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#Manual de Direito do Consumidor (2017) - Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpsção Neves

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6.5.3.<br />

A vedação da publicida<strong>de</strong> abusiva (art. 37, § 2º, <strong>do</strong> CDC)<br />

Diferentemente da publicida<strong>de</strong> enganosa, que induz o consumi<strong>do</strong>r a erro, a publicida<strong>de</strong> abusiva é aquela ilícita por trazer<br />

como conteú<strong>do</strong> o abuso <strong>de</strong> direito, tema que será aprofunda<strong>do</strong> no próximo capítulo. Dispõe o art. 37, § 2º, da Lei 8.078/1990, em<br />

tom mais uma vez exemplificativo, que são abusivas, <strong>de</strong>ntre outras, as seguintes práticas:<br />

a)<br />

b)<br />

c)<br />

d)<br />

e)<br />

f)<br />

A publicida<strong>de</strong> discriminatória <strong>de</strong> qualquer natureza.<br />

A publicida<strong>de</strong> que incita à violência.<br />

A publicida<strong>de</strong> que explora o me<strong>do</strong> ou a superstição.<br />

A publicida<strong>de</strong> que se aproveita da <strong>de</strong>ficiência <strong>de</strong> julgamento e experiência da criança.<br />

A publicida<strong>de</strong> que <strong>de</strong>srespeita valores ambientais.<br />

A publicida<strong>de</strong> que seja capaz <strong>de</strong> induzir o consumi<strong>do</strong>r a se comportar <strong>de</strong> forma prejudicial ou perigosa à sua saú<strong>de</strong> ou<br />

segurança.<br />

Como explica Fábio Ulhoa Coelho, a publicida<strong>de</strong> abusiva é aquela que agri<strong>de</strong> os valores sociais, presente uma conduta<br />

socialmente reprovável <strong>de</strong> abuso. E ilustra: “O fabricante <strong>de</strong> armas não po<strong>de</strong> promover o seu produto reforçan<strong>do</strong> a i<strong>de</strong>ologia da<br />

violência como meio <strong>de</strong> solução <strong>do</strong>s conflitos, ainda que esta solução resultasse suficiente, em termos merca<strong>do</strong>lógicos, junto a<br />

<strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s segmentos da socieda<strong>de</strong>, inclusive os consumi<strong>do</strong>res <strong>de</strong> armamentos. Também é abusiva a publicida<strong>de</strong> racista,<br />

sexista, discriminatória e lesiva ao meio ambiente”.29 Deve ficar claro que, para a caracterização da publicida<strong>de</strong> abusiva, levam-se<br />

em conta os valores da comunida<strong>de</strong> e o senso geral comum.<br />

Diante <strong>do</strong> seu conteú<strong>do</strong>, muitas vezes agressivo, a publicida<strong>de</strong> abusiva po<strong>de</strong> gerar a responsabilida<strong>de</strong> civil das pessoas<br />

envolvidas, nos mol<strong>de</strong>s das premissas já expostas. Isso sem falar das penalida<strong>de</strong>s administrativas, como a imposição <strong>de</strong> pesadas<br />

multas pelos órgãos legitima<strong>do</strong>s ou a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a empresa fazer a contrapublicida<strong>de</strong>, tratada pela lei como<br />

contrapropaganda. Estipula o caput <strong>do</strong> art. 60 <strong>do</strong> CDC que a imposição <strong>de</strong> contrapropaganda será cominada quan<strong>do</strong> o fornece<strong>do</strong>r<br />

incorrer na prática <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong> enganosa ou abusiva, sempre às expensas <strong>do</strong> infrator. Em complemento, prevê a mesma norma<br />

que a contrapropaganda será divulgada pelo responsável da mesma forma, frequência e dimensão e, preferencialmente no mesmo<br />

veículo, local, espaço e horário, <strong>de</strong> forma capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>sfazer o malefício da publicida<strong>de</strong> enganosa ou abusiva (art. 60, § 1º).<br />

