Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto
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outros. E embora alguns arriscassem experiências mais perigosas – como os<br />
rapazes no WC a beber penaltis de uma garrafa clandestina de absinto -, a<br />
maioria comportava-se na pista com a exuberância natural de quem vive o<br />
sobressalto <strong>da</strong>s hormonas, envolven<strong>do</strong> - se em engates infantis.<br />
A noite para a grande parte <strong>do</strong>s a<strong>do</strong>lescentes, terminaria pelas 3h30. Cá fora,<br />
e frente à porta, recomeçava a caravana automóvel.<br />
Desta vez, no entanto, viam-se muito mais táxis <strong>do</strong> que carros<br />
descaracteriza<strong>do</strong>s, sinal de que muitos <strong>do</strong>s pais <strong>da</strong>s crianças já haviam<br />
sucumbi<strong>do</strong> ao sono‖.<br />
Não é fácil pertencer-se a um grupo, a Sofia sabe-o bem. No final <strong>do</strong> verão,<br />
entendeu que era altura de evoluir, mu<strong>da</strong>r de estilo: que estava farta de ser<br />
uma ―dread‖, queria algo mais profun<strong>do</strong>, mais sentimental, alguém com quem<br />
pudesse partilhar as emoções <strong>da</strong> alma. Influencia<strong>da</strong> por uma rapariga brasileira<br />
de 16 anos que conhecera num ―chat‖, acabou por decidir -se sobre os góticos,<br />
―um grupo de pessoas que veste preto porque está de luto com o mun<strong>do</strong>‖.<br />
Acontece que esse estatuto não seria consegui<strong>do</strong> de forma automática. A<br />
―tribo‖ <strong>do</strong>s góticos não estava a aceitar leigos. E, portanto, antes <strong>do</strong> veredicto<br />
final, agen<strong>da</strong><strong>do</strong> para o dia 31 de Outubro, Dia <strong>da</strong> Bruxas, Sofia teria que ser<br />
posta à prova através de um processo de avaliação, conduzi<strong>do</strong> a partir <strong>do</strong><br />
Brasil, pela amiga que a iniciara no movimento.<br />
Sofia tem apenas 11 anos. Mesmo perceben<strong>do</strong>-se que a opção pelos ―góticos‖<br />
terá, porventura, mais que ver com a extravagância <strong>da</strong> imagem, em alta no<br />
canal de música MTV, <strong>do</strong> que com uma identificação genuína com essa<br />
tendência, o mais natural, com a i<strong>da</strong>de que tem, era que o seu imaginário<br />
estivesse mais próximo <strong>da</strong> Barbie <strong>do</strong> que de uma jovem enluta<strong>da</strong> e com<br />
olheiras.<br />
O caso é, no entanto, apenas um exemplo de um fenómeno mais vasto. De há<br />
uns anos para cá, as características <strong>do</strong>s pré-a<strong>do</strong>lescentes começaram a<br />
mu<strong>da</strong>r. Os rapazes e as raparigas estavam a crescer mais depressa e,<br />
portanto estavam também a entrar mais ce<strong>do</strong> na crise <strong>da</strong> puber<strong>da</strong>de: de<br />
consumismo, <strong>do</strong> individualismo, <strong>da</strong> rebeldia, <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong>de.<br />
As explicações para a alteração de padrão são, naturalmente, difusas. Mas<br />
parece óbvio que a maior ausência <strong>do</strong>s pais – a independência <strong>da</strong>s mulheres –<br />
empurrou muitas crianças para a autonomia extemporânea.<br />
Este factor não pode, contu<strong>do</strong>, ser dissocia<strong>do</strong> <strong>da</strong> massificação <strong>do</strong>s meios<br />
tecnológicos: a televisão, o computa<strong>do</strong>r, a música e o tornaram-se mais<br />
baratos, mais acessíveis <strong>do</strong> ponto de vista <strong>da</strong> linguagem, banalizan<strong>do</strong>-se entre<br />
a juventude e acaban<strong>do</strong> por substituir, em parte, o lento e foca<strong>do</strong> processo de<br />
aprendizagem familiar.<br />
Para o bem e para o mal, com uma simples ligação à internet, crianças de 9, 10<br />
anos têm o mun<strong>do</strong> em casa: a música, o cinema, os í<strong>do</strong>los, os amigos e os<br />
namora<strong>do</strong>s virtuais.<br />
E podem viver o mun<strong>do</strong> em casa, na solidão <strong>do</strong>s seus quartos. Os tweens<br />
revelaram ter muitas características em comum, um contexto social idêntico,<br />
são filhos de pessoas com livros didácticos em casa, música erudita e<br />
―homecinema‖ com ―surround system‖; to<strong>do</strong>s eles têm pais com um<br />
entendimento relativamente liberal e moderno <strong>da</strong> educação.<br />
―... a escola é também o sítio onde alguns quebram as primeiras regras. Dentro<br />
e fora <strong>da</strong>s salas de aula, os intervalos – o recreio – são o espaço por<br />
excelência para concretização dessa irreverência. Num intervalo, numa escola<br />
até ao 9ºano – ou nas imediações - pode acontecer muita coisa: o primeiro<br />
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