#Manual de Direito do Consumidor (2017) - Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpsção Neves
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p/Acórdão Ministra Nancy Andrighi – Terceira Turma – j. 04.12.2003 – DJ 29.03.2004, p. 230).<br />
Todavia, no que tange ao <strong>Direito</strong> <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r, como é notório, o art. 28, § 1º, <strong>do</strong> CDC foi veta<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> na verda<strong>de</strong> o veto<br />
<strong>de</strong>veria ter atingi<strong>do</strong> o § 5º. O dispositivo veta<strong>do</strong> teria a seguinte redação: “A pedi<strong>do</strong> da parte interessada, o juiz <strong>de</strong>terminará que a<br />
efetivação da responsabilida<strong>de</strong> da pessoa jurídica recaia sobre o acionista controla<strong>do</strong>r, o sócio majoritário, os sócios-gerentes, os<br />
administra<strong>do</strong>res societários e, no caso <strong>de</strong> grupo societário, as socieda<strong>de</strong>s que a integram” (art. 28, § 1º). As razões <strong>do</strong> veto, que não<br />
têm qualquer relação com a norma: “O caput <strong>do</strong> art. 28 já contém to<strong>do</strong>s os elementos necessários à aplicação da <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração<br />
da personalida<strong>de</strong> jurídica, que constitui, conforme <strong>do</strong>utrina amplamente <strong>do</strong>minante no direito pátrio e alienígena, técnica<br />
excepcional <strong>de</strong> repressão a práticas abusivas”.<br />
Assim, fica em dúvida a verda<strong>de</strong>ira a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong>ssa teoria, apesar da previsão legal. Nesse senti<strong>do</strong>, comentan<strong>do</strong> o erro no veto,<br />
anota Gustavo Rene Nicolau que “com este equívoco manteve-se em vigor o terrível § 5º. Enten<strong>do</strong> que não se po<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar<br />
eficaz o referi<strong>do</strong> parágrafo, prestigian<strong>do</strong> um engano em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> toda uma construção <strong>do</strong>utrinária absolutamente solidificada<br />
e que visa – em última análise – proteger a coletivida<strong>de</strong>”.5 O que é importante dizer é que, apesar <strong>do</strong>s protestos <strong>do</strong> jovem civilista,<br />
o art. 28, § 5º, <strong>do</strong> CDC, vem sen<strong>do</strong> aplica<strong>do</strong> amplamente pela jurisprudência como precursor da teoria menor ou objetiva.<br />
Em suma, constata-se que a divisão entre a teoria maior e a menor consoli<strong>do</strong>u-se na civilística nacional. Isso, mesmo com<br />
críticas formuladas pelo próprio Fábio Ulhoa Coelho, um <strong>do</strong>s seus principais precursores. Conforme se retira <strong>de</strong> obra mais recente<br />
<strong>do</strong> jurista, “em 1999, quan<strong>do</strong> era significativa a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões judiciais <strong>de</strong>svirtuan<strong>do</strong> a teoria da <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração, cheguei<br />
a chamar sua aplicação incorreta <strong>de</strong> ‘teoria menor’, reservan<strong>do</strong> à correta a expressão ‘teoria maior’. Mas a evolução <strong>do</strong> tema na<br />
jurisprudência brasileira não permite mais falar-se em duas teorias distintas, razão pela qual esses conceitos <strong>de</strong> ‘maior’ e ‘menor’<br />
mostram-se, agora, felizmente, ultrapassa<strong>do</strong>s”.6 Com o <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> respeito, acredito que a aclamada divisão <strong>de</strong>ve ser mantida na teoria<br />
e prática <strong>do</strong> <strong>Direito</strong> Priva<strong>do</strong>, especialmente pelo seu claro intuito didático e meto<strong>do</strong>lógico. Em suplemento, a aplicação da teoria<br />
menor é mais eficiente para a <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong>s interesses <strong>do</strong>s consumi<strong>do</strong>res.<br />
Deve ficar claro que a <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração da personalida<strong>de</strong> jurídica não significa a sua extinção, mas apenas uma ampliação das<br />
responsabilida<strong>de</strong>s, quebran<strong>do</strong>-se com a sua autonomia. A<strong>de</strong>mais, a medida é tida como excepcional, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>de</strong> autorização<br />
judicial. Em suma, não se po<strong>de</strong> confundir a <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração com a <strong>de</strong>spersonificação da pessoa jurídica. No primeiro instituto,<br />
apenas <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ra-se a regra pela qual a pessoa jurídica tem existência distinta <strong>de</strong> seus membros. Na <strong>de</strong>spersonificação, a pessoa<br />
jurídica é dissolvida ou extinta. Destaque-se que a <strong>de</strong>spersonificação da pessoa jurídica está tratada, em termos gerais, pelo art. 51<br />
