#Manual de Direito do Consumidor (2017) - Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpsção Neves
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A modificação <strong>do</strong> valor consolida<strong>do</strong> da multa po<strong>de</strong> ser feita <strong>de</strong> ofício ou mediante pedi<strong>do</strong> <strong>do</strong> executa<strong>do</strong>. O mais comum é que<br />
tal alegação seja veiculada por meio da <strong>de</strong>fesa típica <strong>do</strong> executa<strong>do</strong>, ou seja, a impugnação, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que a execução da multa<br />
dar-se-á por meio <strong>de</strong> cumprimento <strong>de</strong> sentença. O Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, entretanto, já teve oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> admitir tal<br />
alegação em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> exceção <strong>de</strong> pré-executivida<strong>de</strong>, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> tratar-se <strong>de</strong> matéria <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pública que dispensa a instrução<br />
probatória 102 .<br />
10.3.3.7.6.<br />
Exigibilida<strong>de</strong> da multa<br />
A multa coercitiva po<strong>de</strong> ser aplicada tanto para pressionar o <strong>de</strong>ve<strong>do</strong>r a cumprir uma <strong>de</strong>cisão interlocutória que conce<strong>de</strong> tutela<br />
<strong>de</strong> urgência quanto para cumprir uma sentença que julga proce<strong>de</strong>nte o pedi<strong>do</strong> <strong>do</strong> autor. Questão que causa séria divergência na<br />
<strong>do</strong>utrina pátria refere-se ao momento a partir <strong>do</strong> qual a multa torna-se exigível. Em outras palavras, a partir <strong>de</strong> qual momento a<br />
parte beneficiada com o crédito gera<strong>do</strong> pela frustração da multa po<strong>de</strong>rá executá-lo?<br />
Para parcela da <strong>do</strong>utrina, a multa é exigível a partir <strong>do</strong> momento em que a <strong>de</strong>cisão que a fixa torna-se eficaz, ou porque não foi<br />
recorrida ou porque foi impugnada por recurso sem efeito suspensivo103. Essa exigibilida<strong>de</strong> permitiria a execução imediata <strong>de</strong><br />
crédito <strong>de</strong>corrente da multa frustrada fixada em <strong>de</strong>cisão ainda não <strong>de</strong>finitiva, inclusive a <strong>de</strong>cisão interlocutória que conce<strong>de</strong> a tutela<br />
antecipada, o que só po<strong>de</strong> ser compreendi<strong>do</strong> com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> execução provisória <strong>do</strong> crédito 104 .<br />
Para essa corrente <strong>do</strong>utrinária, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exigibilida<strong>de</strong> imediata resulta da própria função coercitiva da multa, porque a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aguardar a <strong>de</strong>finitivida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>cisão, que só ocorrerá com o advento da coisa julgada material, seria extremamente<br />
contrária à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pressionar efetivamente o <strong>de</strong>ve<strong>do</strong>r a cumprir a obrigação. Uma perspectiva <strong>de</strong> remota execução não<br />
seria suficiente para exercer a pressão psicológica esperada das astreintes 105 .<br />
Para outra corrente <strong>do</strong>utrinária, <strong>de</strong>ve-se aguardar o trânsito em julga<strong>do</strong> para que se possa exigir o crédito gera<strong>do</strong> pela<br />
frustração da multa. Essa corrente <strong>do</strong>utrinária enten<strong>de</strong> que a mera ameaça <strong>de</strong> aplicação da multa, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>do</strong> momento<br />
em que o crédito gera<strong>do</strong> por sua frustração passará a ser exigível, já é suficiente para configurar a pressão psicológica pretendida<br />
pelo legisla<strong>do</strong>r 106 . Por outro la<strong>do</strong>, como só <strong>de</strong>ve pagar a multa a parte <strong>de</strong>finitivamente <strong>de</strong>rrotada na <strong>de</strong>manda judicial – o que só<br />
será conheci<strong>do</strong> com o trânsito em julga<strong>do</strong> –, cabe aguardar esse momento procedimental para admitir a execução da multa107.<br />
Numa tentativa <strong>de</strong> se alcançar um meio termo entre a executabilida<strong>de</strong> imediata, fundada na maior eficácia da multa, e a<br />
