27.04.2017 Views

#Manual de Direito do Consumidor (2017) - Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpsção Neves

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

mais forte ou hiperssuficiente, muitas vezes por ter o <strong>do</strong>mínio das informações. Na gran<strong>de</strong> maioria das vezes, estar-se-á diante <strong>de</strong><br />

um contrato que é <strong>de</strong> consumo e <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são, mesmo não haven<strong>do</strong> uma confusão absoluta entre as citadas categorias.<br />

Sem dúvida, no mun<strong>do</strong> contemporâneo, a autonomia privada faz com que o contrato ingresse em outros meios, como é o caso<br />

<strong>do</strong> <strong>Direito</strong> <strong>de</strong> Família e <strong>do</strong> <strong>Direito</strong> das Coisas, sem falar no <strong>do</strong>mínio natural <strong>do</strong> <strong>Direito</strong> <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r. Como afirma Luciano <strong>de</strong><br />

Camargo Pentea<strong>do</strong>, olhan<strong>do</strong> para o futuro, “to<strong>do</strong> contrato gera obrigação para, ao menos, um das partes contratantes. Entretanto,<br />

nem to<strong>do</strong> contrato rege-se, apenas, pelo direito das obrigações. Existem contratos <strong>de</strong> direito <strong>de</strong> empresa, contratos <strong>de</strong> direito<br />

obrigacional, contratos <strong>de</strong> direito das coisas, contratos <strong>de</strong> direito <strong>de</strong> família. No sistema brasileiro, não existem contratos <strong>de</strong> direito<br />

das sucessões, por conta da vedação <strong>do</strong> art. 426 <strong>do</strong> Código Civil, o que significa que, <strong>de</strong> lege ferenda, não se possa introduzir, no<br />

direito positivo, a figura, <strong>do</strong>utrinariamente admitida e utilizada na praxe <strong>de</strong> alguns países, como é o caso da Alemanha. Interessante<br />

proposição teórica seria, em acréscimo, postular a existência <strong>de</strong> contratos da parte geral, como parece ser o caso <strong>do</strong> ato que origina a<br />

associação, no atual sistema <strong>do</strong> Código Civil”.18 Amplia-se a seara contratual, por exemplo, com a forte tendência <strong>de</strong> aproximação<br />

<strong>do</strong>s direitos pessoais e <strong>do</strong>s direitos reais, <strong>de</strong>smontan<strong>do</strong> aquele antigo quadro comparativo exposto nas aulas inaugurais sobre <strong>Direito</strong><br />

das Coisas. 19<br />

A título <strong>de</strong> exemplo <strong>de</strong>ssa aproximação, cai aquela premissa <strong>de</strong> que os direitos pessoais teriam efeitos inter partes e os direitos<br />

reais efeitos erga omnes. Como antes se <strong>de</strong>monstrou neste livro, a função social <strong>do</strong> contrato – em sua eficácia externa – traz a<br />

conclusão <strong>de</strong> que o contrato gera efeitos perante terceiros. A respeito <strong>do</strong>s efeitos restritos <strong>do</strong>s direitos reais, a tendência po<strong>de</strong> ser<br />

percebida pela Súmula 308 <strong>do</strong> Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, pela qual a boa-fé objetiva faz com que a hipoteca tenha seus efeitos<br />

limita<strong>do</strong>s aos celebrantes, não em relação a terceiros. Enuncia a citada ementa: “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente<br />

financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa <strong>de</strong> compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes <strong>do</strong> imóvel”.<br />

A súmula surgiu <strong>do</strong>s casos <strong>de</strong> notória construtora que recebeu os pagamentos, mas não fez os <strong>de</strong>vi<strong>do</strong>s repasses aos agentes<br />

financeiros. Foram protegi<strong>do</strong>s os consumi<strong>do</strong>res adquirentes e adimplentes, restringin<strong>do</strong>-se os efeitos da hipoteca entre tal<br />

construtora e o banco. Prestigiou-se a boa-fé objetiva como preceito <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pública e a função social <strong>do</strong> contrato, pela proteção<br />

<strong>do</strong>s consumi<strong>do</strong>res adquirentes <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> justiça contratual.<br />

