#Manual de Direito do Consumidor (2017) - Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpsção Neves
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
alternativida<strong>de</strong>. A própria conjunção alternativa empregada pelo legisla<strong>do</strong>r no texto está a apontar nesse senti<strong>do</strong>”202.<br />
Apesar <strong>de</strong>ssa pacificação mencionada pelo jurista carioca, continuo a ter dificulda<strong>de</strong> em aceitar a alternativida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s requisitos<br />
exigi<strong>do</strong>s para a inversão judicial <strong>do</strong> ônus da prova, ainda que reconheça que a opção <strong>do</strong> legisla<strong>do</strong>r tenha si<strong>do</strong> realmente nesse<br />
senti<strong>do</strong>. Reconheço ser essa corrente manifestamente minoritária 203 , mas ainda assim me arrisco a <strong>de</strong>fendê-la.<br />
Na realida<strong>de</strong>, custo a crer que uma alegação absolutamente inverossímil, ainda que presente a hipossuficiência <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r,<br />
seja apta por si só à inversão <strong>do</strong> ônus da prova, sob pena <strong>de</strong> termos <strong>de</strong> admitir a presunção <strong>de</strong> veracida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fatos absurdamente<br />
inverossímeis. Alguma plausibilida<strong>de</strong> a alegação <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r <strong>de</strong>ve conter, até mesmo porque a eventual falha probatória <strong>do</strong><br />
fornece<strong>do</strong>r não <strong>de</strong>ve ser suficiente para exigir <strong>do</strong> juiz a admissão <strong>de</strong> fatos que muito dificilmente ocorreram.<br />
Imagine-se que um consumi<strong>do</strong>r alegue que, realizan<strong>do</strong> compras num shopping center da cida<strong>de</strong>, foi abduzi<strong>do</strong> por<br />
extraterrestres, que com ele fizeram experiências terríveis, o que lhe teria gera<strong>do</strong> graves danos <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m moral e material. A<br />
alegação, naturalmente, é inverossímil, mas claramente haverá uma hipossuficiência <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, que terá extrema dificulda<strong>de</strong><br />
em provar o que alega. O fornece<strong>do</strong>r po<strong>de</strong>ria até provar que nada daquilo ocorreu porque o autor da ação nunca esteve nas<br />
<strong>de</strong>pendências <strong>do</strong> shopping center, por meio da exibição <strong>do</strong>s ví<strong>de</strong>os capta<strong>do</strong>s pelas câmaras <strong>de</strong> segurança. Uma prova trabalhosa,<br />
mas não impossível, já que o autor teria menciona<strong>do</strong> o dia em que teria si<strong>do</strong> abduzi<strong>do</strong>.<br />
Na esdrúxula situação <strong>de</strong>scrita, imagine-se que, por alguma falha processual, ou mesmo <strong>do</strong> sistema <strong>de</strong> segurança <strong>do</strong> shopping<br />
center no dia narra<strong>do</strong> pelo autor, o fornece<strong>do</strong>r não consiga provar que naquele exato dia nenhum <strong>do</strong>s fatos po<strong>de</strong>ria materialmente<br />
ter ocorri<strong>do</strong>, porque o consumi<strong>do</strong>r não estava em suas <strong>de</strong>pendências na data narrada, ou, ainda, que lá esteve, mas foi filma<strong>do</strong><br />
durante to<strong>do</strong> o tempo <strong>de</strong> sua presença.<br />
A situação é teratológica propositalmente, somente para <strong>de</strong>monstrar o absur<strong>do</strong> que po<strong>de</strong> ser gera<strong>do</strong> pela visão simplista<br />
<strong>de</strong>rivada da interpretação literal <strong>do</strong> art. 6.º, VIII, <strong>do</strong> CDC, no tocante aos requisitos exigi<strong>do</strong>s para a inversão judicial <strong>do</strong> ônus da<br />
prova em favor <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r. A preocupação não é nova, sen<strong>do</strong> encontrada em lições <strong>de</strong> <strong>do</strong>utrina<strong>do</strong>res afligi<strong>do</strong>s com o exagero<br />
que uma visão protetiva <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r po<strong>de</strong> gerar no caso concreto204.<br />
