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#Manual de Direito do Consumidor (2017) - Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpsção Neves

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juiz interpretar e, quan<strong>do</strong> necessário, suprir e corrigir o contrato segun<strong>do</strong> a boa-fé objetiva, entendida como a exigência <strong>de</strong><br />

comportamento leal <strong>do</strong>s contratantes”. Ora, se a premissa civil foi inspirada pelo Código Consumerista, a conclusão <strong>de</strong>ve ser<br />

necessariamente a mesma para os contratos <strong>de</strong> consumo.<br />

A respeito da abrangência das fases contratuais, na mesma I Jornada <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Civil foi aprova<strong>do</strong> o Enuncia<strong>do</strong> n. 25,<br />

estabelecen<strong>do</strong> que “o art. 422 <strong>do</strong> Código Civil não inviabiliza a aplicação, pelo julga<strong>do</strong>r, <strong>do</strong> princípio da boa-fé nas fases pré e póscontratual”.<br />

Ato contínuo, da III Jornada <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Civil, o Enuncia<strong>do</strong> n. 170 CJF/STJ, in verbis: “A boa-fé objetiva <strong>de</strong>ve ser<br />

observada pelas partes na fase <strong>de</strong> negociações preliminares e após a execução <strong>do</strong> contrato, quan<strong>do</strong> tal exigência <strong>de</strong>correr da<br />

natureza <strong>do</strong> contrato”. Como se po<strong>de</strong> perceber, há uma diferença sutil entre os enuncia<strong>do</strong>s <strong>do</strong>utrinários, eis que o primeiro é dirigi<strong>do</strong><br />

ao juiz, enquanto o último é direciona<strong>do</strong> às partes. As menções constantes <strong>do</strong> art. 48 <strong>do</strong> CDC a qualquer escrito, pré-contrato ou<br />

recibo <strong>de</strong>ixa clara a total abrangência <strong>do</strong> regramento, visan<strong>do</strong> interpretar o negócio <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a lealda<strong>de</strong> e a confiança<br />

<strong>de</strong>positada.<br />

A força vinculativa da boa-fé é marcante, uma vez que não sen<strong>do</strong> respeita<strong>do</strong> o que se espera <strong>do</strong> negócio celebra<strong>do</strong>, caberão as<br />

medidas <strong>de</strong> tutela específica tratadas pelo art. 84 <strong>do</strong> CDC, inclusive com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fixação <strong>de</strong> multa diária ou astreintes. No<br />

que concerne à proposta <strong>de</strong> contratar, há claro diálogo com o art. 427 <strong>do</strong> CC/2002, segun<strong>do</strong> o qual a proposta formalizada vincula o<br />

proponente, se contiver os elementos fundamentais <strong>do</strong> negócio a ser celebra<strong>do</strong>. Como bem pon<strong>de</strong>ra Nelson Nery Jr. a respeito <strong>do</strong><br />

art. 48 <strong>do</strong> CDC, “O juiz po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>terminar qualquer providência que o caso mereça, a fim <strong>de</strong> que seja assegura<strong>do</strong> o resulta<strong>do</strong><br />

prático equivalente ao adimplemento da obrigação <strong>de</strong> fazer. Não quer o Código a resolução em perdas e danos. Tais providências<br />

judiciais po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong> vária or<strong>de</strong>m, tais como a busca e apreensão, <strong>de</strong>sfazimento <strong>de</strong> obra, remoção <strong>de</strong> pessoas e coisas,<br />

impedimentos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> nociva, além <strong>de</strong> requisição <strong>de</strong> força policial”.39<br />

Na esteira das palavras <strong>do</strong> jurista, consagra-se o princípio da conservação <strong>do</strong>s negócios jurídicos, sen<strong>do</strong> a solução <strong>de</strong> extinção<br />

<strong>do</strong> contrato a ultima ratio, o último caminho a ser percorri<strong>do</strong>. Não se po<strong>de</strong> esquecer <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> ligação entre tal princípio <strong>de</strong><br />

manutenção e a função social <strong>do</strong> contrato, conforme reconheci<strong>do</strong> pelo Enuncia<strong>do</strong> n. 22, da I Jornada <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Civil: “a função<br />

social <strong>do</strong> contrato, prevista no art. 421 <strong>do</strong> novo Código Civil, constitui cláusula geral, que reforça o princípio <strong>de</strong> conservação <strong>do</strong><br />

contrato, asseguran<strong>do</strong> trocas úteis e justas”. Mais uma vez, notam-se os princípios da função social e da boa-fé em interessante<br />

interação simbiótica, como se espera.<br />

Deve ficar claro, todavia, que a incidência da força vinculativa <strong>do</strong>s instrumentos não afasta o direito à in<strong>de</strong>nização <strong>do</strong>s danos a<br />

que o consumi<strong>do</strong>r tem direito, <strong>de</strong>corrência natural <strong>do</strong> festeja<strong>do</strong> princípio da reparação integral <strong>do</strong>s danos (art. 6º, inc. V, da Lei<br />

8.078/1990). Algumas das <strong>de</strong>cisões a seguir expostas <strong>de</strong>ixam clara tal constatação.<br />

Partin<strong>do</strong>-se para os exemplos jurispru<strong>de</strong>nciais <strong>de</strong> incidência da norma em comento, interessante julga<strong>do</strong> <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> São<br />

