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#Manual de Direito do Consumidor (2017) - Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpsção Neves

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prática, da natureza <strong>do</strong> direito <strong>de</strong>fendi<strong>do</strong> em juízo.<br />

Quan<strong>do</strong> uma ação civil pública é proposta para reparar os danos <strong>de</strong> consumi<strong>do</strong>res que se vitimaram num aci<strong>de</strong>nte em<br />

transporte ofereci<strong>do</strong> por uma empresa turística, cada qual <strong>do</strong>s consumi<strong>do</strong>res lesa<strong>do</strong>s terá um direito individual <strong>de</strong> reparação, que,<br />

uma vez soma<strong>do</strong>s, po<strong>de</strong>rão resultar num direito individual homogêneo. Por outro la<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> numa ação civil pública se preten<strong>de</strong><br />

con<strong>de</strong>nar o réu a modificar a propaganda <strong>de</strong> um produto, em razão das informações incorretas que contém, toda a coletivida<strong>de</strong> será<br />

beneficiada com a eventual con<strong>de</strong>nação, sen<strong>do</strong> nítida a natureza transindividual <strong>do</strong> direito tutela<strong>do</strong> nesse caso. E, ainda, se é<br />

buscada numa ação civil pública a mudança na gra<strong>de</strong> curricular <strong>de</strong> uma escola, to<strong>do</strong>s os alunos que lá estudam serão beneficia<strong>do</strong>s<br />

ou prejudica<strong>do</strong>s pela mudança, mas será inviável a modificação curricular somente para alguns <strong>do</strong>s alunos e para outros não.<br />

A distinção entre o direito individual homogêneo e o difuso e coletivo parece ter gran<strong>de</strong>s repercussões práticas: (i) a<br />

legitimida<strong>de</strong> tem pequena diferença no tocante ao Ministério Público, que possui legitimida<strong>de</strong> ampla nos direitos transindividuais e<br />

encontra alguma limitação na <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong> direito individual homogêneo; (ii) não se admitirá numa ação individual a <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong><br />

direitos difusos e coletivos, o mesmo não ocorren<strong>do</strong> com o direito individual homogêneo; (iii) no direito individual homogêneo é<br />

admissível o ingresso <strong>de</strong> qualquer titular <strong>de</strong> direito como assistente litisconsorcial <strong>do</strong> autor, o que não se admite nos direitos difusos<br />

e coletivos; (iv) a liquidação e execução seguirão regras procedimentais totalmente diferentes, conforme amplamente analisa<strong>do</strong> nos<br />

itens 11.8 e 11.9.<br />

Entretanto, como bem anota<strong>do</strong> pela melhor <strong>do</strong>utrina, não há somente diferenças entre os direitos transindividuais, em especial<br />

o coletivo, e o direito individual homogêneo. Nessas duas espécies <strong>de</strong> direito existirá um grupo, classe e categoria <strong>de</strong> pessoas,<br />

sen<strong>do</strong> a <strong>de</strong>terminação, ou quan<strong>do</strong> muito a <strong>de</strong>terminabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses sujeitos, um elemento comum a essas duas espécies <strong>de</strong><br />

direito60.<br />

Apesar das diferenças entre os direitos tuteláveis pelo microssistema coletivo, conforme ensina a melhor <strong>do</strong>utrina, é possível a<br />

cumulação <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s eles, ou <strong>de</strong> <strong>do</strong>is <strong>de</strong>les, num mesmo processo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que respeitadas as exigências processuais específicas <strong>de</strong><br />

cada um <strong>de</strong>les 61 . Dessa forma, é possível, por exemplo, numa mesma ação civil pública se pedir a con<strong>de</strong>nação <strong>do</strong> réu a parar <strong>de</strong><br />

veicular propaganda enganosa (direito difuso), bem como a con<strong>de</strong>nação ao ressarcimento <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os consumi<strong>do</strong>res que foram<br />

prejudica<strong>do</strong>s por terem acredita<strong>do</strong> na propaganda (direito individual homogêneo).<br />