<strong>do</strong> Código Civil, in verbis: “Nos casos <strong>de</strong> dissolução da pessoa jurídica ou cassada a autorização para seu funcionamento, ela<br />
subsistirá para os fins <strong>de</strong> liquidação, até que esta se conclua. § 1º Far-se-á, no registro on<strong>de</strong> a pessoa jurídica estiver inscrita, a<br />
averbação <strong>de</strong> sua dissolução. § 2º As disposições para a liquidação das socieda<strong>de</strong>s aplicam-se, no que couber, às <strong>de</strong>mais pessoas<br />
jurídicas <strong>de</strong> direito priva<strong>do</strong>. § 3º Encerrada a liquidação, promover-se-á o cancelamento da inscrição da pessoa jurídica”.<br />
Repisan<strong>do</strong>, é possível, no caso <strong>de</strong> confusão patrimonial, responsabilizar a empresa por dívidas <strong>do</strong>s sócios (<strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração<br />
inversa ou invertida). O exemplo típico é a situação em que o sócio, ten<strong>do</strong> conhecimento <strong>de</strong> divórcio, compra bens com capital<br />
próprio em nome da empresa (confusão patrimonial). Pela <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração, tais bens po<strong>de</strong>rão ser alcança<strong>do</strong>s pela ação <strong>de</strong> divórcio,<br />
fazen<strong>do</strong> com que o instituto seja aplica<strong>do</strong> no <strong>Direito</strong> <strong>de</strong> Família. Sobre o tema, mencione-se o trabalho <strong>de</strong> Rolf Madaleno, que trata<br />
da teoria da disregard no <strong>Direito</strong> <strong>de</strong> Família. Citan<strong>do</strong> farta jurisprudência <strong>do</strong> TJRS, o <strong>do</strong>utrina<strong>do</strong>r utiliza um exemplo muito<br />
próximo <strong>do</strong> que aqui foi aponta<strong>do</strong>: “Quan<strong>do</strong> o mari<strong>do</strong> transfere para sua empresa o rol mais significativo <strong>do</strong>s bens matrimoniais,<br />
sentença final <strong>de</strong> cunho <strong>de</strong>claratório haverá <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar este negócio específico, flagrada a frau<strong>de</strong> ou o abuso, haven<strong>do</strong>, em<br />
consequência, como matrimoniais esses bens, para or<strong>de</strong>nar sua partilha no ventre da separação judicial, na fase <strong>de</strong>stinada a sua<br />
divisão, já consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s comuns e comunicáveis”.7 Admitin<strong>do</strong> essa possibilida<strong>de</strong>, na IV Jornada <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Civil foi aprova<strong>do</strong> o<br />
Enuncia<strong>do</strong> n. 283 <strong>do</strong> CJF/STJ, preven<strong>do</strong> que “É cabível a <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração da personalida<strong>de</strong> jurídica <strong>de</strong>nominada ‘inversa’ para<br />
alcançar bens <strong>de</strong> sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou <strong>de</strong>sviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros”. Da<br />
jurisprudência, po<strong>de</strong> ser encontra<strong>do</strong> julga<strong>do</strong> publica<strong>do</strong> no Informativo n. 444 <strong>do</strong> STJ, aplican<strong>do</strong> a categoria (STJ – REsp<br />
948.117/MS – Rel. Min. Nancy Andrighi – j. 22.06.2010).<br />
A <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração inversa, <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong>, é possível em <strong>de</strong>manda envolven<strong>do</strong> uma relação <strong>de</strong> consumo. Imagine-se o caso<br />
<strong>de</strong> um fornece<strong>do</strong>r ou presta<strong>do</strong>r que tem vários débitos em relação a consumi<strong>do</strong>res e que, para fraudá-los, passa a transmitir os seus<br />
bens para o seu nome próprio. Enten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>de</strong>sse mo<strong>do</strong>, e fazen<strong>do</strong> menção ao art. 28 <strong>do</strong> CDC, <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> São Paulo:<br />
“Bem móvel. Ação <strong>de</strong> obrigação <strong>de</strong> fazer C.C. Pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização. Pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> aplicação da <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração inversa da pessoa<br />
jurídica. Bloqueio ‘on-line’. Presentes os pressupostos legais (art. 28 <strong>do</strong> CDC e art. 50 <strong>do</strong> CC <strong>de</strong> 2002). Agravo improvi<strong>do</strong>.<br />
Presentes os elementos <strong>de</strong> convicção <strong>do</strong>s pressupostos <strong>do</strong> art. 28 <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r e <strong>do</strong> art. 50 <strong>do</strong> Código Civil<br />
<strong>de</strong> 2002, é aplicável a <strong>de</strong>spersonalização da pessoa jurídica inversa para alcançar os bens sociais ou particulares <strong>do</strong>s administra<strong>do</strong>res<br />
ou sócios que a integram” (TJSP – Agravo <strong>de</strong> instrumento n. 990.10.074924-2 – Acórdão n. 4630.973/SP – Vigésima Sexta Câmara