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#Manual de Direito do Consumidor (2017) - Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpsção Neves

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“Sobre estar tecnicamente incorreta, a alteração legislativa trazida ao art. 16 da LACP pela Lei 9.494/1997 é ainda inócua, pois o<br />

CDC não foi modifica<strong>do</strong> nesse particular, e a disciplina <strong>do</strong>s arts. 93 e 103 é <strong>de</strong> aplicação integrada e subsidiária nas ações civis<br />

públicas <strong>de</strong> que cuida a Lei 7.347/1985 (art. 21 <strong>de</strong>sta). Acresce que, no tocante à <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong> patrimônio público, o sistema <strong>do</strong> art. 18<br />

da Lei <strong>de</strong> Ação Popular continua subsistin<strong>do</strong> na forma original, <strong>de</strong> maneira que, também em matéria <strong>de</strong> ação popular, seria absur<strong>do</strong><br />

sustentar que o <strong>de</strong>cisum só é imutável nos limites territoriais da comarca <strong>do</strong> juiz prolator”237.<br />

Superadas as críticas fundadas na inaplicabilida<strong>de</strong> prática da regra limita<strong>do</strong>ra da coisa julgada material a um limite territorial, a<br />

<strong>do</strong>utrina segue para a tentativa <strong>de</strong> limitar sua aplicação, partin<strong>do</strong>-se da premissa <strong>de</strong> que, se a regra vai ser aplicada, que faça o<br />

menor estrago possível.<br />

As teses nascidas com tais propósitos, apesar <strong>de</strong> sempre terem um objetivo nobre, nem sempre po<strong>de</strong>m ser admitidas, como<br />

aquela que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> não ser a norma aplicável ao direito consumerista em razão da ausência <strong>de</strong> norma nesse senti<strong>do</strong> no CDC 238 . Não<br />

concor<strong>do</strong> com esse entendimento porque, para ampará-lo, seria necessário afastar a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> microssistema coletivo, com a<br />

interação das leis que versam sobre processo coletivo, em especial a LACP e o CDC. Seria indubitavelmente muito positivo para os<br />

consumi<strong>do</strong>res, que teriam afastada a limitação territorial consagrada pelo dispositivo legal ora critica<strong>do</strong>, mas o preço <strong>de</strong> sacrificar a<br />

i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> microssistema coletivo parece ser muito alto.<br />

Há, entretanto, uma teoria que merece <strong>de</strong>staque.<br />

Para Ada Pellegrini Grinover, uma análise conjunta <strong>do</strong>s arts. 16 da LACP e 103 <strong>do</strong> CDC <strong>de</strong>monstra que o dispositivo legal só<br />

po<strong>de</strong> ser aplica<strong>do</strong> aos direitos difusos e coletivos. Segun<strong>do</strong> a fundamentação da processualista, como o art. 16 da LACP, além <strong>de</strong><br />

criar a limitação territorial da coisa julgada material, prevê a coisa julgada secundum eventum probationis, <strong>de</strong>ve se aplicar a norma<br />

somente aos direitos que produzem essa forma especial <strong>de</strong> coisa julgada, o que não é o caso <strong>do</strong> direito individual homogêneo,<br />

conforme já verifica<strong>do</strong>. Conclui seu pensamento, afirman<strong>do</strong>:<br />

“Resulta daí que não se po<strong>de</strong> dar por modifica<strong>do</strong> o art. 103, III, <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r, por força <strong>do</strong> acréscimo<br />

introduzi<strong>do</strong> no art. 16 da Lei <strong>de</strong> Ação Civil Pública, nem mesmo pela interpretação analógica, porquanto as situações reguladas nos<br />

<strong>do</strong>is dispositivos, longe <strong>de</strong> serem semelhantes, são totalmente diversas”239.<br />

Essa teoria teve inclusive aceitação em julga<strong>do</strong> <strong>do</strong> Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, em julgamento cuja relatoria coube à Ministra<br />

Nancy Andrighi:<br />

“Processo civil e direito <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r. Ação civil pública. Correção monetária <strong>do</strong>s expurgos inflacionários nas ca<strong>de</strong>rnetas <strong>de</strong><br />

poupança. Ação proposta por entida<strong>de</strong> com abrangência nacional, discutin<strong>do</strong> direitos individuais homogêneos. Eficácia da sentença.<br />