Concluin<strong>do</strong> o tópico, a contemporaneida<strong>de</strong> <strong>de</strong>monstra que o futuro é <strong>de</strong> uma contratualização <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o direito, um<br />

neocontratualismo, tese <strong>de</strong>fendida há tempos por Norberto Bobbio. 20 Entre os portugueses, Rui Alarcão também <strong>de</strong>monstra a<br />

tendência, ao discorrer sobre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> menos leis, melhores leis. 21 Para o jurista <strong>de</strong> Coimbra, “se está assistin<strong>do</strong> a um recuo<br />

<strong>do</strong> ‘direito estadual ou estatal’, e se fala mesmo em ‘direito negocia<strong>do</strong>’, embora se <strong>de</strong>va advertir que aquele recuo a esta negociação<br />

comporta perigos, relativamente aos quais importa estar preveni<strong>do</strong> e encontrar respostas, não avulsas mas institucionais. Como quer<br />

que seja, uma coisa se afigura certa: a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> novos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> realização <strong>do</strong> <strong>Direito</strong>, incluin<strong>do</strong> mo<strong>de</strong>los alternativos <strong>de</strong><br />

realização jurisdicional e on<strong>de</strong> haverá certamente lugar <strong>de</strong>staca<strong>do</strong> para paradigmas contratuais e para mecanismos <strong>de</strong> natureza ou <strong>de</strong><br />

recorte contratual, que têm, <strong>de</strong> resto, tradição jurídica-política, precursora <strong>de</strong> dimensões mo<strong>de</strong>rnas ou pós-mo<strong>de</strong>rnas”.22 E arremata,<br />

sustentan<strong>do</strong> que tem ganha<strong>do</strong> força a contratualização sociopolítica, para que exista uma socieda<strong>de</strong> mais consensual <strong>do</strong> que<br />

autoritária ou conflituosa. 23 Em suma, a construção <strong>de</strong> contrato serve não só para as partes envolvidas mas também para toda a<br />

socieda<strong>de</strong>.<br />

O contrato rompe suas barreiras iniciais, não ten<strong>do</strong> limites <strong>de</strong> incidência. Para tal rompimento, sem dúvidas, contribuem muito<br />

os contratos <strong>de</strong> consumo. Não se po<strong>de</strong> esquecer que, na gran<strong>de</strong> maioria das vezes e no mun<strong>do</strong> contemporâneo, vivencia-se a<br />

realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aplicação <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r.<br />

Superada essa visão inaugural, parte-se ao estu<strong>do</strong> da revisão contratual por fato superveniente no Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong><br />

Consumi<strong>do</strong>r, assunto <strong>do</strong>s mais importantes, que serve para a concretização efetiva <strong>do</strong>s princípios sociais contratuais, caso da boa-fé<br />

objetiva e da função social.<br />

5.2.<br />

A REVISÃO CONTRATUAL POR FATO SUPERVENIENTE NO CÓDIGO DE DEFESA<br />

DO CONSUMIDOR<br />

Como aponta<strong>do</strong> no Capítulo 2 <strong>de</strong>sta obra, há uma forte relação entre o princípio da função social <strong>do</strong> contrato e a manutenção <strong>do</strong><br />

ponto <strong>de</strong> equilíbrio <strong>do</strong> negócio, o que alguns <strong>do</strong>utrina<strong>do</strong>res preferem <strong>de</strong>nominar equivalência material.24 Na verda<strong>de</strong>, trata-se <strong>de</strong><br />

uma clara incidência da eficácia interna da função social <strong>do</strong> contrato, que veda a onerosida<strong>de</strong> excessiva e o enriquecimento sem<br />

causa. Como bem exposto pelo Professor Álvaro Villaça Azeve<strong>do</strong> em suas palestras, o contrato não po<strong>de</strong> gerar uma situação <strong>de</strong><br />

massacre <strong>de</strong> uma parte sobre a outra, sen<strong>do</strong> essa uma boa concepção a respeito da função social.25 Em outras palavras, um contrato<br />

que acarreta onerosida<strong>de</strong> excessiva a uma das partes, especialmente tida como vulnerável, não está cumprin<strong>do</strong> o seu papel<br />

sociológico, necessitan<strong>do</strong> <strong>de</strong> revisão pelo órgão judicante.<br />

O Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r disciplina a revisão contratual por fato superveniente (fato novo) no seu art. 6º, inc. V.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!