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#Manual de Direito do Consumidor (2017) - Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpsção Neves

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consequência, apesar <strong>de</strong> resolver o conflito jurídico, fica longe da pacificação social.<br />

Deve-se consi<strong>de</strong>rar que o fornece<strong>do</strong>r não só tem o po<strong>de</strong>r econômico em seu favor, como, sen<strong>do</strong> um litigante contumaz, po<strong>de</strong><br />

aguentar a absurda <strong>de</strong>mora <strong>de</strong> um processo judicial. O consumi<strong>do</strong>r, por sua vez, é um litigante eventual, não estan<strong>do</strong> acostuma<strong>do</strong><br />

com as incertezas e <strong>de</strong>moras <strong>do</strong> processo. Além disso, invariavelmente, não tem condição econômica para suportar anos e anos à<br />

espera <strong>do</strong> reconhecimento e satisfação <strong>de</strong> seu direito em juízo. Não se discute que o aspecto econômico e a <strong>de</strong>mora no processo são<br />

integrantes <strong>de</strong> qualquer transação, entre quaisquer sujeitos, em qualquer lugar <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Sujeitos em posição econômica<br />

assemelhada e que saibam que a solução judicial será fornecida em pouco tempo têm menor disposição para transacionar, mas<br />

ainda assim po<strong>de</strong>m preferir a transação. No Brasil, entretanto, as diferenças econômicas entre fornece<strong>do</strong>res e consumi<strong>do</strong>res é tão<br />

significativa e o processo <strong>de</strong>mora tanto para chegar a um <strong>de</strong>sfecho que, muitas vezes, o consumi<strong>do</strong>r é impeli<strong>do</strong> a fazer uma<br />

transação que não lhe agrada completamente, firme no princípio <strong>de</strong> que “é melhor um acor<strong>do</strong> ruim <strong>do</strong> que um processo bom”.<br />

Quero <strong>de</strong>ixar claro que não sou contra a transação como forma <strong>de</strong> solução <strong>de</strong> conflitos nas relações consumeristas, mas que<br />

não me <strong>de</strong>ixo levar pela onda <strong>de</strong> entusiasmo <strong>de</strong>senfrea<strong>do</strong> pelas alegadas qualida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ssa forma <strong>de</strong> resolução. Certamente, é uma<br />

visão romântica, até mesmo ingênua, mas prefiro enten<strong>de</strong>r que, se o processo funcionasse <strong>de</strong> maneira mais a<strong>de</strong>quada, e os<br />

consumi<strong>do</strong>res não se encontrassem em situação <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> financeira – quan<strong>do</strong> não <strong>de</strong> penúria –, as transações po<strong>de</strong>riam ser<br />

mais justas, obten<strong>do</strong>-se <strong>de</strong>ssa maneira a tão <strong>de</strong>sejada pacificação social.<br />

Não existe qualquer vedação à solução <strong>do</strong> conflito consumerista por meio da autocomposição, que, em regra, se dá por meio<br />

<strong>de</strong> transação. Ainda que se reconheça a natureza <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pública e interesse social das normas previstas pelo Código <strong>de</strong> Defesa<br />

<strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r, nos termos <strong>do</strong> art. 1.º da Lei 8.078/1990, não parece haver resistência <strong>do</strong>utrinária séria a respeito da<br />

disponibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r individualmente consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>. Dessa forma, qualquer solução <strong>de</strong> conflito que <strong>de</strong>penda da<br />

vonta<strong>de</strong> <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r é legítima.<br />

10.2.3.3.<br />

Mediação<br />

A mediação é forma alternativa <strong>de</strong> solução <strong>de</strong> conflitos fundada no exercício da vonta<strong>de</strong> das partes, o que é o suficiente para<br />

ser consi<strong>de</strong>rada espécie <strong>de</strong> forma consensual <strong>do</strong> conflito, mas não <strong>de</strong>ve ser confundida com a autocomposição. Há ao menos três<br />

razões que indicam aconselhável distinguir essas duas espécies <strong>de</strong> solução consensual <strong>do</strong>s conflitos.<br />

