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#Manual de Direito do Consumidor (2017) - Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpsção Neves

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homogeneida<strong>de</strong>, portanto, seria o segun<strong>do</strong> elemento <strong>de</strong>ssa espécie <strong>de</strong> direito.<br />

Com amparo <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> já existente nas class actions <strong>do</strong> direito norte-americano (regra 23 das Fe<strong>de</strong>ral Rules <strong>de</strong> 1966),<br />

corrente <strong>do</strong>utrinária enten<strong>de</strong> que a homogeneida<strong>de</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá da prevalência da dimensão objetiva sobre a individual. Significa<br />

que, haven<strong>do</strong> tal prevalência, os direitos, além <strong>de</strong> terem origem comum, serão homogêneos e po<strong>de</strong>rão ser tutela<strong>do</strong>s pelo<br />

microssistema coletivo. Por outro la<strong>do</strong>, se, apesar <strong>de</strong> terem uma origem comum, a dimensão individual se sobrepor à coletiva, os<br />

direitos serão heterogêneos e não po<strong>de</strong>rão ser trata<strong>do</strong>s à luz da tutela coletiva.<br />

Nas ações cujo objeto seja o direito individual homogêneo, busca-se uma sentença con<strong>de</strong>natória genérica, que possa aproveitar<br />

a to<strong>do</strong>s os titulares <strong>do</strong> direito, sen<strong>do</strong> que caberá a cada um <strong>de</strong>les ingressar com uma liquidação <strong>de</strong> sentença individual para se<br />

comprovar o nexo <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong> e o dano individualmente suporta<strong>do</strong> pelo liquidante. Para Ada Pellegrini Grinover, a prevalência<br />

das questões coletivas sobre as individuais se mostrará sempre que não houver maior dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> o indivíduo provar o nexo <strong>de</strong><br />

causalida<strong>de</strong> e quantificar seu dano:<br />

“Ora, a prova <strong>do</strong> nexo causal po<strong>de</strong> ser tão complexa, no caso concreto, a ponto <strong>de</strong> tornar praticamente ineficaz a sentença<br />

con<strong>de</strong>natória genérica <strong>do</strong> art. 95, a qual só reconhece a existência <strong>de</strong> dano geral. Nesse caso, a vítima ou seus sucessores <strong>de</strong>verão<br />

enfrentar um processo <strong>de</strong> liquidação tão complica<strong>do</strong> quanto uma ação con<strong>de</strong>natória individual, até porque ao réu <strong>de</strong>vem ser<br />

asseguradas as garantias <strong>do</strong> <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> processo legal, e notadamente o contraditório e a ampla <strong>de</strong>fesa. E a via da ação coletiva po<strong>de</strong>rá<br />

ter si<strong>do</strong> ina<strong>de</strong>quada para a obtenção da tutela pretendida”44.<br />

Conforme lição da jurista paulista, quan<strong>do</strong> não for possível <strong>de</strong> forma simples a <strong>de</strong>terminação <strong>do</strong> nexo causal <strong>do</strong> direito<br />

individual e daquele que seria reconheci<strong>do</strong> na sentença coletiva, não haverá interesse <strong>de</strong> agir para a ação coletiva, da<strong>do</strong> que tal ação<br />

não será útil e nem a<strong>de</strong>quada para resolver a crise jurídica enfrentada pelos indivíduos. Por outro la<strong>do</strong>, a sentença não será eficaz,<br />

porque <strong>de</strong> pouco proveito será aos titulares <strong>do</strong>s direitos individuais, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que a liquidação da sentença nesse caso em tu<strong>do</strong><br />

se assemelhará a um verda<strong>de</strong>iro processo <strong>de</strong> conhecimento con<strong>de</strong>natório individual45.<br />

Aparentemente foi essa a tônica da proposta <strong>de</strong> novo conceito legal da espécie <strong>de</strong> direito ora analisa<strong>do</strong>. Segun<strong>do</strong> o art. 81, III,<br />

<strong>do</strong> Projeto <strong>de</strong> Lei <strong>do</strong> Sena<strong>do</strong> 271/2012, os interesses ou direitos individuais homogêneos são aqueles <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> origem<br />

comum, <strong>de</strong> fato ou <strong>de</strong> direito, que recomen<strong>de</strong>m tratamento conjunto pela utilida<strong>de</strong> coletiva da tutela.<br />

