27.04.2017 Views

#Manual de Direito do Consumidor (2017) - Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpsção Neves

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

A jurisdição po<strong>de</strong> ser entendida como a atuação estatal visan<strong>do</strong> à aplicação <strong>do</strong> direito objetivo ao caso concreto, resolven<strong>do</strong>-se<br />

com <strong>de</strong>finitivida<strong>de</strong> uma situação <strong>de</strong> crise jurídica e geran<strong>do</strong> com tal solução a pacificação social. Note-se que neste conceito não<br />

consta o tradicional entendimento <strong>de</strong> que a jurisdição se presta a resolver um conflito <strong>de</strong> interesses entre as partes, substituin<strong>do</strong><br />

suas vonta<strong>de</strong>s pela vonta<strong>de</strong> da lei. Primeiro, porque nem sempre haverá conflito <strong>de</strong> interesses a ser resolvi<strong>do</strong>, e segun<strong>do</strong>, porque<br />

nem sempre a ativida<strong>de</strong> jurisdicional substituirá a vonta<strong>de</strong> das partes, conforme será <strong>de</strong>vidamente analisa<strong>do</strong> em momento<br />

oportuno.<br />

Há <strong>do</strong>utrina que prefere analisar a jurisdição sob três aspectos distintos: po<strong>de</strong>r, função e ativida<strong>de</strong>4. O po<strong>de</strong>r jurisdicional é o<br />

que permite o exercício da função jurisdicional, que se materializa no caso concreto por meio da ativida<strong>de</strong> jurisdicional. Essa<br />

intersecção é natural e explicável por tratar-se <strong>de</strong> um mesmo fenômeno processual, mas, ainda assim, é interessante a análise<br />

conforme sugeri<strong>do</strong>, porque com isso tem-se uma apuração terminológica sempre bem-vinda. É importante não confundir as<br />

expressões “po<strong>de</strong>r jurisdicional”, “função jurisdicional” e “ativida<strong>de</strong> jurisdicional”.<br />

Entendida como po<strong>de</strong>r, a jurisdição representa o po<strong>de</strong>r estatal <strong>de</strong> interferir na esfera jurídica <strong>do</strong>s jurisdiciona<strong>do</strong>s, aplican<strong>do</strong> o<br />

direito objetivo ao caso concreto e resolven<strong>do</strong> a crise jurídica que os envolve. Há tempos se compreen<strong>de</strong> que o po<strong>de</strong>r jurisdicional<br />

não se limita a dizer o direito (juris-dicção), mas também <strong>de</strong> impor o direito (juris-satisfação). Realmente, <strong>de</strong> nada adiantaria a<br />

jurisdição dizer o direito, mas não reunir condições para fazer valer esse direito concretamente. Note-se que a jurisdição como<br />

po<strong>de</strong>r é algo que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> essencialmente <strong>de</strong> um Esta<strong>do</strong> organiza<strong>do</strong> e forte o suficiente para interferir concretamente na esfera<br />

jurídica <strong>de</strong> seus cidadãos.<br />

Tradicionalmente, a jurisdição (juris-dicção) era entendida como a atuação da vonta<strong>de</strong> concreta <strong>do</strong> direito objetivo<br />

(Chiovenda), sen<strong>do</strong> que a <strong>do</strong>utrina se dividia entre aqueles que entendiam que essa atuação <strong>de</strong>rivava <strong>de</strong> a sentença fazer concreta a<br />

norma geral (Carnelutti) ou criar uma norma individual com base na regra geral (Kelsen). Contemporaneamente, notou-se que tais<br />

formas <strong>de</strong> enxergar a jurisdição estavam fundadas em um positivismo acrítico e no princípio da supremacia da lei, o que não mais<br />

atendia às exigências <strong>de</strong> justiça <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> atual. Dessa forma, autorizada <strong>do</strong>utrina passa a afirmar que a jurisdição <strong>de</strong>veria se<br />

ocupar da criação, no caso concreto, da norma jurídica, resulta<strong>do</strong> da aplicação da norma legal à luz <strong>do</strong>s direitos fundamentais e <strong>do</strong>s<br />

princípios constitucionais <strong>de</strong> justiça. Reconhece ainda essa nova visão da jurisdição que não adianta somente a edição da norma<br />

jurídica (juris-dicção), sen<strong>do</strong> necessário tutelar concretamente o direito material, o que se fará pela execução (juris-satisfação)5.<br />

