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#Manual de Direito do Consumidor (2017) - Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpsção Neves

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) quan<strong>do</strong> uma causa é confiada ao juiz <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> território pelo fato <strong>de</strong> ser aí mais fácil ou mais eficaz sua função (execução<br />

no lugar <strong>do</strong>s bens; processo <strong>de</strong> falência na se<strong>de</strong> <strong>do</strong> estabelecimento comercial principal)”.71<br />

O problema gera<strong>do</strong> por tal construção é <strong>de</strong>ixar transparecer a i<strong>de</strong>ia – amplamente <strong>do</strong>minante na <strong>do</strong>utrina nacional – <strong>de</strong> que a<br />

fixação <strong>de</strong> competência em um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> território possa ter caráter funcional, o que não se coaduna com o conceito clássico <strong>de</strong><br />

competência funcional. Nem mesmo nas hipóteses em que supostamente a função jurisdicional pu<strong>de</strong>r ser exercida <strong>de</strong> maneira mais<br />

fácil ou eficaz, o entendimento será aceitável. Há uma falha clara nesse raciocínio, <strong>de</strong> se atribuir somente em algumas hipóteses<br />

competência absoluta para <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> lugar em que teoricamente a ativida<strong>de</strong> jurisdicional – em especial no campo probatório –<br />

seria facilitada, o que geraria como consequência uma tutela jurisdicional <strong>de</strong> melhor qualida<strong>de</strong>.<br />

Como então explicar a relativida<strong>de</strong> das diversas hipóteses <strong>de</strong> competência previstas pelo art. 53 <strong>do</strong> Novo CPC, como a <strong>do</strong> local<br />

<strong>do</strong> aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> veículos, que po<strong>de</strong>rá também ser proposta no <strong>do</strong>micílio <strong>do</strong> autor, ou ainda no <strong>do</strong>micílio <strong>do</strong> réu? Alguém duvida que,<br />

nesse caso, o processo tramitan<strong>do</strong> no local <strong>do</strong> aci<strong>de</strong>nte possa gerar um contato mais próximo <strong>do</strong> juiz com a instrução probatória? E<br />

que supostamente tal contato faria com que a função a ser exercida pelo juiz fosse mais fácil ou mais eficaz? Porque então, nesse<br />

caso, não se aplica a competência funcional?<br />

Enten<strong>do</strong> que há um grave equívoco ao se imaginar que tais características sejam efetivamente a razão para que a regra <strong>de</strong><br />

competência tenha caráter funcional. A<strong>de</strong>mais, seria absolutamente inconveniente enten<strong>de</strong>r o critério funcional como sen<strong>do</strong> apto a<br />

<strong>de</strong>terminar uma melhor ou pior forma <strong>de</strong> prestação jurisdicional, quan<strong>do</strong> o mínimo que se espera é que a prestação jurisdicional <strong>de</strong><br />

qualida<strong>de</strong> seja sempre a preocupação da jurisdição, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>do</strong> local em que é exercida.<br />

Dessa forma, parece que nas situações em que o legisla<strong>do</strong>r fixa uma competência territorial, atribuin<strong>do</strong>-lhe a característica <strong>de</strong><br />

competência absoluta, não o faz levan<strong>do</strong> em conta tão somente a melhor ou pior qualida<strong>de</strong> da prestação jurisdicional, mas sim a<br />

natureza <strong>do</strong> direito material <strong>de</strong>bati<strong>do</strong>. É essa natureza que leva o legisla<strong>do</strong>r a fixar certo território <strong>de</strong> maneira improrrogável para<br />

julgar <strong>de</strong>terminadas <strong>de</strong>mandas judiciais, sen<strong>do</strong> somente possível afirmar que a facilida<strong>de</strong> ou eficácia da função a ser exercida pelo<br />

juiz é apenas algo que motivou o legisla<strong>do</strong>r a criar essas regras <strong>de</strong> competência absoluta, mas nunca sua razão <strong>de</strong> ser.<br />

Nesses termos, irretocável a conclusão <strong>de</strong> Brunela Vieira <strong>de</strong> Vicenzi, em artigo específico sobre o tema:<br />

