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#Manual de Direito do Consumidor (2017) - Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpsção Neves

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A norma está a prever a não vinculação <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas cláusulas, que são consi<strong>de</strong>radas como não escritas ou inexistentes. Em<br />

um primeiro momento, resta claro que a opção <strong>do</strong> legisla<strong>do</strong>r foi <strong>de</strong> tratar <strong>do</strong> plano da existência <strong>do</strong> negócio jurídico, pois o<br />

coman<strong>do</strong>, por si só, não estabelece a solução da invalida<strong>de</strong>. Todavia, po<strong>de</strong>-se interpretar pela nulida<strong>de</strong> das cláusulas <strong>de</strong> infringência<br />

ao preceito, conjugan<strong>do</strong>-se o art. 46 com o art. 51, inc. XV, da Lei 8.078/1990, que consagra como abusiva qualquer cláusula que<br />

esteja em <strong>de</strong>sacor<strong>do</strong> com o sistema <strong>de</strong> proteção <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r. Essa parece ser a melhor solução, pelos problemas que a<br />

inexistência po<strong>de</strong> gerar, já que a teoria da inexistência <strong>do</strong> negócio jurídico não foi a<strong>do</strong>tada expressamente pelo sistema civil<br />

brasileiro. Tal caminho, pela nulida<strong>de</strong> absoluta, por vezes é segui<strong>do</strong> pela jurisprudência nacional (nessa linha: TJMG – Apelação<br />

Cível 0770829-75.2008.8.13.0024, Belo Horizonte – Décima Sexta Câmara Cível – Rel. Des. Sebastião Pereira <strong>de</strong> Souza – j.<br />

03.03.2011 – DJEMG 08.04.2011).<br />

Pois bem, aprofundan<strong>do</strong>-se na análise <strong>do</strong> art. 46 <strong>do</strong> CDC, para começar, são consi<strong>de</strong>radas como não vinculativas as cláusulas<br />

<strong>de</strong>sconhecidas, ou que o consumi<strong>do</strong>r não teve a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecer, haven<strong>do</strong> a chamada violação <strong>do</strong> <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> oportunizar.37<br />

A origem da previsão está na vedação da chamada condição puramente potestativa, aquela que representa a vonta<strong>de</strong> ou o puro<br />

arbítrio <strong>de</strong> apenas uma das partes, consi<strong>de</strong>rada ilícita pelo art. 122 <strong>do</strong> CC/2002.<br />

Ilustran<strong>do</strong> a incidência <strong>de</strong>ssa primeira parte <strong>do</strong> art. 46 <strong>do</strong> CDC, o consumi<strong>do</strong>r <strong>de</strong>ve ter o <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> conhecimento prévio a respeito<br />

da taxa <strong>de</strong> juros estipulada no contrato bancário ou financeiro, sob pena <strong>de</strong> sua não incidência (com gran<strong>de</strong> repetição no Tribunal<br />

Paulista e mesmo relator, por to<strong>do</strong>s: TJSP – Apelação 9216881-08.2006.8.26.0000 – Acórdão 5042241, São Paulo – Vigésima<br />

Terceira Câmara <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Priva<strong>do</strong> – Rel. Des. Sérgio Shimura – j. 30.03.2011 – DJESP 14.04.2011; TJSP – Apelação 9182798-<br />

29.2007.8.26.0000 – Acórdão 5042265, São Paulo – Vigésima Terceira Câmara <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Priva<strong>do</strong> – Rel. Des. Sérgio Shimura – j.<br />

30.03.2011 – DJESP 14.04.2011). Na verda<strong>de</strong>, o que ocorre muitas vezes na prática com os negócios bancários é que o consumi<strong>do</strong>r<br />

sequer tem o <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> conhecimento <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> contrato manti<strong>do</strong> com a instituição financeira, pois não lhe é dada a <strong>de</strong>vida<br />

oportunida<strong>de</strong> para tanto.<br />

Ato contínuo <strong>de</strong> ilustração, no caso <strong>de</strong> um contrato <strong>de</strong> seguro <strong>de</strong> vida, a cláusula limitativa <strong>de</strong> direitos <strong>de</strong>ve ser comunicada<br />

previamente e em termos claros e ostensivos, sob pena <strong>de</strong> sua não vinculação. Nessa linha, <strong>do</strong> Tribunal Paulista:<br />

“Seguro <strong>de</strong> vida e aci<strong>de</strong>ntes pessoais. Ação <strong>de</strong> cobrança <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização. Cláusula com exclusão <strong>de</strong> cobertura em caso <strong>de</strong> separação<br />

judicial ou divórcio <strong>do</strong> casal. Morte. Separação judicial anterior. Desconhecimento prévio <strong>de</strong> cláusula limitativa. CDC, art. 46. Boafé<br />

e <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> informação (CDC, art. 30). In<strong>de</strong>nização <strong>de</strong>vida. Recurso provi<strong>do</strong>. É <strong>de</strong>vida a in<strong>de</strong>nização pelo falecimento <strong>do</strong> excônjuge<br />

