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#Manual de Direito do Consumidor (2017) - Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpsção Neves

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11.4.2. Cidadão<br />

A legitimida<strong>de</strong> ativa <strong>do</strong> cidadão na tutela coletiva é limitada à ação popular, em <strong>de</strong>corrência da previsão contida no art. 1.º,<br />

caput, da Lei 4.717/1965 (LAP), não haven<strong>do</strong> qualquer indicação <strong>de</strong> tal legitimida<strong>de</strong> em leis subsequentes que versam sobre tutela<br />

coletiva, em especial os arts. 5.º da LACP e 82 <strong>do</strong> CDC. Ao menos no que toca à previsão legal expressa, realmente, o único texto<br />

legal que atribui legitimação ao cidadão é o art. 1.º da Lei 4.717/1965, que inclusive exclui outros sujeitos <strong>de</strong>ssa legitimação, salvo<br />

na excepcional hipótese <strong>de</strong> sucessão processual pelo Ministério Público, nos termos <strong>do</strong> art. 9.º da mesma lei.<br />

Segun<strong>do</strong> parcela da <strong>do</strong>utrina, a opção <strong>do</strong> legisla<strong>do</strong>r foi clara em limitar a legitimida<strong>de</strong> <strong>do</strong> cidadão à ação popular, ten<strong>do</strong><br />

consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> que a experiência não teria logra<strong>do</strong> o êxito espera<strong>do</strong> e mesmo experimenta<strong>do</strong> em outros países98. Aponta-se para isso<br />

obstáculos multifacetários, <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m econômica, social, técnica, cultura, política e jurídica. Diante <strong>de</strong> tal quadro, o legisla<strong>do</strong>r<br />

enten<strong>de</strong>u que, em leis subsequentes à da ação popular, o i<strong>de</strong>al seria não só diversificar o rol <strong>de</strong> legitima<strong>do</strong>s, como excluir o cidadão<br />

<strong>de</strong> tal rol, o que efetivamente ocorreu até os dias atuais.<br />

Existe <strong>do</strong>utrina crítica a respeito <strong>de</strong>ssa limitação afirman<strong>do</strong> que o cidadão <strong>de</strong>veria ter uma legitimida<strong>de</strong> mais ampla 99 , haven<strong>do</strong><br />

inclusive parcela <strong>do</strong>utrinária que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>, mesmo diante da atual configuração legislativa, a legitimida<strong>de</strong> ativa <strong>do</strong> cidadão para a<br />

propositura <strong>de</strong> qualquer ação coletiva, com fundamento nos princípios da inafastabilida<strong>de</strong> da jurisdição e no <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> processo<br />

legal100. No senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> ampliar a legitimação <strong>do</strong> cidadão <strong>de</strong> forma expressa, foram as sugestões <strong>de</strong> reforma legislativas frustradas,<br />

tanto na criação <strong>de</strong> um Código <strong>de</strong> Processo Civil Coletivo como na reforma da Lei da Ação Civil Pública.<br />

Interessante notar que, além <strong>de</strong> <strong>do</strong>utrina crítica a respeito <strong>de</strong>ssa ampliação, amparada na <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> particularida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> direito compara<strong>do</strong> e <strong>de</strong>sprezo <strong>do</strong>s graves problemas que a legitimação <strong>do</strong> cidadão gera na propositura da ação coletiva, em<br />

especial nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s 101 , existe outra corrente <strong>do</strong>utrinária que, ao invés <strong>de</strong> propugnar pela ampliação da legitimida<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

cidadão para outras ações coletivas, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> uma ampliação <strong>do</strong>s legitima<strong>do</strong>s à propositura da ação popular, com a inclusão <strong>de</strong><br />

pessoas jurídicas ou entida<strong>de</strong>s públicas no rol <strong>de</strong> legitima<strong>do</strong>s ativos 102 . Nesse senti<strong>do</strong>, por exemplo, a ação popular portuguesa, que<br />

prevê outros sujeitos além <strong>do</strong> cidadão como legitima<strong>do</strong>s ativos 103 .<br />

Ainda que se concor<strong>de</strong> que a ação popular tem, ao menos abstratamente, gran<strong>de</strong> importância sob a ótica <strong>do</strong>s escopos políticos<br />

