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#Manual de Direito do Consumidor (2017) - Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpsção Neves

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Superada essa análise estrutural, que embaralha o direito clássico ao contemporâneo, vejamos, <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>talhada, os<br />

elementos da relação jurídica <strong>de</strong> consumo, retira<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s arts. 2º e 3º da Lei 8.078/1990.<br />

3.2.<br />

3.2.1.<br />

OS ELEMENTOS SUBJETIVOS DA RELAÇÃO DE CONSUMO<br />

O fornece<strong>do</strong>r <strong>de</strong> produtos e o presta<strong>do</strong>r <strong>de</strong> serviços. O conceito <strong>de</strong> fornece<strong>do</strong>r equipara<strong>do</strong><br />

A englobar tanto o fornece<strong>do</strong>r <strong>de</strong> produtos quanto o presta<strong>do</strong>r <strong>de</strong> serviços, estabelece o art. 3º, caput, da Lei 8.078/1990 que<br />

“Fornece<strong>do</strong>r é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes <strong>de</strong>spersonaliza<strong>do</strong>s,<br />

que <strong>de</strong>senvolvem ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou<br />

comercialização <strong>de</strong> produtos ou prestação <strong>de</strong> serviços”. A palavra fornece<strong>do</strong>r está em senti<strong>do</strong> amplo, a englobar o fornece<strong>do</strong>r <strong>de</strong><br />

produtos – em senti<strong>do</strong> estrito – e o presta<strong>do</strong>r <strong>de</strong> serviços.<br />

Nota-se que o dispositivo amplia <strong>de</strong> forma consi<strong>de</strong>rável o número das pessoas que po<strong>de</strong>m ser fornece<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> produtos e<br />

presta<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> serviços. Po<strong>de</strong> ela ser uma pessoa natural ou física, caso, por exemplo, <strong>de</strong> um empresário individual que <strong>de</strong>senvolve<br />

uma ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> subsistência. Cite-se a hipótese <strong>de</strong> uma senhora que fabrica chocolates em sua casa e os ven<strong>de</strong> pelas ruas <strong>de</strong> uma<br />

cida<strong>de</strong>, com o intuito <strong>de</strong> lucro direto. Po<strong>de</strong> ainda ser uma pessoa jurídica, o que acontece na gran<strong>de</strong> maioria das vezes com as<br />

empresas que atuam no merca<strong>do</strong> <strong>de</strong> consumo. Enuncia o coman<strong>do</strong> em análise que o fornece<strong>do</strong>r po<strong>de</strong> ser ainda um ente<br />

<strong>de</strong>spersonaliza<strong>do</strong> ou <strong>de</strong>spersonifica<strong>do</strong>, caso da massa falida, <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> irregular ou <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> fato. Entre os<br />

últimos, Rizzatto Nunes cita o exemplo das pessoas jurídicas <strong>de</strong> fato, caso <strong>de</strong> um camelô.4<br />

A respeito da finalida<strong>de</strong> lucrativa ou não da pessoa jurídica fornece<strong>do</strong>ra, é interessante reproduzir o entendimento <strong>do</strong> Superior<br />

Tribunal <strong>de</strong> Justiça, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que “Para o fim <strong>de</strong> aplicação <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r, o reconhecimento <strong>de</strong> uma<br />

pessoa física ou jurídica ou <strong>de</strong> um entre <strong>de</strong>spersonaliza<strong>do</strong> como fornece<strong>do</strong>r <strong>de</strong> serviços aten<strong>de</strong> aos critérios puramente objetivos,<br />

sen<strong>do</strong> irrelevantes a sua natureza jurídica, a espécie <strong>do</strong>s serviços que prestam e até mesmo o fato <strong>de</strong> se tratar <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong><br />

civil, sem fins lucrativos, <strong>de</strong> caráter beneficente e filantrópico, bastan<strong>do</strong> que <strong>de</strong>sempenhem <strong>de</strong>terminada ativida<strong>de</strong> no merca<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />

consumo mediante remuneração” (STJ – REsp 519.310/SP – Terceira Turma – Rel. Min. Nancy Andrighi – j. 20.04.2004). Desse<br />

mo<strong>do</strong>, entida<strong>de</strong>s beneficentes po<strong>de</strong>m perfeitamente ser enquadradas como fornece<strong>do</strong>ras ou presta<strong>do</strong>ras, sem qualquer entrave<br />

material.<br />

Os fornece<strong>do</strong>res ou presta<strong>do</strong>res po<strong>de</strong>m ser pessoas jurídicas <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Público ou <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Priva<strong>do</strong>. Entre as primeiras,<br />