A título <strong>de</strong> ilustração, cite-se julga<strong>do</strong> notório <strong>do</strong> Egrégio Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> São Paulo, o qual consi<strong>de</strong>rou ser<br />

abusiva uma publicida<strong>de</strong> que incitava as crianças à <strong>de</strong>struição <strong>de</strong> tênis velhos, os quais <strong>de</strong>veriam ser substituí<strong>do</strong>s por outros novos,<br />

situação tida como incentiva<strong>do</strong>ra da violência, abusan<strong>do</strong> da inocência das crianças:<br />

“Ação civil pública. Publicida<strong>de</strong> abusiva. Propaganda <strong>de</strong> tênis veiculada pela TV. Utilização da empatia da apresenta<strong>do</strong>ra.<br />

Induzimento das crianças a a<strong>do</strong>tarem o comportamento da apresenta<strong>do</strong>ra <strong>de</strong>struin<strong>do</strong> tênis usa<strong>do</strong>s para que seus pais comprassem<br />

novos, da marca sugerida. Ofensa ao art. 37, § 2º, <strong>do</strong> CDC. Sentença con<strong>de</strong>natória proibin<strong>do</strong> a veiculação e impon<strong>do</strong> encargo <strong>de</strong><br />

contrapropaganda e multa pelo <strong>de</strong>scumprimento da con<strong>de</strong>nação. Contrapropaganda que se tornou inócua ante o tempo já <strong>de</strong>corri<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a suspensão da mensagem. Recurso provi<strong>do</strong> parcialmente” (TJSP – Apelação Cível 241.337-1, São Paulo – Terceira Câmara<br />

<strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Público – Rel. Ribeiro Macha<strong>do</strong> – j. 30.04.1996, v.u.).<br />

Pela ementa transcrita, nota-se que houve um enquadramento da prática como sen<strong>do</strong> um mau costume, conceito que mantém<br />

relação íntima com o texto encontra<strong>do</strong> no art. 187 <strong>do</strong> CC/2002, que traz os elementos configura<strong>do</strong>res o abuso <strong>de</strong> direito. Como se<br />

percebe, como a publicida<strong>de</strong> envolve valores coletivos em senti<strong>do</strong> amplo, cabe o manejo das medidas <strong>de</strong> tutela pela ação civil<br />

pública, inclusive com a atribuição <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização por danos morais coletivos ou difusos, categorias já abordadas nesta obra.<br />

A propósito, em 2016, surgiu prece<strong>de</strong>nte importante sobre a publicida<strong>de</strong> infantil no Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça. A Corte<br />

enten<strong>de</strong>u pela sua proibição, pelo fato <strong>de</strong> vincular a aquisição <strong>de</strong> brin<strong>de</strong>s ao consumo exagera<strong>do</strong> <strong>do</strong> produto. Nos termos <strong>do</strong> aresto,<br />

“a hipótese <strong>do</strong>s autos caracteriza publicida<strong>de</strong> duplamente abusiva. Primeiro, por se tratar <strong>de</strong> anúncio ou promoção <strong>de</strong> venda <strong>de</strong><br />

alimentos direcionada, direta ou indiretamente, às crianças. Segun<strong>do</strong>, pela evi<strong>de</strong>nte ‘venda casada’, ilícita em negócio jurídico<br />

entre adultos e, com maior razão, em contexto <strong>de</strong> marketing que utiliza ou manipula o universo lúdico infantil (art. 39, I, <strong>do</strong> CDC).<br />

In casu, está configurada a venda casada, uma vez que, para adquirir/comprar o relógio, seria necessário que o consumi<strong>do</strong>r<br />

comprasse também 5 (cinco) produtos da linha ‘Gulosos’” (STJ – REsp 1.558.086/SP – Segunda Turma – Rel. Min. Humberto<br />

Martins – j. 10.03.2016 – DJe 15.04.2016).<br />

Pensamos que tal posição <strong>de</strong>ve se repetir naquela Corte Superior, o que trará um novo tratamento para a publicida<strong>de</strong> e para a<br />

oferta dirigidas ao público infantil. Aplicada a mesma premissa, não serão mais possíveis os meios <strong>de</strong> oferta que atraem as crianças<br />

por meio <strong>de</strong> brin<strong>de</strong>s ou brinque<strong>do</strong>s, comuns em gran<strong>de</strong>s re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> lanchonetes e <strong>de</strong> restaurantes.

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