Como primeira e principal diferença, tem-se a inexistência <strong>de</strong> sacrifício total ou parcial <strong>do</strong>s interesses das partes envolvidas na<br />

crise jurídica. É nesse senti<strong>do</strong> a previsão <strong>de</strong> solução com “benefícios mútuos” presente no § 3.º <strong>do</strong> art. 165 <strong>do</strong> Novo CPC. Para que<br />

seja possível uma solução consensual sem sacrifício <strong>de</strong> interesses, diferente <strong>do</strong> que ocorre na conciliação, a mediação não é<br />

centrada no conflito em si, mas sim em suas causas.<br />

A mera perspectiva <strong>de</strong> uma solução <strong>de</strong> conflitos sem qualquer <strong>de</strong>cisão impositiva e que preserve plenamente o interesse <strong>de</strong><br />

ambas as partes envolvidas no conflito torna a mediação ainda mais interessante que a autocomposição em termos <strong>de</strong> geração <strong>de</strong><br />

pacificação social.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, diferente <strong>do</strong> concilia<strong>do</strong>r, o media<strong>do</strong>r não propõe soluções <strong>do</strong> conflito às partes, mas as conduz a <strong>de</strong>scobrirem<br />

as suas causas, <strong>de</strong> forma a possibilitar sua remoção e assim chegar à solução <strong>do</strong> conflito. Portanto, as partes envolvidas chegam por<br />

si sós à solução consensual, ten<strong>do</strong> o media<strong>do</strong>r apenas a tarefa <strong>de</strong> induzi-las a tal ponto <strong>de</strong> chegada9. O sentimento <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong><br />

que certamente será senti<strong>do</strong> pelas partes também é aspecto que torna a mediação uma forma alternativa <strong>de</strong> solução <strong>de</strong> conflitos<br />

bastante atraente.<br />

A última diferença entre a mediação e a conciliação (autocomposição) está consagrada nos §§ 2.º e 3.º <strong>do</strong> art. 165 <strong>do</strong> Novo<br />

CPC e versa sobre as espécies <strong>de</strong> litígios mais a<strong>de</strong>quadas para a atuação <strong>do</strong> concilia<strong>do</strong>r e <strong>do</strong> media<strong>do</strong>r.<br />

O concilia<strong>do</strong>r <strong>de</strong>ve atuar preferencialmente nos casos em que não tiver havi<strong>do</strong> vínculo anterior entre as partes. Significa dizer<br />

que a conciliação é mais a<strong>de</strong>quada para conflitos <strong>de</strong> interesses que não envolvam relação continuada entre as partes envolvidas,<br />

que passaram a manter um vínculo justamente em razão da li<strong>de</strong> instaurada, como ocorre numa colisão <strong>de</strong> veículos. Ou ainda para<br />

aquelas partes que têm um vínculo anterior pontual, ten<strong>do</strong> a li<strong>de</strong> surgi<strong>do</strong> justamente <strong>de</strong>sse vínculo, como ocorre em um contrato<br />

celebra<strong>do</strong> para a compra <strong>de</strong> um produto ou para a prestação <strong>de</strong> um serviço.<br />

Já o media<strong>do</strong>r <strong>de</strong>ve atuar preferencialmente nos casos em que tiver havi<strong>do</strong> vínculo anterior entre as partes. São casos em que<br />

as partes já mantinham alguma espécie <strong>de</strong> vínculo continua<strong>do</strong> antes <strong>do</strong> surgimento da li<strong>de</strong>, o que caracteriza uma relação<br />

continuada e não apenas instantânea entre elas, como ocorre no direito <strong>de</strong> família, <strong>de</strong> vizinhança e societário.<br />

Embora seja possível a solução <strong>de</strong> conflito consumerista pela autocomposição e pela mediação, a forma preferível, ainda que<br />

nem sempre possível, é a mediação, porque nesse caso será possível a solução <strong>do</strong> conflito sem o sacrifício <strong>do</strong> interesse <strong>do</strong><br />

consumi<strong>do</strong>r, o que, por si só, gera uma maior probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resolver a chamada “li<strong>de</strong> sociológica”.

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