“A relação <strong>de</strong> direito material influencia diretamente na <strong>de</strong>finição da competência; em <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s casos a relevância <strong>do</strong> direito<br />

tutela<strong>do</strong> impõe a sua diferenciação, quan<strong>do</strong>, então, o legisla<strong>do</strong>r atribui previamente competência absoluta a <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> órgão<br />

jurisdicional. Porém, a questão não vem sen<strong>do</strong> tratada <strong>de</strong> maneira tão simples. Na maioria das vezes o legisla<strong>do</strong>r utiliza-se <strong>de</strong> <strong>do</strong>is ou<br />

mais critérios <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>res da competência simultaneamente, por exemplo, o material e territorial. E aí, não obstante, atribui a essa<br />

competência o rótulo <strong>de</strong> funcional, acreditan<strong>do</strong> que assim ela se tornará absoluta. Em síntese, po<strong>de</strong>ríamos dizer que o conceito está<br />

sen<strong>do</strong> distorci<strong>do</strong> e utiliza<strong>do</strong> para atribuir eficácia ‘absoluta’ à competência <strong>de</strong> um órgão jurisdicional <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> em razão <strong>do</strong> território<br />

simplesmente, ou em razão <strong>do</strong> território conjuga<strong>do</strong> a matéria (hipótese em que, aliás, a competência já seria absoluta por força <strong>do</strong>s<br />

critérios utiliza<strong>do</strong>s). Mais simples e coerente seria estabelecer, em vista <strong>do</strong>s direitos tutela<strong>do</strong>s, sempre que estes forem <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<br />

pública, em cuja tutela o Esta<strong>do</strong> tenha premente interesse, a competência absoluta, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>do</strong> critério utiliza<strong>do</strong> para a<br />

sua prévia <strong>de</strong>finição. Improrrogável pela vonta<strong>de</strong> das partes, portanto”.72<br />

Essa errônea <strong>de</strong>finição <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> competência funcional po<strong>de</strong> ser sentida em três importantes dispositivos legais: a) art.<br />

47 <strong>do</strong> Novo CPC; b) art. 2.º da Lei 7.347/1985 (Ação Civil Pública); c) art. 80 da Lei 10.741/2003 (Estatuto <strong>do</strong> I<strong>do</strong>so), sen<strong>do</strong> mais<br />

relevante para o presente estu<strong>do</strong> a norma que compõe o núcleo duro <strong>do</strong> microssistema coletivo.<br />

11.3.2. Competência absoluta <strong>do</strong> foro<br />

Assim vem redigi<strong>do</strong> o art. 2.º da LACP: “as ações previstas nesta Lei serão propostas no foro <strong>do</strong> local on<strong>de</strong> ocorrer o dano,<br />

cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa”. Conforme já afirma<strong>do</strong>, o legisla<strong>do</strong>r pensou em evitar<br />

qualquer espécie <strong>de</strong> <strong>de</strong>bate sobre a verda<strong>de</strong>ira espécie <strong>de</strong> competência ao <strong>de</strong>terminar expressamente tratar a regra <strong>de</strong> competência<br />

funcional. Melhor seria simplesmente se manter alheio a tão polêmico <strong>de</strong>bate, consignan<strong>do</strong> somente que a competência é absoluta,<br />

como acertadamente sugeri<strong>do</strong> por Cândi<strong>do</strong> Rangel Dinamarco:<br />

“A Lei <strong>de</strong> Ação Civil Pública, empregan<strong>do</strong> linguagem ina<strong>de</strong>quada, diz ser funcional a competência <strong>de</strong> foro ali estabelecida (art. 2.º).<br />

Enten<strong>de</strong>-se que quis com isso dar por absoluta essa competência, porque a realização <strong>do</strong> processo no foro on<strong>de</strong> se localiza o dano é<br />

<strong>do</strong> interesse público e não <strong>de</strong> indivíduos i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong>s – afastan<strong>do</strong>-se consequentemente a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> eleição <strong>de</strong> outro foro e<br />

mesmo a prorrogação da competência territorial por força <strong>de</strong> omissão em opor exceção <strong>de</strong>clinatória”73.<br />

Há na <strong>do</strong>utrina uma consi<strong>de</strong>rável quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estudiosos <strong>do</strong> processo coletivo que já tiveram oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> externar certa<br />

perplexida<strong>de</strong> pela reunião expressa <strong>de</strong> <strong>do</strong>is critérios <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> competência: territorial e funcional (pelo menos é isso que<br />

a lei afirma),74 não obstante to<strong>do</strong>s prestigiem a indicação legal sob o argumento <strong>de</strong> que no local <strong>do</strong> dano haverá possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>

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