Paulo fez incidir a força vinculativa <strong>do</strong> art. 48 <strong>do</strong> CDC para reconhecer o direito à internação <strong>de</strong> segura<strong>do</strong> <strong>de</strong> seguro-saú<strong>de</strong><br />

internacional, sem prejuízo da responsabilida<strong>de</strong> civil <strong>de</strong> todas as empresas envolvidas para com a prestação <strong>de</strong> serviços contratada.<br />

A ementa é bem interessante, por sintetizar algumas outras questões expostas nos capítulos anteriores <strong>de</strong>ste livro:<br />

“1. Ação in<strong>de</strong>nizatória <strong>de</strong> danos materiais e morais fundada no inadimplemento <strong>de</strong> seguro-viagem contrata<strong>do</strong> em pacote turístico<br />

internacional. Autor submeti<strong>do</strong> a cirurgia cardíaca, com implantação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sfibrila<strong>do</strong>r ventricular, em hospital localiza<strong>do</strong> na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Livorno, Itália, sem a correspon<strong>de</strong>nte cobertura integral <strong>do</strong> débito hospitalar pela segura<strong>do</strong>ra anteriormente contratada. Relação <strong>de</strong><br />

consumo. Cerceamento <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa inocorrente. Legitimida<strong>de</strong> e solidarieda<strong>de</strong> passiva das corrés (agência <strong>de</strong> turismo, opera<strong>do</strong>ra <strong>de</strong><br />

turismo e segura<strong>do</strong>ra). Art. 275 <strong>do</strong> CC e art. 14 <strong>do</strong> CDC. 2. Responsabilida<strong>de</strong> solidária <strong>de</strong> todas as empresas integrantes da ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

fornece<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s serviços, que comercializam pacotes <strong>de</strong> viagens em parceria empresarial, pelos danos causa<strong>do</strong>s aos consumi<strong>do</strong>res<br />

por <strong>de</strong>feitos na prestação <strong>do</strong>s serviços contrata<strong>do</strong>s. Art. 25, § 1º <strong>do</strong> CDC. 3. Vedação legal à estipulação contratual <strong>de</strong> cláusula que<br />

impossibilite, exonere ou atenue a obrigação <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nizar. Art. 25, caput <strong>do</strong> CDC. 4. A <strong>de</strong>claração pré-contratual da segura<strong>do</strong>ra<br />

integra o contrato celebra<strong>do</strong> entre as partes, vinculan<strong>do</strong> a presta<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> serviços. Art. 48 <strong>do</strong> CDC. Descumprimento injustifica<strong>do</strong>.<br />

Lesão à boa-fé objetiva. Art. 422 <strong>do</strong> CC. Ineficácia <strong>de</strong> cláusula contratual limitativa <strong>de</strong> cobertura para <strong>do</strong>enças preexistentes,<br />

exageradamente <strong>de</strong>svantajosa para o consumi<strong>do</strong>r e que <strong>de</strong>svirtuaria a própria essência protetiva plena da cobertura <strong>de</strong> assistência <strong>de</strong><br />

viagem internacional contratada. Art. 51, caput e IV <strong>do</strong> CDC. 5. Verbas in<strong>de</strong>nizatórias <strong>de</strong>vidas. Con<strong>de</strong>nação a ser apurada por<br />

liquidação em artigos mantida, a fim <strong>de</strong> se evitar a propositura <strong>de</strong> eventual ação autônoma, aproveitan<strong>do</strong>-se to<strong>do</strong> o exame fático até<br />

aqui ocorri<strong>do</strong>, preservada a ampla <strong>de</strong>fesa. Notícia <strong>de</strong> celebração <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> não cumpri<strong>do</strong> integralmente pela empresa contratada, sem<br />

qualquer justificativa plausível. Reparação material integral mantida. 6. Transtornos e abalos emocionais gravíssimos causa<strong>do</strong>s a<br />

indivíduo i<strong>do</strong>so, lança<strong>do</strong> ao <strong>de</strong>samparo após infarto, por empresa contratada para assisti-lo em viagem internacional. Danos morais<br />

mo<strong>de</strong>radamente fixa<strong>do</strong>s, em atenção à sua dúplice função punitiva ao ofensor e compensatória à vítima, à maneira <strong>do</strong>s punitive<br />

damages <strong>do</strong> direito norte-americano, origem remota <strong>do</strong> art. 5º, V e X da CF/1988. 7. Desobediência injustificada às or<strong>de</strong>ns judiciais e<br />

tentativa <strong>de</strong> induzimento <strong>do</strong> julga<strong>do</strong>r em erro, sem qualquer temor institucional ao Po<strong>de</strong>r Judiciário. Fatos gravíssimos. Multa diária<br />

limitada, por ora, a R$ 500.000,00, ten<strong>do</strong> em vista princípios <strong>de</strong> razoabilida<strong>de</strong> e proporcionalida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que efetiva<strong>do</strong> o pagamento<br />

<strong>do</strong> débito ao órgão fazendário da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Livorno em até 15 dias após a prolação <strong>de</strong>ste acórdão. Persistin<strong>do</strong> a <strong>de</strong>sobediência após<br />

tal prazo, a multa diária voltará a fluir no montante <strong>de</strong> R$ 5.000,00, por inescusável recidiva. Possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> majoração das<br />

astreintes a qualquer tempo. (…)” (TJSP – Apelação 0047211-20.2008.8.26.0562 – Acórdão 4978866, Santos – Trigésima Quarta

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