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Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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Com a figura paterna estabeleceu uma relação ambivalente que hoje recor<strong>da</strong> como<br />

alguém que ora lhe suscitava sentimentos de revolta ora lhe proporcionava<br />

―ensinamentos‖, fazen<strong>do</strong>-o sentir que, apesar de tu<strong>do</strong>, constituía para si a única<br />

protecção. A consciência de que a mãe os aban<strong>do</strong>nou e de que a figura paterna era<br />

inconsistente na definição de limites, na protecção e no investimento emocional,<br />

desenvolveu nele um sentimento de parentalização <strong>do</strong>s irmãos que deu lugar a<br />

manifestações de isolamento e solidão quan<strong>do</strong> foram separa<strong>do</strong>s, assim se rompen<strong>do</strong><br />

os poucos vínculos afectivos que ain<strong>da</strong> lhe restavam.<br />

A violência incontrola<strong>da</strong> que desde sempre o caracterizou, em muitos<br />

momentos auto-destrutiva, revelou-se de forma mais exacerba<strong>da</strong> em pelo menos uma<br />

tentativa de suicídio; este comportamento não deixa de ser um indica<strong>do</strong>r <strong>do</strong><br />

asfixiamento <strong>do</strong> seu desenvolvimento, revelan<strong>do</strong> a fragili<strong>da</strong>de <strong>do</strong> seu eu. Viveu<br />

situações de sofrimento emocional muito intenso que, ao que parece, nunca chegaram<br />

a ser devi<strong>da</strong>mente entendi<strong>da</strong>s e ultrapassa<strong>da</strong>s, ten<strong>do</strong> gera<strong>do</strong> um sentimento de mal-<br />

estar para o qual não via qualquer saí<strong>da</strong>.<br />

Tu<strong>do</strong> parece indicar que a violência permanente que caracterizou o seu<br />

mo<strong>do</strong> de estar constitui uma manifestação de sofrimento típica de quem cresceu numa<br />

ausência de sentimentos de protecção, de pertença, de quem não fez a experiência de<br />

ser gosta<strong>do</strong>, de ser respeita<strong>do</strong> e de ter orgulho <strong>da</strong> sua própria vi<strong>da</strong>.<br />

A raiva e a revolta que recor<strong>da</strong>, como outros <strong>do</strong>s sentimentos<br />

sistemáticos que experimentou, não deixam de ser indica<strong>do</strong>res de uma forte<br />

intolerância à frustração, uma falta de confiança em si próprio, sintoma de que as<br />

frustrações vivi<strong>da</strong>s não tiveram as compensações afectivas suficientes para assegurar<br />

o desenvolvimento <strong>da</strong> confiança em si e nos outros.<br />

Numerosos estu<strong>do</strong>s confirmam a ideia de que, para atravessar com êxito<br />

as fases <strong>da</strong> primeira infância, as crianças não precisam apenas de não passar<br />

privações; precisam de cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s sensíveis e afectivos para poderem formar as<br />

capaci<strong>da</strong>des de confiança, empatia e soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de 128 .<br />

Vítima, como tu<strong>do</strong> indica, de pessoas tão vulneráveis social e<br />

emocionalmente quanto ele, não aprendeu a gostar de si próprio porque não chegou a<br />

ser um ―bom objecto‖ de ninguém.<br />

―Vivi em Lisboa, com o meu pai e os meus irmãos, até aos 13 anos. Depois,<br />

fui para um colégio, em Oeiras…. Tinha vivi<strong>do</strong>, mas foi pouco tempo no<br />

Casal Ventoso … saí de lá quan<strong>do</strong> tinha 4 meses. … sempre fui um<br />

revolta<strong>do</strong> … sentia uma grande revolta … tive comportamentos maus …<br />

considero o meu padrasto como meu pai … foi com ele que vivi … que me<br />

128 Ver em particular T. Berry Brazelton e Stanley I. Greenspan: A Criança e o seu mun<strong>do</strong> - requisitos<br />

essenciais para o crescimento e aprendizagem. Editorial Presença, 5ª edição, Lisboa, 2006, págs. 27 e<br />

28.<br />

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