<strong>do</strong> processo, incrementan<strong>do</strong> a participação popular <strong>de</strong> controle da administração pública por meio <strong>de</strong> ação judicial, é inegável que<br />

tal ação é privilégio <strong>de</strong> poucos, estan<strong>do</strong> concentrada fundamentalmente nas mãos <strong>de</strong> acadêmicos e opera<strong>do</strong>res <strong>do</strong> direito,<br />

serventuários públicos e políticos. Sem falar em sua utilização <strong>de</strong>turpada com o único e exclusivo objetivo <strong>de</strong> criar algum tipo <strong>de</strong><br />

embaraço a adversários políticos.<br />

A realida<strong>de</strong> mostrou que o cidadão genuíno ainda não tem um grau <strong>de</strong> cidadania suficiente para compreen<strong>de</strong>r e tampouco<br />

disposição para utilizar <strong>de</strong> maneira a<strong>de</strong>quada a ação popular. Nesse senti<strong>do</strong>, foi feliz o legisla<strong>do</strong>r em ampliar o rol <strong>de</strong> legitima<strong>do</strong>s<br />

coletivos em leis que se seguiram à da ação popular, ainda que se possa questionar <strong>do</strong> acerto na exclusão <strong>do</strong> cidadão <strong>de</strong>sse rol <strong>de</strong><br />

legitima<strong>do</strong>s. A substituição pura e simples <strong>do</strong>s legitima<strong>do</strong>s atuais pelo cidadão para todas as ações coletivas está fora <strong>de</strong> cogitação,<br />

po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> significar um retrocesso sem prece<strong>de</strong>ntes no campo da tutela coletiva.<br />

A mera inclusão <strong>do</strong> cidadão, como colegitima<strong>do</strong> para a propositura <strong>de</strong> ações coletivas com os <strong>de</strong>mais sujeitos previstos nos<br />

arts. 5.º da LACP e 82 <strong>do</strong> CDC, seria medida interessante, que po<strong>de</strong>ria inclusive funcionar como incentivo a uma maior<br />

participação <strong>do</strong> cidadão, sem colocar em risco as conquistas obtidas até o momento. De qualquer forma, essa ampliação ou<br />

modificação drástica da legitimida<strong>de</strong> ativa coletiva passa necessariamente por modificação legislativa, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong>, portanto, serem<br />

consi<strong>de</strong>radas apenas como <strong>de</strong> lege ferenda.<br />

A realida<strong>de</strong> legislativa atual cria duas limitações. Primeiro, é limitada ao cidadão a legitimida<strong>de</strong> ativa da ação popular,<br />

haven<strong>do</strong> entendimento sumula<strong>do</strong> que exclui a pessoa jurídica <strong>de</strong>ssa legitimida<strong>de</strong>104, também não se admitin<strong>do</strong> compor o polo<br />

ativo, ao menos não originariamente, Esta<strong>do</strong> membro da Fe<strong>de</strong>ração 105 . Segun<strong>do</strong>, a legitimação <strong>do</strong> cidadão é exclusiva <strong>de</strong>ssa espécie<br />

<strong>de</strong> ação coletiva.<br />

As hipóteses <strong>de</strong> cabimento da ação popular encontram-se previstas no art. 5.º, LXXIII, da CF/1988, sen<strong>do</strong> possível dividi-las<br />

em três: (a) anulação <strong>de</strong> ato lesivo ao patrimônio público ou <strong>de</strong> entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que o Esta<strong>do</strong> participe; (b) anulação <strong>de</strong> ato lesivo à<br />

moralida<strong>de</strong> administrativa; (c) anulação <strong>de</strong> ato lesivo ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. No art. 1.º, caput, da<br />

Lei da Ação Popular, está consagrada a lesivida<strong>de</strong> ao patrimônio público como fundamento para a ação popular, enquanto o § 1.º<br />

<strong>do</strong> mesmo dispositivo conceitua o patrimônio público a ser protegi<strong>do</strong> como bens e direitos <strong>de</strong> valor econômico, artístico, estético,<br />

histórico ou turístico.<br />

Já se po<strong>de</strong> adiantar a amplitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> tutela <strong>de</strong>rivada da reunião <strong>do</strong>s dispositivos legais menciona<strong>do</strong>s, sen<strong>do</strong> tranquilo o<br />

entendimento <strong>de</strong> que, por meio da ação popular, tutelam-se tanto os bens materiais que compõem o patrimônio público como<br />

também os bens imateriais. Ao prever a tutela <strong>do</strong> meio ambiente e <strong>do</strong> patrimônio histórico e cultural, o legisla<strong>do</strong>r passou a permitir,<br />

por meio da ação popular, a tutela <strong>de</strong> bens pertencentes não a uma pessoa jurídica <strong>de</strong> direito público específica, mas a toda a

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