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#Manual de Direito do Consumidor (2017) - Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpsção Neves

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<strong>do</strong>utrina <strong>de</strong>finitivamente não convenceu o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça que, em 2015, editou a Súmula 529, expressan<strong>do</strong> que “No<br />

seguro <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> civil facultativo, não cabe o ajuizamento <strong>de</strong> ação pelo terceiro prejudica<strong>do</strong> direta e exclusivamente em<br />

face da segura<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> aponta<strong>do</strong> causa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> dano”.<br />

A respeito da eficácia interna da função social <strong>do</strong> contrato, com aplicação entre as partes, está ela prevista no Enuncia<strong>do</strong> n.<br />

360, da IV Jornada <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Civil, proposto pelo autor <strong>de</strong>sta obra. No âmbito da Lei 8.078/1990, tal irradiação po<strong>de</strong> ser retirada<br />

<strong>de</strong> vários dispositivos. De início, fica claro que o princípio da função social, em termos <strong>de</strong> sua eficácia entre as partes, é retira<strong>do</strong> da<br />

interpretação contratual mais benéfica ao consumi<strong>do</strong>r, conforme regra <strong>do</strong> art. 47 <strong>do</strong> CDC.35 Nota-se que um <strong>do</strong>s impactos <strong>do</strong><br />

princípio em questão é justamente proteger a parte vulnerável da relação negocial, o que po<strong>de</strong> ser retira<strong>do</strong> da norma e <strong>de</strong> outras da<br />

Lei <strong>de</strong> Consumo.<br />

Do mesmo mo<strong>do</strong> sintoniza<strong>do</strong> com o princípio da função social <strong>do</strong> contrato, não se po<strong>de</strong> afastar a relevância <strong>do</strong> art. 51 <strong>do</strong> CDC<br />

para a nova visualização <strong>do</strong>s pactos e avenças celebra<strong>do</strong>s sob a sua égi<strong>de</strong>. Ora, quan<strong>do</strong> o Código Consumerista reconhece a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma cláusula consi<strong>de</strong>rada abusiva <strong>de</strong>clarar a nulida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um negócio, está totalmente antena<strong>do</strong> com a intervenção<br />

estatal nos contratos e com aquilo que se espera <strong>de</strong> um direito contemporâneo mais justo e equilibra<strong>do</strong>. Isso é reconheci<strong>do</strong> pela<br />

obra <strong>de</strong> Claudia Lima Marques, Herman Benjamin e Bruno Miragem, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que “O Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r<br />

inova consi<strong>de</strong>ravelmente o espírito <strong>do</strong> direito das obrigações, e relativo à máxima pacta sunt servanda. A nova lei vai reduzir o<br />

espaço antes reserva<strong>do</strong> para a autonomia da vonta<strong>de</strong> proibin<strong>do</strong> que se pactuem <strong>de</strong>terminadas cláusulas, vai impor normas<br />

imperativas, que visam proteger o consumi<strong>do</strong>r, reequilibran<strong>do</strong> o contrato, garantin<strong>do</strong> as legítimas expectativas que <strong>de</strong>positou no<br />

vínculo contratual”.36<br />

Na verda<strong>de</strong>, observa-se que a primeira tentativa relevante <strong>de</strong> trazer ao nosso sistema o princípio da função social <strong>do</strong>s contratos<br />

ocorreu com a promulgação da Lei 8.078/1990. Com o Código Civil <strong>de</strong> 2002, ocorreu uma ampliação <strong>do</strong> uso <strong>de</strong> tal regramento,<br />

inicialmente pelas previsões expressas que constam <strong>do</strong>s seus arts. 421 e 2.035, parágrafo único, bem como <strong>de</strong> outros dispositivos<br />

legais específicos.<br />

Ato contínuo <strong>de</strong> estu<strong>do</strong> da eficácia interna <strong>do</strong> princípio, conforme antes exposto e com base na melhor <strong>do</strong>utrina, a função<br />

social <strong>do</strong>s contratos na órbita <strong>de</strong> consumo tem relação simbiótica com a manutenção <strong>do</strong> equilíbrio <strong>do</strong>s contratos, com a equida<strong>de</strong><br />

contratual e com a plena possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> revisão <strong>do</strong>s negócios. Como já pronuncia<strong>do</strong> em se<strong>de</strong> jurispru<strong>de</strong>ncial, “o juiz da equida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>ve buscar a Justiça comutativa, analisan<strong>do</strong> a qualida<strong>de</strong> <strong>do</strong> consentimento. Quan<strong>do</strong> evi<strong>de</strong>nciada a <strong>de</strong>svantagem <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r,<br />