<strong>do</strong> segura<strong>do</strong>, ainda que o sinistro tenha ocorri<strong>do</strong> após a separação judicial <strong>do</strong> casal, se o segura<strong>do</strong> não tinha ciência <strong>de</strong><br />

cláusula limitativa da cobertura. Nos contratos <strong>de</strong> consumo, eventual limitação <strong>de</strong> direito <strong>do</strong> segura<strong>do</strong> <strong>de</strong>ve constar <strong>de</strong> forma clara e<br />

com <strong>de</strong>staque e, obviamente, ser entregue ao consumi<strong>do</strong>r no ato da contratação, sob pena <strong>de</strong> não obrigar o contratante (CDC, art. 46).<br />

Cabe à segura<strong>do</strong>ra <strong>de</strong>monstrar prévia disponibilização ao segura<strong>do</strong> da apólice e das condições gerais <strong>do</strong> seguro, nos termos <strong>do</strong> art. 6º,<br />

VIII <strong>do</strong> CDC” (TJSP – Apelação 9082668-60.2009.8.26.0000 – Acórdão 5010702, Araras – Trigésima Quinta Câmara <strong>de</strong> <strong>Direito</strong><br />

Priva<strong>do</strong> – Rel. Des. Clóvis Castelo – j. 21.03.2011 – DJESP 31.03.2011).<br />

Pelo mesmo caminho, <strong>do</strong> STJ, tratan<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso relativo à exclusão da garantia <strong>do</strong> seguro em caso <strong>de</strong> embriaguez <strong>do</strong> motorista:<br />

“Recurso especial. In<strong>de</strong>nização <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> seguro <strong>de</strong> vida. Aci<strong>de</strong>nte automobilístico. Embriaguez. Cláusula limitativa <strong>de</strong> cobertura<br />

da qual não foi da<strong>do</strong> o perfeito conhecimento ao segura<strong>do</strong>. Abusivida<strong>de</strong>. Infringência ao art. 54, § 4º <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong><br />

Consumi<strong>do</strong>r. Recurso especial provi<strong>do</strong>. 1. Por se tratar <strong>de</strong> relação <strong>de</strong> consumo, a eventual limitação <strong>de</strong> direito <strong>do</strong> segura<strong>do</strong> <strong>de</strong>ve<br />

constar, <strong>de</strong> forma clara e com <strong>de</strong>staque, nos mol<strong>de</strong>s <strong>do</strong> art. 54, § 4º <strong>do</strong> CODECON e, obviamente, ser entregue ao consumi<strong>do</strong>r no ato<br />

da contratação, não sen<strong>do</strong> admitida a entrega posterior. 2. No caso concreto, surge incontroverso que o <strong>do</strong>cumento que integra o<br />

contrato <strong>de</strong> seguro <strong>de</strong> vida não foi apresenta<strong>do</strong> por ocasião da contratação, além <strong>do</strong> que a cláusula restritiva constou tão somente <strong>do</strong><br />

‘manual <strong>do</strong> segura<strong>do</strong>’, envia<strong>do</strong> após a assinatura da proposta. Portanto, configurada a violação ao art. 54, § 4º <strong>do</strong> CDC. 3. Nos termos<br />

<strong>do</strong> art. 46 <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r: ‘Os contratos que regulam as relações <strong>de</strong> consumo não obrigarão os consumi<strong>do</strong>res,<br />

se não lhes for dada a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tomar conhecimento prévio <strong>de</strong> seu conteú<strong>do</strong>, ou se os respectivos instrumentos forem<br />

redigi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a dificultar a compreensão <strong>de</strong> seu senti<strong>do</strong> e alcance’. 4. Deve ser afastada a multa aplicada com apoio no art. 538,<br />

parágrafo único <strong>do</strong> CPC, pois não são protelatórios os embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração opostos com fins <strong>de</strong> prequestionamento. 5. Recurso<br />

especial provi<strong>do</strong>” (STJ – REsp 1.219.406/MG – Quarta Turma – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – j. 15.02.2011 – DJe 18.02.2011).<br />

Seguin<strong>do</strong> no estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> tema, <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong> não vinculam o consumi<strong>do</strong>r as cláusulas incompreensíveis ou ininteligíveis,<br />

geralmente diante <strong>de</strong> um sério problema <strong>de</strong> redação, que visa a enganar o consumi<strong>do</strong>r. A não vinculação <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> um <strong>do</strong>lo<br />

contratual pratica<strong>do</strong> pelo fornece<strong>do</strong>r ou presta<strong>do</strong>r, via <strong>de</strong> regra com o claro intuito <strong>de</strong> induzir o consumi<strong>do</strong>r a erro e obter um<br />

enriquecimento sem causa. A título <strong>de</strong> exemplo, muitas vezes verifica-se em contratos <strong>de</strong> seguro cláusulas mal escritas ou mal<br />

elaboradas, <strong>de</strong> difícil entendimento até pelo mais experiente aplica<strong>do</strong>r <strong>do</strong> <strong>Direito</strong>, por utilizar expressões técnicas da área jurídica ou<br />

<strong>de</strong> gerenciamento <strong>de</strong> riscos. Em casos tais, tem-se entendi<strong>do</strong> que, se o conjunto probatório da <strong>de</strong>manda evi<strong>de</strong>nciar a inexatidão das<br />

informações apresentadas, no ato da contratação, pois a proposta não traz informação precisa e clara a respeito das limitações <strong>de</strong>

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