Há também outra forma <strong>de</strong> se analisar a prevalência da dimensão coletiva sobre a individual em seu aspecto objetivo: os<br />

fundamentos <strong>de</strong>vem aproveitar a to<strong>do</strong>s os titulares <strong>do</strong> direito, sen<strong>do</strong> inviável a formulação <strong>de</strong> pretensão com fundamentos que se<br />

aplicam somente a um ou mesmo alguns <strong>do</strong>s indivíduos. Essa prevalência da dimensão coletiva sobre a individual po<strong>de</strong> ser mais<br />

bem visualizada por meio <strong>de</strong> um exemplo.<br />

Coopera<strong>do</strong>s <strong>de</strong> um mesmo Con<strong>do</strong>mínio Resi<strong>de</strong>ncial se sentem prejudica<strong>do</strong>s em razão <strong>de</strong> uma cláusula <strong>de</strong> pagamento residual<br />

presente em to<strong>do</strong>s os contratos, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> sua natureza <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são. Os fundamentos a serem utiliza<strong>do</strong>s por to<strong>do</strong>s serão os<br />

mesmos para evitar a cobrança abusiva, e por isso o direito ao não pagamento caracteriza-se como individual homogêneo e po<strong>de</strong><br />

ser tutela<strong>do</strong> por meio <strong>de</strong> ação coletiva.<br />

Contu<strong>do</strong>, é possível que a maioria das casas tenha si<strong>do</strong> entregue com algum tipo <strong>de</strong> problema diferente: pare<strong>de</strong> torta,<br />

encanamento mal coloca<strong>do</strong>, pintura mal feita, chão com ondulações, janelas que não abrem etc. Nesse caso, apesar <strong>de</strong> uma origem<br />

comum, que é a péssima prestação <strong>do</strong> serviço, os fundamentos individuais somente aproveitarão os proprietários <strong>de</strong> cada um <strong>do</strong>s<br />

imóveis, o que impe<strong>de</strong> a utilização <strong>de</strong> uma ação coletiva para sua tutela.<br />

Um tradicional exemplo da<strong>do</strong> pela <strong>do</strong>utrina a respeito <strong>de</strong> direitos individuais homogêneos no campo consumerista diz respeito<br />

à aquisição, por diversos consumi<strong>do</strong>res, <strong>de</strong> veículo <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada marca, ano e série com <strong>de</strong>feitos <strong>de</strong> fabricação46. Nesse<br />

exemplo é facilmente i<strong>de</strong>ntificada a prevalência da dimensão coletiva sobre a individual, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>-se que a tese <strong>de</strong> <strong>de</strong>feito <strong>de</strong><br />

fabricação aproveita a to<strong>do</strong>s os adquirentes, e para eles será fácil e simples provar o nexo <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong>, bastan<strong>do</strong> provar o título<br />

<strong>de</strong> proprietários <strong>do</strong>s veículos.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, se <strong>de</strong>feitos pontuais passarem a prejudicar individualmente cada um <strong>do</strong>s consumi<strong>do</strong>res (para um a porta não<br />

fecha direito, para outro vaza gasolina, para outro o cheiro <strong>do</strong> ar condiciona<strong>do</strong> lembra urina, e assim por diante), será impossível<br />

uma tutela coletiva que os atenda, porque nesses casos haverá uma nítida prevalência da dimensão individual sobre a coletiva,<br />

sen<strong>do</strong> claro que, no exemplo da<strong>do</strong>, não haverá uma tese geral a beneficiar to<strong>do</strong>s os consumi<strong>do</strong>res. Os problemas po<strong>de</strong>m até ter uma<br />

origem comum, to<strong>do</strong>s advin<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>feitos <strong>de</strong> utilização <strong>do</strong>s veículos, mas não terão a homogeneida<strong>de</strong> suficiente para serem<br />

tutela<strong>do</strong>s pelo microssistema coletivo.<br />

A preocupação <strong>de</strong>monstrada pela <strong>do</strong>utrina ao exigir algo mais além da mera origem comum para caracterizar o direito<br />

individual homogêneo se presta essencial para diferenciar essa espécie <strong>de</strong> direito <strong>de</strong> um mero litisconsórcio disfarça<strong>do</strong>. Segun<strong>do</strong><br />

parcela da <strong>do</strong>utrina, “uma ação coletiva para a <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> direitos individuais homogêneos não significa a simples soma das ações<br />

individuais. Às avessas, caracteriza-se a ação coletiva por interesses individuais homogêneos exatamente porque a pretensão <strong>do</strong>

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