ocasionada pelo <strong>de</strong>sequilíbrio contratual gera<strong>do</strong> pelo abuso <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r econômico, restan<strong>do</strong>, assim, feri<strong>do</strong> o princípio da equida<strong>de</strong><br />

contratual, <strong>de</strong>ve ele receber uma proteção compensatória. Uma disposição legal não po<strong>de</strong> ser utilizada para eximir <strong>de</strong><br />

responsabilida<strong>de</strong> o contratante que age com notória má-fé em <strong>de</strong>trimento da coletivida<strong>de</strong>, pois a ninguém é permiti<strong>do</strong> valer-se da<br />

lei ou <strong>de</strong> exceção prevista em lei para obtenção <strong>de</strong> benefício próprio quan<strong>do</strong> este vier em prejuízo <strong>de</strong> outrem” (STJ – REsp<br />

436.853/DF – Terceira Turma – Rel. Min. Nancy Andrighi – j. 04.05.2006 – DJ 27.11.2006, p. 273).<br />

O Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r inseriu a regra <strong>de</strong> que mesmo uma simples onerosida<strong>de</strong> excessiva ao consumi<strong>do</strong>r,<br />

<strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> fato superveniente, po<strong>de</strong>rá ensejar a chamada revisão contratual (art. 6º, inc. V). Nesse contexto, <strong>de</strong>ve-se enten<strong>de</strong>r<br />

que o papel da função social <strong>do</strong> contrato está intimamente liga<strong>do</strong> ao ponto <strong>de</strong> equilíbrio que o negócio jurídico celebra<strong>do</strong> <strong>de</strong>ve<br />

atingir e manter. Dessa forma, um contrato que traz uma onerosida<strong>de</strong> excessiva a uma das partes – consi<strong>de</strong>rada vulnerável – não<br />

está cumprin<strong>do</strong> o seu papel sociológico, necessitan<strong>do</strong> <strong>de</strong> revisão pelo órgão judicante. O tema ainda será aprofunda<strong>do</strong> no capítulo<br />

referente à proteção contratual, caben<strong>do</strong>, no presente tópico, estabelecer apenas a conexão com o regramento em análise.<br />

Por fim, é preciso conectar a eficácia interna da função social <strong>do</strong>s contratos com a conservação <strong>do</strong>s negócios jurídicos,<br />

encaran<strong>do</strong>-se a extinção <strong>do</strong> negócio como a última medida, a ultima ratio. No campo <strong>do</strong>utrinário, tal relação foi reconhecida pelo<br />

Enuncia<strong>do</strong> n. 22 <strong>do</strong> Conselho da Justiça Fe<strong>de</strong>ral, aprova<strong>do</strong> na I Jornada <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Civil, in verbis: “a função social <strong>do</strong> contrato,<br />

prevista no art. 421 <strong>do</strong> novo Código Civil, constitui cláusula geral, que reforça o princípio <strong>de</strong> conservação <strong>do</strong> contrato,<br />

asseguran<strong>do</strong> trocas úteis e justas”. No mesmo senti<strong>do</strong>, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> Nery apontam a conservação <strong>do</strong><br />

contrato e <strong>do</strong> negócio jurídico como um <strong>do</strong>s regramentos básicos da Lei 8.078/1990, eis que “sempre que possível interpreta-se o<br />

contrato <strong>de</strong> consumo <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a fazer com que suas cláusulas tenham aplicação, extrain<strong>do</strong>-se <strong>de</strong>las um máximo <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong>”.37<br />

Como exemplo concreto <strong>de</strong>ssa tendência <strong>de</strong> conservação, cite-se a teoria <strong>do</strong> adimplemento substancial (substancial<br />

performance), amplamente admitida pela <strong>do</strong>utrina e pela jurisprudência. Conforme o Enuncia<strong>do</strong> n. 361, aprova<strong>do</strong> na IV Jornada<br />

<strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Civil: “O adimplemento substancial <strong>de</strong>corre <strong>do</strong>s princípios gerais contratuais, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a fazer prepon<strong>de</strong>rar a função<br />

social <strong>do</strong> contrato e o princípio da boa-fé objetiva, balizan<strong>do</strong> a aplicação <strong>do</strong> art. 475”. São autores <strong>do</strong> enuncia<strong>do</strong> os juristas Jones<br />

Figueirê<strong>do</strong> Alves e Eduar<strong>do</strong> Bussatta, que têm trabalhos <strong>de</strong> referência sobre o instituto. 38<br />

Pela teoria <strong>do</strong> adimplemento substancial, em hipóteses em que a obrigação tiver si<strong>do</strong> quase toda cumprida, sen<strong>do</strong> a mora<br />

insignificante, não caberá a extinção <strong>do</strong> negócio, mas apenas outros efeitos jurídicos, visan<strong>do</strong> sempre à manutenção da avença. A

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