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#Manual de Direito do Consumidor (2017) - Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpsção Neves

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exercício <strong>de</strong> um direito por parte <strong>do</strong> vulnerável negocial, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a sua conveniência. A premissa é admitida em numerosos<br />

julga<strong>do</strong>s, sen<strong>do</strong> <strong>de</strong>snecessário colacioná-los, diante <strong>de</strong> sua enorme quantida<strong>de</strong>. Por razões óbvias, a ação <strong>de</strong> revisão também não<br />

prescreve, por envolver a citada or<strong>de</strong>m pública.<br />

Consigne-se que, no sistema civil, <strong>do</strong>is dispositivos a<strong>do</strong>tam a mesma i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> preservação. O primeiro a ser evoca<strong>do</strong> é o art.<br />

170 <strong>do</strong> CC/2002, que admite a convalidação <strong>do</strong> negócio jurídico nulo, pela sua conversão indireta e substancial em outro negócio.<br />

Além <strong>de</strong>sse, o art. 184 da codificação consagra a redução <strong>do</strong> negócio jurídico, dispon<strong>do</strong> que a invalida<strong>de</strong> parcial <strong>de</strong> um negócio não<br />

o prejudica na parte válida, pois a parte inútil não po<strong>de</strong> viciar a parte útil <strong>do</strong> contrato (utile per inutile non vitiatur). To<strong>do</strong>s os<br />

preceitos, inclusive o <strong>do</strong> Código <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r, ao valorizarem a conservação <strong>do</strong> negócio jurídico, têm relação direta com o<br />

princípio da função social <strong>do</strong>s contratos em sua eficácia interna. Nesse senti<strong>do</strong>, repise-se o teor <strong>do</strong> Enuncia<strong>do</strong> n. 22 <strong>do</strong> CJF/STJ, da I<br />

Jornada <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Civil: “A função social <strong>do</strong> contrato, prevista no art. 421 <strong>do</strong> NCC, constitui cláusula geral, que reforça o<br />

princípio da conservação <strong>do</strong> contrato, asseguran<strong>do</strong> trocas úteis e justas”.<br />

No que concerne à propositura da <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong> da cláusula abusiva, não se olvi<strong>de</strong> a premissa fixada pelo art. 168,<br />

caput, <strong>do</strong> CC, segun<strong>do</strong> o qual as nulida<strong>de</strong>s absolutas po<strong>de</strong>m ser alegadas por qualquer interessa<strong>do</strong>, ou pelo Ministério Público,<br />

quan<strong>do</strong> lhe couber intervir. Em complemento, dispõe o art. 51, § 4º, <strong>do</strong> CDC que é faculta<strong>do</strong> a qualquer consumi<strong>do</strong>r ou a entida<strong>de</strong><br />

protetiva requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para <strong>de</strong>clarar a nulida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cláusula contratual que contrarie<br />

o disposto no CDC ou que, <strong>de</strong> qualquer forma, não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes. Resta claro,<br />

pela legitimida<strong>de</strong> reconhecida ao MP, que a matéria é <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pública, nos termos <strong>do</strong> sempre cita<strong>do</strong> art. 1º da Lei 8.078/1990.<br />

A encerrar o tópico, cumpre trazer à tona o polêmico tema relativo à revisão <strong>de</strong> ofício ou ex officio das cláusulas abusivas, o<br />

que constitui uma normal <strong>de</strong>corrência da nulida<strong>de</strong> absoluta. Como é notório, prescreve categoricamente o parágrafo único <strong>do</strong> art.<br />

168 <strong>do</strong> Código Civil que “As nulida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>vem ser pronunciadas pelo juiz, quan<strong>do</strong> conhecer <strong>do</strong> negócio jurídico ou <strong>do</strong>s seus efeitos<br />

e as encontrar provadas, não lhe sen<strong>do</strong> permiti<strong>do</strong> supri-las, ainda que a requerimento das partes”. O dispositivo transcrito confirma a<br />

premissa <strong>de</strong> que a nulida<strong>de</strong> absoluta é matéria <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pública também na esfera puramente civil.<br />

A polêmica a respeito da questão instaurou-se <strong>de</strong>finitivamente entre nós com a edição da infeliz Súmula 381 <strong>do</strong> Superior<br />

Tribunal <strong>de</strong> Justiça, publicada em 5 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2009, com a seguinte redação: “Nos contratos bancários, é veda<strong>do</strong> ao julga<strong>do</strong>r<br />

conhecer, <strong>de</strong> ofício, da abusivida<strong>de</strong> das cláusulas”. Ora, tal ementa representa uma séria afronta à proteção <strong>do</strong>s direitos <strong>do</strong>s<br />

consumi<strong>do</strong>res e aos preceitos gerais <strong>de</strong> <strong>Direito</strong>, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> ser imediatamente cancelada por aquele Tribunal Superior.<br />