Ausência <strong>de</strong> limitação. Distinção entre os conceitos <strong>de</strong> eficácia da sentença e <strong>de</strong> coisa julgada. Recurso especial provi<strong>do</strong>. – A Lei da<br />

Ação Civil Pública, originariamente, foi criada para regular a <strong>de</strong>fesa em juízo <strong>de</strong> direitos difusos e coletivos. A figura <strong>do</strong>s direitos<br />

individuais homogêneos surgiu a partir <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r, como uma terceira categoria equiparada aos primeiros,<br />

porém ontologicamente diversa. – A distinção, <strong>de</strong>fendida inicialmente por Liebman, entre os conceitos <strong>de</strong> eficácia e <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> da<br />

sentença, torna inócua a limitação territorial <strong>do</strong>s efeitos da coisa julgada estabelecida pelo art. 16 da LACP. A coisa julgada é<br />

meramente a imutabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s efeitos da sentença. Mesmo limitada aquela, os efeitos da sentença produzem-se erga omnes, para<br />

além <strong>do</strong>s limites da competência territorial <strong>do</strong> órgão julga<strong>do</strong>r. – O procedimento regula<strong>do</strong> pela Ação Civil Pública po<strong>de</strong> ser utiliza<strong>do</strong><br />

para a <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong>s direitos <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r em juízo, porém somente no que não contrariar as regras <strong>do</strong> CDC, que contem, em seu art.<br />

103, uma disciplina exaustiva para regular a produção <strong>de</strong> efeitos pela sentença que <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> uma relação <strong>de</strong> consumo. Assim, não é<br />

possível a aplicação <strong>do</strong> art. 16 da LAP para essas hipóteses. Recurso especial conheci<strong>do</strong> e provi<strong>do</strong>” (STJ – REsp 411.529/SP –<br />

Terceira Turma – Rel. Min. Nancy Andrighi – j. 24.06.2008 – DJe 05.08.2008).<br />

Essa <strong>de</strong>cisão, entretanto, foi reformada em julgamento <strong>de</strong> embargos <strong>de</strong> divergência interposto contra o acórdão proferi<strong>do</strong> no<br />

recurso especial:<br />

“Embargos <strong>de</strong> divergência. Ação civil pública. Eficácia. Limites. Jurisdição <strong>do</strong> órgão prolator. 1 – Consoante entendimento<br />

consigna<strong>do</strong> nesta Corte, a sentença proferida em ação civil pública fará coisa julgada erga omnes nos limites da competência <strong>do</strong><br />

órgão prolator da <strong>de</strong>cisão, nos termos <strong>do</strong> art. 16 da Lei 7.347/1985, altera<strong>do</strong> pela Lei 9.494/1997. Prece<strong>de</strong>ntes. 2 – Embargos <strong>de</strong><br />

divergência acolhi<strong>do</strong>s” (STJ – EREsp 411.529/SP – Segunda Seção – Rel. Min. Fernan<strong>do</strong> Gonçalves – j. 10.03.2010 – DJe<br />

24.03.2010).<br />

E <strong>de</strong>cisões posteriores continuaram a confirmar a aplicação absurda e <strong>de</strong>sarrazoada <strong>do</strong> art. 16 da LACP240. Houve, entretanto,<br />

uma memorável e festejada mudança <strong>de</strong> posição a<strong>do</strong>tada recentemente pela Corte Especial, com voto irrepreensível <strong>do</strong> Ministro<br />

Luiz Felipe Salomão, que atuou como relator. Em feliz consi<strong>de</strong>ração, o Ministro relator afirma que a anterior posição a<strong>do</strong>tada pelo<br />

Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, “em hora mais que ansiada pela socieda<strong>de</strong> e pela comunida<strong>de</strong> jurídica, <strong>de</strong>ve ser revista para aten<strong>de</strong>r<br />

ao real e legítimo propósito das ações coletivas, que é viabilizar um coman<strong>do</strong> judicial célere e uniforme – em atenção à extensão <strong>do</strong>

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