Mesmo a <strong>do</strong>utrina que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a alternativida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s requisitos previstos no art. 6.º, VIII, <strong>do</strong> CDC, <strong>de</strong>monstra tal preocupação:<br />
“No caso da verossimilhança, não há dúvida quanto à dispensabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualquer outro requisito. O mesmo já não ocorre,<br />
entretanto, com a hipossuficiência. Em nosso enten<strong>de</strong>r, não bastará que alguém alegue a ocorrência <strong>de</strong> um fato inverossímil, sem<br />
nenhuma probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser verda<strong>de</strong>iro, e mesmo assim tenha o ônus da prova inverti<strong>do</strong> em seu favor por ser hipossuficiente” 205 .<br />
Com o advento <strong>do</strong> art. 373, § 1.º <strong>do</strong> Novo CPC, que permite a distribuição dinâmica <strong>do</strong> ônus da prova como regra geral, po<strong>de</strong>se<br />
questionar se o art. 6.º, VIII, <strong>do</strong> CDC, continua a ter alguma utilida<strong>de</strong> prática.<br />
Nas relações consumeristas, entretanto, é preciso lembrar que existem <strong>do</strong>is requisitos para a inversão <strong>do</strong> ônus da prova que,<br />
segun<strong>do</strong> a <strong>do</strong>utrina majoritária, são alternativos, bastan<strong>do</strong> a presença <strong>de</strong> um <strong>de</strong>les para que se legitime a inversão <strong>do</strong> ônus<br />
probatório 206 . Dessa forma, ainda que não presentes as condições <strong>de</strong> hipossuficiência técnica, que legitimariam a aplicação da<br />
distribuição dinâmica <strong>do</strong> ônus da prova ao caso concreto, mas sen<strong>do</strong> verossímeis as alegações <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, a inversão será<br />
justificável. O art. 6.º, VIII, <strong>do</strong> CDC, portanto, sobrevive, ainda que parcialmente, diante <strong>do</strong> Novo Código <strong>de</strong> Processo Civil.<br />
10.7.3.3.1.<br />
Requisitos para a inversão judicial<br />
10.7.3.3.1.1.<br />
Verossimilhança da alegação<br />
O primeiro requisito para a inversão <strong>do</strong> ônus da prova previsto no art. 6.º, VIII, <strong>do</strong> CDC, é a verossimilhança da alegação <strong>do</strong><br />
consumi<strong>do</strong>r, exigin<strong>do</strong>-se que suas alegações <strong>de</strong> fato sejam aparentemente verda<strong>de</strong>iras, toman<strong>do</strong>-se por base para essa análise as<br />
máximas <strong>de</strong> experiência, ou seja, aquilo que costuma ocorrer em situações similares à narrada na <strong>de</strong>manda judicial. Conforme já<br />
tive a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r, a verossimilhança é uma aparência da verda<strong>de</strong> pela mera alegação <strong>de</strong> um fato que costuma<br />
ordinariamente ocorrer, não se exigin<strong>do</strong> para sua constituição qualquer espécie <strong>de</strong> prova207, <strong>de</strong> forma que a prova final será<br />
exigida somente para o convencimento <strong>do</strong> juiz para a prolação <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>cisão, nunca para permitir a inversão judicial <strong>do</strong> ônus <strong>de</strong><br />
provar.<br />
Registre-se corrente <strong>do</strong>utrinária contrária ao afirma<strong>do</strong>, que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> ser a verossimilhança fruto <strong>de</strong> um “juízo <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong><br />
extraída <strong>de</strong> material probatório <strong>de</strong> feitio indiciário, <strong>do</strong> qual se consegue formar a opinião <strong>de</strong> ser provavelmente verda<strong>de</strong>ira a versão<br />
<strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r” 208 .<br />
Para Kazuo Watanabe, “na verda<strong>de</strong> não há uma verda<strong>de</strong>ira inversão <strong>do</strong> ônus da prova. O que ocorre, como bem observa Leo<br />
Rosenberg, é que o magistra<strong>do</strong>, com a ajuda das máximas <strong>de</strong> experiência e das regras <strong>de</strong> vida, consi<strong>de</strong>ra produzida a prova que