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#Manual de Direito do Consumidor (2017) - Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpsção Neves

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10.4.3.1.3.<br />

Flexibilização jurispru<strong>de</strong>ncial à Súmula 33 <strong>do</strong> STJ<br />

O entendimento proibitivo quanto ao reconhecimento <strong>de</strong> ofício da incompetência relativa <strong>do</strong> juízo, apesar <strong>de</strong> sumula<strong>do</strong>,<br />

passou a ser sistematicamente flexibiliza<strong>do</strong> por nossos Tribunais, com amplo amparo <strong>do</strong>utrinário, na hipótese <strong>de</strong> o processo<br />

envolver relação <strong>de</strong> consumo em que houvesse cláusula abusiva <strong>de</strong> eleição <strong>de</strong> foro. Tornou-se frequente em contratos <strong>de</strong> consumo<br />

– em especial nos contratos <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são – o fornece<strong>do</strong>r indicar o foro competente para julgar eventuais <strong>de</strong>mandas geradas na<br />

interpretação ou cumprimento <strong>do</strong> negócio jurídico que traz dificulda<strong>de</strong>s excessivas para o exercício <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa por parte<br />

<strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, com a nítida intenção <strong>de</strong> prejudicá-lo processualmente.<br />

É óbvio que nem toda cláusula <strong>de</strong> eleição <strong>de</strong> foro envolven<strong>do</strong> contrato <strong>de</strong> consumo é abusiva, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> o juiz analisar a<br />

abusivida<strong>de</strong> no caso concreto, até mesmo porque os contratos <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são não são repeli<strong>do</strong>s por nosso or<strong>de</strong>namento jurídico; aliás,<br />

pelo contrário, são importantes mecanismos <strong>de</strong> regulação <strong>de</strong> relações jurídicas nos dias atuais128. O que evi<strong>de</strong>nciará o vício no<br />

caso concreto é a <strong>de</strong>terminação como foro competente <strong>de</strong> um local distante <strong>do</strong> <strong>do</strong>micílio <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, sem qualquer justificativa<br />

séria para tal escolha, <strong>de</strong> forma a ocasionar um sério obstáculo ao exercício da ampla <strong>de</strong>fesa. Nesses casos específicos, a aplicação<br />

da Súmula 33 <strong>do</strong> STJ vem sen<strong>do</strong> afastada, permitin<strong>do</strong>-se ao juiz conhecer sua incompetência relativa <strong>de</strong> ofício.<br />

O raciocínio utiliza<strong>do</strong>, mesmo antes da novida<strong>de</strong> legislativa, envolvia basicamente três artigos <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong><br />

Consumi<strong>do</strong>r:<br />

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–<br />

art. 1.º: <strong>de</strong>termina que todas as normas previstas pelo CDC são <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pública, parecen<strong>do</strong> incluir tanto as normas <strong>de</strong> direito material<br />

como as <strong>de</strong> direito processual;<br />

art. 51: indica os vícios que <strong>de</strong>terminam a abusivida<strong>de</strong> <strong>do</strong> contrato;<br />

art. 6.º, VIII: exige <strong>do</strong> juiz a facilitação <strong>do</strong> exercício <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r no processo.<br />

Estan<strong>do</strong> as normas consumeristas no âmbito das normas <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pública, o juiz não precisaria aguardar a manifestação da<br />

parte interessada, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>de</strong>clarar a nulida<strong>de</strong> da cláusula contratual <strong>de</strong> ofício (insista-se, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que presente um <strong>do</strong>s vícios<br />

indica<strong>do</strong>s pelo art. 51, CDC). A partir <strong>do</strong> momento em que anula <strong>de</strong> ofício a eleição <strong>de</strong> foro, nada haverá para justificar a escolha<br />

feita pelo autor-fornece<strong>do</strong>r, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> o juiz remeter os autos para o foro <strong>do</strong> <strong>do</strong>micílio <strong>do</strong> réu-consumi<strong>do</strong>r.<br />

