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#Manual de Direito do Consumidor (2017) - Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpsção Neves

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(‘Zersplieterung’), manifesta-se no pluralismo <strong>de</strong> sujeitos a proteger, por vezes difusos, como o grupo <strong>de</strong> consumi<strong>do</strong>res ou os que se<br />

beneficiam da proteção <strong>do</strong> meio ambiente, na pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> agentes ativos <strong>de</strong> uma mesma relação, como os fornece<strong>do</strong>res que se<br />

organizam em ca<strong>de</strong>ia e em relações extremamente <strong>de</strong>spersonalizadas. Pluralismo também na filosofia aceita atualmente, on<strong>de</strong> o<br />

diálogo é que legitima o consenso, on<strong>de</strong> os valores e princípios têm sempre uma dupla função, o ‘<strong>do</strong>uble coding’, e on<strong>de</strong> os valores<br />

são muitas vezes antinômicos. Pluralismo nos direitos assegura<strong>do</strong>s, nos direitos à diferença e ao tratamento diferencia<strong>do</strong> aos<br />

privilégios <strong>do</strong>s ‘espaços <strong>de</strong> excelência’”. 9<br />

Em certo senti<strong>do</strong>, como <strong>de</strong>corrência <strong>do</strong> pluralismo, há uma abundância <strong>de</strong> proteção legislativa na pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, a gerar<br />

situações <strong>de</strong> colisão entre esses direitos, conflitos estes que acabam por ser resolvi<strong>do</strong>s a partir da interpretação da Norma<br />

Constitucional, repouso comum da principiologia <strong>de</strong>ssa tutela fundamental. A <strong>de</strong>monstrar os efeitos práticos <strong>de</strong>ssa preocupação <strong>de</strong><br />

tutela, por exemplo, utilizan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> um símbolo cotidiano, ao ir ao banco, é comum a percepção <strong>de</strong> que a única fila que anda é a<br />

daqueles que têm algum tipo <strong>de</strong> priorida<strong>de</strong>. Eis outra amostragem <strong>do</strong> fenômeno pós-mo<strong>de</strong>rno, uma vez que a exceção se torna<br />

regra, e vice-versa. Como não po<strong>de</strong>ria ser diferente, a questão da tutela <strong>de</strong> vulneráveis e <strong>de</strong> proteção <strong>de</strong> conceitos que lhe são<br />

parcelares repercute na análise <strong>do</strong> problema jurídico contemporâneo.<br />

Na realida<strong>de</strong> pós-mo<strong>de</strong>rna há o duplo senti<strong>do</strong> das coisas (<strong>do</strong>uble sense). Nesse contexto, o certo po<strong>de</strong> ser o erra<strong>do</strong>, e o erra<strong>do</strong><br />

po<strong>de</strong> ser o certo; o bem po<strong>de</strong> ser o mal, e o mal po<strong>de</strong> ser o bem; o alto po<strong>de</strong> ser baixo, e o baixo po<strong>de</strong> ser alto; o belo po<strong>de</strong> ser o<br />

feio, e o feio po<strong>de</strong> ser o belo; a verda<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser uma mentira, e a mentira po<strong>de</strong> ser uma verda<strong>de</strong>; o jurídico po<strong>de</strong> ser antijurídico, e<br />

o antijurídico po<strong>de</strong> ser o jurídico; a direita po<strong>de</strong> ser a esquerda, e o inverso po<strong>de</strong> ser igualmente váli<strong>do</strong>. Essas variações chocam<br />

aquela visão maniqueísta que impera no <strong>Direito</strong>, particularmente a <strong>de</strong> que sempre haverá um vitorioso e um <strong>de</strong>rrota<strong>do</strong> nas<br />

<strong>de</strong>mandas judiciais. Na realida<strong>de</strong>, aquele que se julga o vitorioso po<strong>de</strong> ser o maior <strong>de</strong>rrota<strong>do</strong>.<br />

Algumas produções cinematográficas da atualida<strong>de</strong> servem para <strong>de</strong>monstrar essa configuração <strong>do</strong> <strong>do</strong>uble sense, como é o caso<br />

<strong>de</strong> Guerra nas Estrelas (Star Wars), talvez o maior fenômeno cinematográfico da pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. Anote-se que tal paralelo foi<br />

traça<strong>do</strong> por Claudia Lima Marques, em aula ministrada no curso <strong>de</strong> pós-graduação lato sensu em <strong>Direito</strong> Contratual da Escola<br />

Paulista <strong>de</strong> <strong>Direito</strong>, em São Paulo, no dia 12 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2008. O tema da aula foi A teoria <strong>do</strong> diálogo das fontes e o <strong>Direito</strong><br />

Contratual.<br />

Naquela ocasião, a jurista relacionou a evolução <strong>do</strong> <strong>Direito</strong> à série Guerra nas Estrelas (Star Wars), escrita por George Lucas<br />

em 1977. O primeiro episódio é <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> A Ameaça Fantasma (1999); o segun<strong>do</strong>, O Ataque <strong>do</strong>s Clones (2002); o terceiro, A<br />