Como função, a jurisdição é o encargo atribuí<strong>do</strong> pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral, em regra, ao Po<strong>de</strong>r Judiciário – função típica –, e,<br />

excepcionalmente, a outros Po<strong>de</strong>res – função atípica –, <strong>de</strong> exercer concretamente o po<strong>de</strong>r jurisdicional. A função jurisdicional não<br />

é privativa <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário, como se constata nos processos <strong>de</strong> impeachment <strong>do</strong> Presi<strong>de</strong>nte da República realiza<strong>do</strong>s pelo Po<strong>de</strong>r<br />

Legislativo (arts. 49, IX, e 52, I, da CF), ou nas sindicâncias e processos administrativos conduzi<strong>do</strong>s pelo Po<strong>de</strong>r Executivo (art. 41,<br />

§ 1.º, II, da CF), ainda que nesses casos não haja <strong>de</strong>finitivida<strong>de</strong>. Também o Po<strong>de</strong>r Judiciário não se limita ao exercício da função<br />

jurisdicional, exercen<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma atípica – e bem por isso excepcional – função administrativa (p. ex., organização <strong>de</strong> concursos<br />

públicos) e legislativa (p. ex., elaboração <strong>de</strong> Regimentos Internos <strong>de</strong> tribunais) 6 .<br />

Como ativida<strong>de</strong>, a jurisdição é o complexo <strong>de</strong> atos pratica<strong>do</strong>s pelo agente estatal investi<strong>do</strong> <strong>de</strong> jurisdição no processo. A função<br />

jurisdicional se concretiza por meio <strong>do</strong> processo, forma que a lei criou para que tal exercício se fizesse possível. Na condução <strong>do</strong><br />

processo, o Esta<strong>do</strong>, ser inanima<strong>do</strong> que é, investe <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s sujeitos <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r jurisdicional para que possa, por meio da prática<br />

<strong>de</strong> atos processuais, exercer concretamente tal po<strong>de</strong>r. Esses sujeitos são os juízes <strong>de</strong> direito, que, por representarem o Esta<strong>do</strong> no<br />

processo, são chama<strong>do</strong>s <strong>de</strong> “Esta<strong>do</strong>-juiz”.<br />

Como se verifica em praticamente todas as espécies <strong>de</strong> conflitos <strong>de</strong> interesses, aqueles que envolvem o consumi<strong>do</strong>r e o<br />

fornece<strong>do</strong>r são em sua maioria resolvi<strong>do</strong>s por meio da jurisdição. A cultura <strong>do</strong> processo (litigiosida<strong>de</strong>) existente entre os<br />

opera<strong>do</strong>res <strong>do</strong> <strong>Direito</strong>, bem como na população em geral, leva à maioria das crises jurídicas consumeristas ao Po<strong>de</strong>r Judiciário, na<br />

busca <strong>de</strong> uma solução impositiva <strong>do</strong> juiz que resolva o conflito <strong>de</strong> interesses. O aspecto positivo para o consumi<strong>do</strong>r é que em sua<br />

tutela serão cabíveis quaisquer espécies <strong>de</strong> ação judicial, nos termos <strong>do</strong> art. 83 <strong>do</strong> CDC, bem como cabe ao juiz a facilitação da<br />

<strong>de</strong>fesa <strong>do</strong>s interesses <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r em juízo, nos termos <strong>do</strong> art. 6.º, VIII, <strong>do</strong> mesmo diploma legal.<br />

10.2.3.<br />

Equivalentes jurisdicionais<br />

O Esta<strong>do</strong> não tem, por meio da jurisdição, o monopólio da solução <strong>do</strong>s conflitos, sen<strong>do</strong> admitidas pelo <strong>Direito</strong> outras maneiras<br />

pelas quais as partes possam buscar uma solução <strong>do</strong> conflito em que estão envolvidas. São chamadas <strong>de</strong> equivalentes jurisdicionais<br />

ou <strong>de</strong> formas alternativas <strong>de</strong> solução <strong>do</strong>s conflitos. Há três espécies reconhecidas por nosso direito: autotutela, autocomposição,<br />

mediação e arbitragem.<br />

A valorização das formas alternativas <strong>de</strong> solução <strong>do</strong>s conflitos já é <strong>de</strong>monstrada no art. 3.º <strong>do</strong> Novo CPC. Nos termos <strong>do</strong> § 2.º,<br />

o Esta<strong>do</strong> promoverá, sempre que possível, a solução consensual <strong>do</strong>s conflitos, enquanto o § 3.º prevê que a conciliação, a

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!