E, por fim, ainda seguin<strong>do</strong> as lições <strong>de</strong> autorizada <strong>do</strong>utrina, é possível que <strong>de</strong> uma mesma situação fático-jurídica <strong>de</strong>rivem<br />

direitos coletivos lato sensu <strong>de</strong> diferentes espécies:<br />

“Outra confusão recorrente precisa ser <strong>de</strong>sfeita: o mesmo interesse não po<strong>de</strong> ser simultaneamente difuso, coletivo e individual<br />

homogêneo. O que po<strong>de</strong> ocorrer é que uma única combinação <strong>de</strong> fatos, sob uma única relação jurídica, venha a provocar o<br />

surgimento <strong>de</strong> interesses transindividuais <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> uma categoria, os quais po<strong>de</strong>m até mesmo ser <strong>de</strong>fendi<strong>do</strong>s na mesma ação civil<br />

pública ou coletiva”62.<br />

11.2.7. <strong>Direito</strong>s individuais indisponíveis<br />

Conforme exposto anteriormente, apesar <strong>de</strong> o microssistema coletivo se preocupar com a tutela <strong>de</strong> direitos transindividuais e<br />

individuais, nesse segun<strong>do</strong> caso – direitos individuais homogêneos – há uma prevalência da dimensão coletiva sobre a dimensão<br />

individual, inclusive sob o aspecto subjetivo, o que exigirá uma quantida<strong>de</strong> razoável <strong>de</strong> titulares <strong>de</strong> direitos individuais <strong>de</strong> origem<br />

comum a justificar a aplicação das regras procedimentais <strong>do</strong> microssistema coletivo.<br />

Ocorre, entretanto, que em três passagens legais que versam sobre o direito coletivo lato sensu, e mais precisamente sobre a<br />

aplicabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> microssistema coletivo, encontra-se a tutela <strong>de</strong> direitos individuais puros, <strong>de</strong> natureza indisponível, que po<strong>de</strong>m<br />

até mesmo ter apenas um sujeito como titular. Trata-se <strong>do</strong> art. 201, V, da Lei 8.069/1990 (ECA) e art. 74, I, da Lei 10.741/2001<br />

(Estatuto <strong>do</strong> I<strong>do</strong>so), que expressamente atribuem legitimida<strong>de</strong> ao Ministério Público na tutela <strong>de</strong> direitos individuais indisponíveis<br />

por meio <strong>de</strong> instrumentos exclusivos <strong>do</strong> microssistema coletivo: inquérito civil e ação civil pública, e <strong>do</strong> art. 3.º, caput, da Lei<br />

7.853/1989, com redação dada pelo art. 98 da Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoas com Deficiência), que prevê legitimida<strong>de</strong> ainda<br />

mais ampla.<br />

Conforme já tive oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> afirmar, será objeto <strong>de</strong> tutela por meio <strong>do</strong> microssistema coletivo a espécie <strong>de</strong> direito que o<br />

legisla<strong>do</strong>r <strong>de</strong>sejar, sen<strong>do</strong> ele transindividual ou individual. Nas hipóteses ora analisadas, entretanto, não vejo qualquer senti<strong>do</strong><br />

lógico ou jurídico que legitime a aplicação das especiais e diferenciadas regras <strong>do</strong> microssistema coletivo a direitos essencialmente<br />

individuais, ainda que indisponíveis e <strong>de</strong> titularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> i<strong>do</strong>sos, crianças e a<strong>do</strong>lescentes. Enten<strong>do</strong> que se trata <strong>de</strong> ampliação in<strong>de</strong>vida<br />

e injustificável, mas não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> reconhecer a opção legislativa.<br />

O que não parece correto é tentar explicar a tutela processual coletiva <strong>de</strong> direito individual indisponível a<strong>de</strong>quan<strong>do</strong> essa<br />

espécie <strong>de</strong> direito ao direito individual homogêneo. Essa in<strong>de</strong>vida confusão, notada em julgamentos <strong>do</strong> Superior Tribunal <strong>de</strong><br />

Justiça63, é absolutamente in<strong>de</strong>sejável porque não distingue os elementos objetivos e subjetivos <strong>do</strong>s direitos materiais. Ser

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