27.04.2017 Views

#Manual de Direito do Consumidor (2017) - Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpsção Neves

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE<br />

JURÍDICA NO CÓDIGO DE DEFESA DO<br />

CONSUMIDOR (ART. 28 DA LEI 8.078/1990).<br />

ASPECTOS MATERIAIS<br />

Diante <strong>de</strong> sua concepção como realida<strong>de</strong> técnica e orgânica, a pessoa jurídica é capaz <strong>de</strong> direitos e <strong>de</strong>veres na or<strong>de</strong>m civil,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>do</strong>s membros que a compõem, com os quais não tem vínculo. Tal realida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser retirada <strong>do</strong> art. 45 <strong>do</strong><br />

Código Civil <strong>de</strong> 2002, ao dispor que começa a existência legal das pessoas jurídicas <strong>de</strong> direito priva<strong>do</strong> com a inscrição <strong>do</strong> ato<br />

constitutivo no respectivo registro. Fala-se em autonomia da pessoa jurídica quanto aos seus membros, o que constava<br />

expressamente no art. 20 <strong>do</strong> Código Civil <strong>de</strong> 1916, dispositivo que não foi reproduzi<strong>do</strong> pela atual codificação material, sem que<br />

isso traga qualquer conclusão diferente.<br />

Como <strong>de</strong>corrência lógica <strong>de</strong>sse enquadramento, em regra, os componentes da pessoa jurídica somente respon<strong>de</strong>rão por débitos<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s limites <strong>do</strong> capital social, fican<strong>do</strong> a salvo o patrimônio individual <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>do</strong> tipo societário a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong><br />

(responsabilida<strong>de</strong> in vires). A regra é <strong>de</strong> que a responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s sócios em relação às dívidas sociais seja sempre subsidiária, ou<br />

seja, primeiro exaure-se o patrimônio da pessoa jurídica, para <strong>de</strong>pois, e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o tipo societário a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> permita, os bens<br />

particulares <strong>do</strong>s sócios ou componentes da pessoa jurídica sejam executa<strong>do</strong>s.<br />

Devi<strong>do</strong> a essa possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exclusão da responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s sócios ou administra<strong>do</strong>res, a pessoa jurídica, por vezes,<br />

<strong>de</strong>sviou-se <strong>de</strong> seus princípios e fins, cometen<strong>do</strong> frau<strong>de</strong>s e lesan<strong>do</strong> socieda<strong>de</strong> ou terceiros, provocan<strong>do</strong> reações na <strong>do</strong>utrina e na<br />

jurisprudência. Visan<strong>do</strong> a coibir tais abusos, surgiu no <strong>Direito</strong> Compara<strong>do</strong> a figura da teoria da <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração da personalida<strong>de</strong><br />

jurídica, teoria <strong>do</strong> levantamento <strong>do</strong> véu ou teoria da penetração (disregard of the legal entity). Com isso, alcançam-se pessoas e<br />

bens que se escon<strong>de</strong>m <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma pessoa jurídica para fins ilícitos ou abuso, além <strong>do</strong>s limites <strong>do</strong> capital social (responsabilida<strong>de</strong><br />

ultra vires). Fábio Ulhoa Coelho <strong>de</strong>monstra as origens da teoria:<br />

“A teoria é uma elaboração <strong>do</strong>utrinária recente. Po<strong>de</strong>-se consi<strong>de</strong>rar Rolf Serick o seu principal sistematiza<strong>do</strong>r, na tese <strong>de</strong> <strong>do</strong>utora<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>fendida perante a Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Tübigen, em 1953. É certo que, antes <strong>de</strong>le, alguns autores já haviam <strong>de</strong>dica<strong>do</strong> ao tema, como<br />

por exemplo, Maurice Wormser, nos danos 1910 e 1920. Mas não se encontra claramente nos estu<strong>do</strong>s precursores a motivação<br />

centra <strong>de</strong> Serick <strong>de</strong> buscar <strong>de</strong>finir, em especial a partir da jurisprudência norte-americana, os critérios gerais que autorizam o<br />

afastamento da autonomia das pessoas jurídicas (1950)”.1<br />

Como se extrai <strong>de</strong> obra <strong>do</strong> jurista, são aponta<strong>do</strong>s alguns julgamentos históricos como precursores da tese: caso Salomon vs.<br />

Salomon & Co., julga<strong>do</strong> na Inglaterra em 1897, e caso State vs. Standard Oil Co., julga<strong>do</strong> pela Corte Suprema <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Ohio,<br />

Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, em 1892. 2 A verda<strong>de</strong> é que a partir das teses e <strong>do</strong>s julgamentos, as premissas <strong>de</strong> penetração na pessoa jurídica<br />

passaram a influenciar a elaboração <strong>de</strong> normas jurídicas visan<strong>do</strong> a sua regulamentação. Trata-se <strong>de</strong> mais uma festejada incidência<br />

da teoria da aparência e da vedação <strong>do</strong> abuso <strong>de</strong> direito, agora em se<strong>de</strong> <strong>do</strong> <strong>Direito</strong> <strong>de</strong> Empresa, ramo <strong>do</strong> <strong>Direito</strong> Priva<strong>do</strong>.<br />

O instituto em análise permite ao juiz não mais consi<strong>de</strong>rar os efeitos da personificação da socieda<strong>de</strong> para atingir e vincular<br />

responsabilida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s sócios e administra<strong>do</strong>res, com intuito <strong>de</strong> impedir a consumação <strong>de</strong> frau<strong>de</strong>s e abusos por eles cometi<strong>do</strong>s,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que causem prejuízos e danos a terceiros, principalmente a cre<strong>do</strong>res da empresa. Dessa forma, os bens particulares <strong>do</strong>s sócios

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!