merecem relevo os serviços públicos que estão abrangi<strong>do</strong>s pelo CDC, inclusive com tratamento específico no seu art. 22, tema que<br />

ainda será aborda<strong>do</strong> no presente capítulo. Entre as últimas, os gran<strong>de</strong>s fornece<strong>do</strong>res e presta<strong>do</strong>res são empresas privadas, inclusive<br />

com atuação em vários países (empresas multi ou transnacionais). Nesse contexto, a dicção legal estabelece que o fornece<strong>do</strong>r po<strong>de</strong><br />

ser uma pessoa nacional ou estrangeira, sen<strong>do</strong> irrelevante qualquer tipo <strong>de</strong> limitação.<br />

Na verda<strong>de</strong>, o que interessa mesmo na caracterização <strong>do</strong> fornece<strong>do</strong>r ou presta<strong>do</strong>r é o fato <strong>de</strong> ele <strong>de</strong>senvolver uma ativida<strong>de</strong>,<br />

que vem a ser a soma <strong>de</strong> atos coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>s para uma finalida<strong>de</strong> específica, como bem pontua Antonio Junqueira <strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong>:<br />

“‘Ativida<strong>de</strong>’, noção pouco trabalhada pela <strong>do</strong>utrina, não é ato, e sim conjunto <strong>de</strong> atos. ‘Ativida<strong>de</strong>’ foi <strong>de</strong>finida por Túlio Ascarelli<br />

como a ‘série <strong>de</strong> atos coor<strong>de</strong>náveis entre si, em relação a uma finalida<strong>de</strong> comum’ (Corso di diritto commerciale. 3. ed. Milano:<br />

Giuffrè, 1962. p. 147). Para que haja ativida<strong>de</strong>, há necessida<strong>de</strong>: (i) <strong>de</strong> uma pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atos; (ii) <strong>de</strong> uma finalida<strong>de</strong> comum que<br />

dirige e coor<strong>de</strong>na os atos; (iii) <strong>de</strong> uma dimensão temporal, já que a ativida<strong>de</strong> necessariamente se prolonga no tempo. A ativida<strong>de</strong>,<br />

ao contrário <strong>do</strong> ato, não possui <strong>de</strong>stinatário específico, mas se dirige ad incertam personam (ao merca<strong>do</strong> ou à coletivida<strong>de</strong>, por<br />

exemplo), e sua apreciação é autônoma em relação aos atos que a compõem”.5<br />

A par <strong>de</strong>ssa construção, se alguém atuar <strong>de</strong> forma isolada, em um ato único, não po<strong>de</strong>rá se enquadrar como fornece<strong>do</strong>r ou<br />

presta<strong>do</strong>r, como na hipótese <strong>de</strong> quem ven<strong>de</strong> bens pela primeira vez, ou esporadicamente, com ou sem o intuito concreto <strong>de</strong> lucro.<br />

Como bem observa José Fernan<strong>do</strong> Simão, há, na relação <strong>de</strong> consumo, o requisito da habitualida<strong>de</strong>, retira<strong>do</strong> <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong><br />

ativida<strong>de</strong>, sen<strong>do</strong> interessante a ilustração <strong>do</strong> jurista:<br />

“O sujeito que, após anos <strong>de</strong> uso <strong>do</strong> carro, resolve vendê-lo, certamente não será fornece<strong>do</strong>r nos termos <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong><br />

Consumi<strong>do</strong>r. Entretanto, se o mesmo sujeito tiver <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> carros em seu nome e habitualmente os ven<strong>de</strong>r ao público, estaremos<br />

diante <strong>de</strong> uma relação <strong>de</strong> consumo e ele será consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> fornece<strong>do</strong>r”.6<br />

Pelo mesmo raciocínio, não po<strong>de</strong> ser ti<strong>do</strong> como fornece<strong>do</strong>r aquele que ven<strong>de</strong> esporadicamente uma casa, a fim <strong>de</strong> comprar<br />

outra, para a mudança <strong>de</strong> seu en<strong>de</strong>reço. Do mesmo mo<strong>do</strong>, alguém que ven<strong>de</strong> coisas usadas, <strong>de</strong> forma isolada, visan<strong>do</strong> apenas<br />

<strong>de</strong>sfazer-se <strong>de</strong>las.<br />

Ainda, para a visualização da ativida<strong>de</strong> <strong>do</strong> fornece<strong>do</strong>r, po<strong>de</strong> servir como amparo o art. 966 <strong>do</strong> Código Civil, que aponta os

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