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#Manual de Direito do Consumidor (2017) - Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpsção Neves

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<strong>de</strong>sequilíbrio ou a situação <strong>de</strong> injustiça ao consumi<strong>do</strong>r.<br />

O senti<strong>do</strong> da conservação contratual po<strong>de</strong> ser retira<strong>do</strong> <strong>do</strong> art. 51, § 2º, da Lei 8.078/1990, que estabelece a vedação <strong>de</strong><br />

nulida<strong>de</strong> automática <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o negócio, pela presença <strong>de</strong> uma cláusula abusiva. Enuncia tal coman<strong>do</strong> que “a nulida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma<br />

cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quan<strong>do</strong> <strong>de</strong> sua ausência, apesar <strong>do</strong>s esforços <strong>de</strong> integração, <strong>de</strong>correr um<br />

ônus excessivo a qualquer das partes”. Para a manutenção <strong>do</strong> negócio, <strong>de</strong>vem-se buscar formas <strong>de</strong> integração, <strong>de</strong>cretan<strong>do</strong>-se a<br />

nulida<strong>de</strong> da cláusula <strong>de</strong>sproporcional, mas manten<strong>do</strong>-se to<strong>do</strong> o resto <strong>do</strong> negócio jurídico. Trata-se <strong>de</strong> aplicação, na ótica<br />

consumerista, da antiga máxima segun<strong>do</strong> a qual a parte inútil <strong>do</strong> negócio não prejudica, em regra, a sua parte útil (utile per inutile<br />

non vitiatur).<br />

Encerran<strong>do</strong> o presente tópico, percebe-se que o Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r valoriza sobremaneira, naquilo que for<br />

possível, a vonta<strong>de</strong> anteriormente manifestada, visan<strong>do</strong> a sua manutenção diante <strong>de</strong> uma confiança <strong>de</strong>positada, o que liga o<br />

princípio da conservação contratual à boa-fé objetiva. Como o intuito é o aproveitamento <strong>do</strong> negócio jurídico, diante da sua<br />

importância para a socieda<strong>de</strong>, a conservação também possui um traço que a relaciona com o princípio da função social <strong>do</strong>s<br />

contratos, o que parece ser a melhor opção principiológica.<br />

2.8.<br />

PRINCÍPIO DA EQUIVALÊNCIA NEGOCIAL (ART. 6º, INC. II, DA LEI 8.078/1990)<br />

Pelo princípio da equivalência negocial, é garantida a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> condições no momento da contratação ou <strong>de</strong><br />

aperfeiçoamento da relação jurídica patrimonial. De acor<strong>do</strong> com a norma <strong>do</strong> inciso II, art. 6º, <strong>do</strong> CDC, fica estabeleci<strong>do</strong> o<br />

compromisso <strong>de</strong> tratamento igual a to<strong>do</strong>s os consumi<strong>do</strong>res, consagrada a igualda<strong>de</strong> nas contratações. A respeito <strong>de</strong>ssa<br />

equivalência, mais uma vez são oportunas as lições <strong>de</strong> Claudia Lima Marques, Antônio Herman V. Benjamin e Bruno Miragem:<br />

“Com o advento <strong>do</strong> CDC, o contrato passa a ter seu equilíbrio, conteú<strong>do</strong> ou equida<strong>de</strong> mais controla<strong>do</strong>s, valorizan<strong>do</strong>-se o seu<br />

sinalagma. Segun<strong>do</strong> Gernhuber, sinalagma é um elemento imanente estrutural <strong>do</strong>s contratos, é a <strong>de</strong>pendência genética, condicionada<br />

e funcional <strong>de</strong> pelo menos duas prestações correspectivas, é o nexo final que, oriun<strong>do</strong> da vonta<strong>de</strong> das partes, é molda<strong>do</strong> pela lei<br />

(Gernhuber, p. 52). Sinalagma não significa apenas bilateralida<strong>de</strong>, como muitos acreditam, influencia<strong>do</strong>s pelo art. 1.102 <strong>do</strong> Co<strong>de</strong><br />

Civil francês, mas sim contrato, convenção, é um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> organização (Organisationmo<strong>de</strong>ll) das relações privadas<br />