Vingança <strong>do</strong>s Sith (2005); o quarto, Uma Nova Esperança (1977); o quinto, O Império Contra-Ataca (1980); o sexto, o Retorno <strong>de</strong><br />

Jedi (1983) e o sétimo o Despertar da Força (2015). O penúltimo episódio, em que um filho que representa o bem (Luke<br />

Skywalker) acaba por lutar contra o próprio pai, que representa o mal (Darth Va<strong>de</strong>r, a versão maléfica <strong>de</strong> Anakin Skywalker), seria<br />

a culminância da pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, representan<strong>do</strong> o duplo senti<strong>do</strong> das coisas e a falta <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> posições (bem x mal). Ao<br />

final, o próprio símbolo <strong>do</strong> mal (Darth Va<strong>de</strong>r) é quem mata o Impera<strong>do</strong>r, geran<strong>do</strong> a vitória <strong>do</strong> bem contra o mal. A série continua,<br />

sen<strong>do</strong> possíveis novas reflexões no futuro.<br />

Ato contínuo, a realida<strong>de</strong> pós-mo<strong>de</strong>rna é marcada pela hipercomplexida<strong>de</strong>. De acor<strong>do</strong> com Antônio Junqueira <strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong>, o<br />

próprio direito é um sistema complexo <strong>de</strong> segunda or<strong>de</strong>m.10 Na contemporaneida<strong>de</strong>, os prosaicos exemplos <strong>de</strong> negócios e atos<br />

jurídicos entre Tício, Caio e Mévio, comuns nas aulas <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Romano e <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Civil <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> (ou até <strong>do</strong> presente), não<br />

conseguem resolver os casos <strong>de</strong> maior complexida<strong>de</strong>, particularmente aqueles relativos a colisões entre direitos consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s<br />

fundamentais, próprios da pessoa humana. A<strong>de</strong>mais, muitas situações envolven<strong>do</strong> os contratos <strong>de</strong> consumo superam aquela antiga<br />

visualização. A título <strong>de</strong> ilustração, imagine-se que um consumi<strong>do</strong>r brasileiro compra um produto americano acessan<strong>do</strong> seu<br />

computa<strong>do</strong>r no Brasil, estan<strong>do</strong> o prove<strong>do</strong>r da empresa ven<strong>de</strong><strong>do</strong>ra localiza<strong>do</strong> na Nova Zelândia. Pergunta-se: quais as leis aplicadas<br />

na espécie? Sem se preten<strong>de</strong>r ingressar no mérito da questão, o exemplo <strong>de</strong>monstra quão complexas po<strong>de</strong>m ser as simples relações<br />

<strong>de</strong> consumo.<br />

Por fim, <strong>de</strong>monstran<strong>do</strong> o caos contemporâneo, Ricar<strong>do</strong> Luis Lorenzetti fala em era da <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m, que, em síntese, po<strong>de</strong> ser<br />

i<strong>de</strong>ntificada pelos seguintes aspectos: a) enfraquecimento das fronteiras entre as esferas <strong>do</strong> público e <strong>do</strong> priva<strong>do</strong>; b) pluralida<strong>de</strong> das<br />

fontes, seja no <strong>Direito</strong> Público ou no <strong>Direito</strong> Priva<strong>do</strong>; c) proliferação <strong>de</strong> conceitos jurídicos in<strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s; d) existência <strong>de</strong> um<br />

sistema aberto, sen<strong>do</strong> possível uma extensa variação <strong>de</strong> julgamentos; e) gran<strong>de</strong> abertura para o intérprete estabelecer e reconstruir a<br />

sua coerência; f) mudanças constantes <strong>de</strong> posições, inclusive legislativas; g) necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quação das fontes umas às outras;<br />

h) exigência <strong>de</strong> pautas mínimas <strong>de</strong> correção para a interpretação jurídica. 11 Como não po<strong>de</strong>ria ser diferente, o Código <strong>de</strong> Defesa <strong>do</strong><br />

Consumi<strong>do</strong>r enquadra-se perfeitamente em tal realida<strong>de</strong> pós-mo<strong>de</strong>rna. Primeiro, por trazer como conteú<strong>do</strong> questões <strong>de</strong> <strong>Direito</strong><br />

Priva<strong>do</strong> e <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Público. Segun<strong>do</strong>, por encerrar vários conceitos in<strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s, como o <strong>de</strong> boa-fé. Terceiro, por representar<br />

uma norma aberta, perfeitamente afeita a diálogos interdisciplinares, como se verá (diálogo das fontes). Quarto, por encerrar a<br />

pauta mínima <strong>de</strong> proteção <strong>do</strong>s consumi<strong>do</strong>res.

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