A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cancelamento ou <strong>de</strong> sua revisão é aprofundada com a emergência <strong>do</strong> Novo Código <strong>de</strong> Processo Civil, que, em<br />

vários <strong>de</strong> seus coman<strong>do</strong>s, traz a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que os juízes <strong>de</strong> primeira e segunda instâncias <strong>de</strong>vem seguir as <strong>de</strong>cisões superiores,<br />

especialmente aquelas constantes em súmulas. Entre vários dispositivos, <strong>de</strong>staque-se o art. 489, § 1.º, VI, <strong>do</strong> CPC/2015, segun<strong>do</strong> o<br />

qual não se consi<strong>de</strong>ra fundamentada qualquer <strong>de</strong>cisão judicial, sob pena <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong>, que <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> seguir enuncia<strong>do</strong> <strong>de</strong> súmula,<br />

jurisprudência ou prece<strong>de</strong>nte invoca<strong>do</strong> pela parte, sem <strong>de</strong>monstrar a existência <strong>de</strong> distinção no caso em julgamento ou a superação<br />

<strong>do</strong> entendimento.<br />

Pois bem, como primeiro argumento <strong>de</strong> crítica e pelo cancelamento, constata-se que a súmula representa um contrassenso<br />

jurídico, ten<strong>do</strong> em vista o art. 1º <strong>do</strong> CDC e a comum aplicação da Lei 8.078/1990 aos contratos bancários, conforme reconheci<strong>do</strong><br />

pela Súmula 297 <strong>do</strong> próprio STJ. Repise-se que o art. 1º <strong>do</strong> CDC é expresso ao prever que a lei consumerista é norma <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<br />

pública e interesse social, nos termos da proteção que consta <strong>do</strong> Texto Maior. Como <strong>de</strong>corrência natural <strong>do</strong> preceito, <strong>de</strong>ve o juiz<br />

conhecer <strong>de</strong> ofício da proteção <strong>do</strong>s consumi<strong>do</strong>res, pela previsão constitucional <strong>de</strong> sua tutela (art. 5º, inc. XXXV, da CF/1988).<br />

Releve-se, por oportuno, que o próprio STJ já havia se pronuncia<strong>do</strong>, em momento anterior, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que “Questões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<br />

pública contempladas pelo Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> sua natureza, po<strong>de</strong>m e <strong>de</strong>vem ser conhecidas,<br />

<strong>de</strong> ofício, pelo julga<strong>do</strong>r. Por serem <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pública, transcen<strong>de</strong>m o interesse e se sobrepõem até à vonta<strong>de</strong> das partes” (STJ –<br />

AgRg no REsp 703.558/RS – Terceira Turma – Rel. Min. Castro Filho – j. 29.03.2005 – DJ 16.05.2005, p. 349). Percebe-se, em tal<br />

contexto, um retrocesso no entendimento anterior <strong>do</strong> próprio Tribunal Superior. A<strong>de</strong>mais, em outro julga<strong>do</strong> mais recente, o STJ<br />

a<strong>do</strong>tou entendimento contrário à sua própria Súmula 381:<br />

“Processual civil. Agravo regimental no recurso especial. Aplicação <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r, possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> revisão<br />

<strong>do</strong> contrato e <strong>de</strong>claração ex officio da nulida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cláusula nitidamente abusiva. Recurso a que se nega provimento. 1. O Código <strong>de</strong><br />

Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r é norma <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pública, que autoriza a revisão contratual e a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pleno direito <strong>de</strong><br />

cláusulas contratuais abusivas, o que po<strong>de</strong> ser feito até mesmo <strong>de</strong> ofício pelo Po<strong>de</strong>r Judiciário. Prece<strong>de</strong>nte (REsp 1.061.530/RS,<br />

afeta<strong>do</strong> à Segunda Seção). 2. Agravo regimental a que se nega provimento” (STJ – AgRg no REsp 334.991/RS – Quarta Turma –<br />

Rel. Min. Honil<strong>do</strong> Amaral <strong>de</strong> Mello Castro (Desembarga<strong>do</strong>r Convoca<strong>do</strong> <strong>do</strong> TJAP) – j. 10.11.2009 – DJe 23.11.2009).<br />

Como segun<strong>do</strong> aspecto, firme-se que o CC/2002, como norma geral privada, preconiza, no seu art. 168, parágrafo único, que as<br />

nulida<strong>de</strong>s absolutas <strong>de</strong>vem ser conhecidas <strong>de</strong> ofício pelo juiz. Trata-se <strong>de</strong> <strong>de</strong>corrência natural da antiga lição pela qual as matérias

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