(etimologicamente, a palavra grega significa contrato ou convenção e só no direito romano, e em sua interpretação na Ida<strong>de</strong> Média,<br />

passou a ser consi<strong>de</strong>rada sinônimo <strong>de</strong> bilateralida<strong>de</strong> perfeita nos contratos). O papel prepon<strong>de</strong>rante da lei sobre a vonta<strong>de</strong> das partes,<br />

a impor uma maior boa-fé nas relações <strong>de</strong> merca<strong>do</strong>, conduz o or<strong>de</strong>namento jurídico a controlar mais efetivamente este sinalagma e,<br />

por consequência, o equilíbrio contratual”.40<br />

A par <strong>de</strong>ssa tentativa <strong>de</strong> concretizar a igualda<strong>de</strong>, fundamentada na isonomia constitucional, no máximo, o que se po<strong>de</strong> aceitar<br />

são privilégios aos consumi<strong>do</strong>res que necessitem <strong>de</strong> proteção especial, ti<strong>do</strong>s como hipervulneráveis, caso <strong>de</strong> i<strong>do</strong>sos, porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>ficiências, crianças e a<strong>do</strong>lescentes, que merecem proteção por duplo ou triplo motivo. 41<br />

No contexto <strong>de</strong> equivalência, o Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r veda que os <strong>de</strong>stinatários finais sejam expostos a práticas<br />

<strong>de</strong>sproporcionais, o que po<strong>de</strong> ser senti<strong>do</strong> pela inteligência <strong>do</strong>s arts. 39 e 51, que afastam, respectivamente, <strong>de</strong>terminadas cláusulas<br />

e práticas abusivas, gera<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong> absoluta e <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> civil, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>do</strong> caso concreto.<br />

Além disso, o art. 8º da Lei Consumerista estabelece a vedação <strong>de</strong> produtos e serviços que acarretem riscos à saú<strong>de</strong> <strong>do</strong>s<br />

consumi<strong>do</strong>res, sem exceção, o que também vai ao encontro à tentativa <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> tratamento. Em tais situações, no caso <strong>de</strong><br />

danos, to<strong>do</strong>s terão direito à reparação integral, patrimonial, moral e estética, aplican<strong>do</strong>-se a teoria própria <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> civil,<br />

prevista pela Lei 8.078/1990.<br />

A<strong>de</strong>mais, pelo princípio da equivalência negocial, assegura-se ao consumi<strong>do</strong>r o direito <strong>de</strong> conhecer o produto ou o serviço que<br />

está adquirin<strong>do</strong>, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> plena liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolha e <strong>do</strong> <strong>de</strong>ver anexo <strong>de</strong> informar. É oportuno, nesse senti<strong>do</strong>, citar<br />

o Decreto 4.680, <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2003, que regulamenta o direito à informação, preven<strong>do</strong> o seu art. 1º o <strong>de</strong>ver <strong>do</strong>s fornece<strong>do</strong>res <strong>de</strong><br />

informar quanto aos “alimentos e ingredientes alimentares <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>s ao consumo humano ou animal, que contenham ou sejam<br />

produzi<strong>do</strong>s a partir <strong>de</strong> organismos geneticamente modifica<strong>do</strong>s, sem prejuízo <strong>do</strong> cumprimento das <strong>de</strong>mais normas aplicáveis”. De<br />

acor<strong>do</strong> com essa estrutura proporcional, a lei proíbe qualquer tipo <strong>de</strong> discriminação no momento <strong>de</strong> contratar, sob o pretexto<br />

constitucional <strong>de</strong> que to<strong>do</strong>s são iguais perante a lei, existin<strong>do</strong> também o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> o presta<strong>do</strong>r ou fornece<strong>do</strong>r informar to<strong>do</strong>s sobre<br />

os riscos inerentes à prestação ou ao fornecimento.<br />

Essa é a lógica e o senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> que consta no art. 9º da Lei 8.078/1990, ao consagrar o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> informar quanto aos produtos e<br />

serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saú<strong>de</strong> e segurança. Esse coman<strong>do</strong> legal mantém relação íntima com a segunda<br />

geração <strong>de</strong> direitos, relacionada com o princípio da igualda<strong>de</strong> lato sensu, ou isonomia, previsto no art. 5º, caput, da CF/1988. Na<br />

prática, tem-se exigi<strong>do</strong> o respeito a esse <strong>de</strong>ver por parte <strong>do</strong>s fornece<strong>do</strong>res e presta<strong>do</strong>res, chegan<strong>do</strong>-se a impor graves

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