strong>do</strong>, a <strong>de</strong>cretação <strong>de</strong> ofício pelo juiz, com<br />

efeito ex tunc, a dispensa <strong>de</strong> ação específica para po<strong>de</strong>r ser reconhecida, a imprescritibilida<strong>de</strong> e a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produzir<br />

efeitos”.81 Vejamos tais corretas conclusões aplicadas na realida<strong>de</strong> consumerista nacional.<br />

De início, em <strong>de</strong>trimento da impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se sanar a nulida<strong>de</strong> absoluta – nos termos <strong>do</strong> que estabelece o cita<strong>do</strong> art. 169 <strong>do</strong><br />

CC/2002 –, o § 2º <strong>do</strong> art. 51 <strong>do</strong> CDC acaba por consagrar o princípio da conservação contratual, que visa à manutenção da<br />

autonomia privada. Determina o último coman<strong>do</strong> que a nulida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, em<br />

regra, exceto quan<strong>do</strong> <strong>de</strong> sua ausência, apesar <strong>do</strong>s esforços <strong>de</strong> integração, <strong>de</strong>correr ônus excessivo a qualquer das partes. Desse<br />

mo<strong>do</strong>, <strong>de</strong>ve o juiz fazer uso das máximas <strong>de</strong> experiência e <strong>do</strong>s princípios gerais consumeristas para suprir e corrigir o contrato. Em<br />

verda<strong>de</strong>, a correção ou revisão <strong>do</strong> negócio e a sua imposição para a outra parte acabam por funcionar como uma punição contra o<br />

abusa<strong>do</strong>r contratual, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> ser tidas como regras no sistema consumerista.82<br />

Sen<strong>do</strong> assim, é cabível por parte <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, diretamente, uma ação <strong>de</strong> revisão e não <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong>, o que representa o

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