executabilida<strong>de</strong> condicionada ao trânsito em julga<strong>do</strong>, em prestígio à segurança jurídica, o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça passou a<br />
enten<strong>de</strong>r que a multa fixada em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> tutela antecipada só po<strong>de</strong>ria ser executada após a confirmação da tutela antecipada em<br />
sentença, e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o recurso contra essa <strong>de</strong>cisão não tivesse efeito suspensivo 108 . Registre-se que a ausência <strong>do</strong> efeito<br />
suspensivo não chegava a ser um problema, porque ele só po<strong>de</strong>ria ser obti<strong>do</strong> excepcionalmente no caso concreto (efeito suspensivo<br />
ope iudicis). O equilíbrio busca<strong>do</strong> entre a eficácia da multa e a segurança jurídica foi alcança<strong>do</strong> <strong>de</strong> outra forma pelo art. 537, § 3.º,<br />
<strong>do</strong> Novo CPC.<br />
Inicialmente, a previsão <strong>do</strong> dispositivo legal <strong>de</strong>ve ser saudada por duas razões. Primeiro, porque consagra expressamente a<br />
eficácia imediata da multa, em níti<strong>do</strong> prestígio da efetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse meio executivo 109 . Segun<strong>do</strong>, porque <strong>de</strong>ixa claro que a execução<br />
<strong>de</strong>finitiva <strong>de</strong>ssa multa <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>do</strong> trânsito em julga<strong>do</strong> da sentença, afastan<strong>do</strong> in<strong>de</strong>vida confusão entre executabilida<strong>de</strong> e<br />
provisorieda<strong>de</strong> sentida em algumas <strong>de</strong>cisões <strong>do</strong> Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça. 110<br />
Apesar <strong>de</strong> consagrar a eficácia imediata da multa, o dispositivo legal ora analisa<strong>do</strong> consagra um cumprimento <strong>de</strong> sentença<br />
incompleto, já que exige para o levantamento <strong>do</strong>s <strong>de</strong>pósitos realiza<strong>do</strong>s em juízo o trânsito em julga<strong>do</strong> <strong>de</strong> sentença favorável à<br />
parte.<br />
O legisla<strong>do</strong>r aparentemente encontrou uma solução que prestigia a efetivida<strong>de</strong> e a segurança jurídica. A executabilida<strong>de</strong><br />
imediata reforça o caráter <strong>de</strong> pressão psicológica da multa porque o <strong>de</strong>ve<strong>do</strong>r sabe que, <strong>de</strong>scumprida a <strong>de</strong>cisão em tempo breve,<br />
po<strong>de</strong>rá sofrer <strong>de</strong>sfalque patrimonial. Por outro la<strong>do</strong>, ao exigir para o levantamento <strong>de</strong> valores em favor <strong>do</strong> exequente o trânsito em<br />
julga<strong>do</strong> ou a pendência <strong>de</strong> recurso que dificilmente reverterá o resulta<strong>do</strong>, o legisla<strong>do</strong>r prestigia a segurança jurídica.<br />
Tenho sérias dúvidas a respeito da aplicabilida<strong>de</strong> da norma legal ora comentada no processo coletivo, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que o<br />
microssistema coletivo tem regra a respeito <strong>do</strong> tema em outro senti<strong>do</strong>, exigin<strong>do</strong> o trânsito em julga<strong>do</strong> para que a multa fixada<br />
durante o processo possa ser executada. Dessa forma, na ação civil pública (art. 12, § 2.º, da Lei 7.347/1985), nas <strong>de</strong>mandas<br />
regidas pelo Estatuto da Criança e <strong>do</strong> A<strong>do</strong>lescente – ECA (art. 213, § 3.º, da Lei 8.069/1990) e nas <strong>de</strong>mandas reguladas pelo<br />
Estatuto <strong>do</strong> I<strong>do</strong>so (art. 83, § 3.º, da Lei 10.741/2003), a multa só será exigível após o trânsito em julga<strong>do</strong> da <strong>de</strong>cisão.<br />
Não posso <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> registar minha profunda lamentação por tal solução, porque no processo coletivo, no qual se tutelam<br />
direitos indisponíveis e disponíveis com repercussão social, a eficácia da multa é ainda mais relevante. Condicionar sua<br />
executabilida<strong>de</strong> ao trânsito em julga<strong>do</strong> é, em gran<strong>de</strong> medida, frustrar a expectativa <strong>de</strong> que a multa cumpra sua função <strong>de</strong> pressionar<br />
psicologicamente o <strong>de</strong>ve<strong>do</strong>r a cumprir a obrigação. As regras presentes no microssistema coletivo, entretanto, não <strong>de</strong>ixam margem