Registre-se que, no tocante ao tema, <strong>de</strong>terminada corrente passou a enten<strong>de</strong>r que a regra <strong>de</strong> competência, tão somente por se<br />

tratar <strong>de</strong> relação <strong>de</strong> consumo, se tornaria absoluta, o que permitiria ao juiz <strong>de</strong> ofício o reconhecimento <strong>de</strong> afronta a tal norma, sem<br />

qualquer ofensa à Súmula 33 <strong>do</strong> STJ. Esse era o entendimento <strong>do</strong> Ministro <strong>do</strong> Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça Sálvio <strong>de</strong> Figueire<strong>do</strong><br />

Teixeira, segun<strong>do</strong> o qual, “tratan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> contrato <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são, a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cláusula eletiva <strong>de</strong> foro, ao fundamento<br />

<strong>de</strong> que estaria ela a dificultar o acesso <strong>do</strong> réu ao Judiciário, com prejuízo para a sua ampla <strong>de</strong>fesa, torna absoluta a competência <strong>do</strong><br />

foro <strong>do</strong> <strong>do</strong>micílio <strong>do</strong> réu, afastan<strong>do</strong> a incidência <strong>do</strong> Enuncia<strong>do</strong> 33 da Súmula/STJ”.129 Ainda hoje encontram-se equivocadas<br />

<strong>de</strong>cisões que apontam para a natureza absoluta da competência <strong>do</strong> foro em relação <strong>de</strong> consumo, por se admitir o reconhecimento<br />

<strong>de</strong> incompetência <strong>de</strong> ofício 130 .<br />

Não parece correto tal entendimento, que, inclusive, mostra-se absolutamente contrário à novida<strong>de</strong> legislativa, que, ao tratar<br />

<strong>do</strong> reconhecimento <strong>de</strong> ofício pelo juiz da incompetência nos casos previstos na norma legal, criou um parágrafo em artigo cujo<br />

caput trata da incompetência relativa. Correto o legisla<strong>do</strong>r nesse tocante, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>-se que a competência continua a ser<br />

relativa, já que territorial, mas, em virtu<strong>de</strong> das previsões contidas no diploma consumerista, e agora também no art. 63, § 3.º <strong>do</strong><br />

Novo CPC, é legítima a exceção da regra <strong>de</strong> que a incompetência relativa não po<strong>de</strong> ser conhecida pelo juiz <strong>de</strong> ofício.131<br />

Para outra parcela da <strong>do</strong>utrina, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da discussão acerca da natureza absoluta ou relativa da competência, o que<br />

importa é a garantia <strong>do</strong> efetivo direito à ampla <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong> réu, garanti<strong>do</strong> constitucionalmente. Nesse senti<strong>do</strong> as lições <strong>de</strong> Antônio<br />

Carlos Marcato, tratan<strong>do</strong> das dificulda<strong>de</strong>s que po<strong>de</strong>m ser geradas ao consumi<strong>do</strong>r-réu:<br />

“Esses óbices, ainda que eventualmente impostos <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> não intencional, autorizam e justificam a <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> remessa <strong>do</strong>s<br />

autos <strong>do</strong> processo ao foro <strong>do</strong> <strong>do</strong>micílio <strong>do</strong> réu; e isto porque a questão em <strong>de</strong>bate envolve, à evidência, tema muito mais sério e<br />

grave que a simples possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser reconhecida <strong>de</strong> ofício a nulida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cláusula abusiva ou a incompetência relativa ou, ainda,<br />

<strong>de</strong> se tratar <strong>de</strong> incompetência absoluta: cuida-se, em verda<strong>de</strong>, da necessida<strong>de</strong> (e não simples faculda<strong>de</strong>) <strong>de</strong> atendimento das<br />

exigências <strong>do</strong> <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> processo legal, mister <strong>do</strong> qual to<strong>do</strong>s os integrantes <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário <strong>de</strong>vem, permanentemente e<br />

intransigentemente, se <strong>de</strong>sincumbir”. 132<br />

Nota-se que os fundamentos po<strong>de</strong>riam até variar, mas a conclusão era sempre a mesma: abrin<strong>do</strong>-se a possibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> juiz<br />

anular <strong>de</strong> ofício cláusula abusiva <strong>de</strong> eleição <strong>de</strong> foro em contrato <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são, <strong>de</strong>claran<strong>do</strong>-se incompetente, também <strong>de</strong> ofício, e<br />

<strong>de</strong>terminan<strong>do</strong> a remessa para o foro <strong>do</strong> local <strong>de</strong> <strong>do</strong>micílio <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r-réu.

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