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Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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egras e que fez escolhas de amigos que tinham comportamentos como os dela,<br />

aban<strong>do</strong>nan<strong>do</strong> os outros amigos, ―os positivos‖. Contu<strong>do</strong>, Carla revela sentimentos<br />

ambivalentes para com os seus pais a<strong>do</strong>ptivos, ora reconhecen<strong>do</strong> o investimento<br />

deles em si, ora negan<strong>do</strong> qualquer tipo de afecto por eles. Relativamente aos pais<br />

biológicos, Carla quer manter a distância, manifestan<strong>do</strong> o sentimento de por eles ter<br />

si<strong>do</strong> rejeita<strong>da</strong>.<br />

Para reflectir sobre os laços com outros adultos, Carla convoca a<br />

ligação que tinha com a avó a<strong>do</strong>ptiva, mãe <strong>da</strong> sua mãe a<strong>do</strong>ptiva, com quem falava<br />

sobre a sua vi<strong>da</strong> lembran<strong>do</strong> com tristeza a insegurança e, até, certo arrependimento<br />

que a mãe chegou a revelar por ter feito a a<strong>do</strong>pção. Com um trajecto inicial de vi<strong>da</strong><br />

em que os laços sociais são muito frágeis, em que o sentimento que pre<strong>do</strong>mina é o<br />

de ter si<strong>do</strong> maltrata<strong>da</strong>, aban<strong>do</strong>na<strong>da</strong> e rejeita<strong>da</strong>, Carla reconhece o investimento <strong>do</strong>s<br />

pais [a<strong>do</strong>ptivos] nela, mas, simultaneamente, recusa e evita os comportamentos de<br />

vinculação <strong>do</strong>s adultos para com ela.<br />

A história <strong>da</strong> sua curta existência é bem uma ilustração de quão<br />

patológica pode ser a relação entre pais e filhos 123 . Filha de pais toxicodependentes<br />

vivenciou desde o seu nascimento a ausência de adultos significativos na sua vi<strong>da</strong><br />

afectiva, situação que se consoli<strong>do</strong>u com a sua entra<strong>da</strong> no colégio. Desde sempre<br />

conviveu com a inconstância <strong>da</strong> atenção <strong>do</strong>s seus pais que ora estavam, ora não<br />

estavam, sempre em função de si próprios. Exposta ao risco de construir uma ideia de<br />

si própria e <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> que a rodeia marca<strong>da</strong> pela falha <strong>da</strong> confiança básica, Carla<br />

evidencia sinais de ser <strong>do</strong>mina<strong>da</strong> por um constante sentimento de desconforto que a<br />

não deixa estar plenamente em la<strong>do</strong> nenhum. Manifesta incapaci<strong>da</strong>de de atribuir<br />

significa<strong>do</strong> ao que sente e pensa, assim como revela fracas expectativas sobre futuras<br />

possibili<strong>da</strong>des de viver experiências de afecto e conforto. O seu meio envolvente e,<br />

nomea<strong>da</strong>mente, as relações distorci<strong>da</strong>s que os seus personagens de referência,<br />

materno e paterno, com ela estabeleceram, inviabilizou uma estruturação <strong>da</strong> sua<br />

personali<strong>da</strong>de. Face aos modelos imprevisíveis a que os seus progenitores a<br />

submeteram, Carla é um exemplo vivo de quanto os sentimentos de imprevisibili<strong>da</strong>de<br />

que vivenciou no início <strong>da</strong> sua existência nela acabaram por instalar um sentimento de<br />

suspeição em relação à fiabili<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s adultos. É assim que interpretamos a sua<br />

recusa em se ligar à família a<strong>do</strong>ptiva.<br />

―Vivi com os meus pais biológicos, desde o início. Eram toxicodependentes.<br />

Primeiro começaram num bairro social em Lisboa, mas como não pagavam<br />

a ren<strong>da</strong> foram despeja<strong>do</strong>s. O meu pai batia-me a mim e à minha mãe. Eu fui<br />

viola<strong>da</strong> por ele. A polícia recebeu queixas <strong>do</strong>s vizinhos e fui para um lar <strong>da</strong><br />

123 Pedro Strecht, Preciso de ti, Assírio & Alvim, Lisboa, 1999, p. 97.<br />

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