Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto
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quilos de coca, tantos de heroína, tantos de ecstasy e outras. Era para o<br />
grupo se fazer à vi<strong>da</strong>. Éramos oito. Por semana gastávamos aí 22 mil<br />
contos, 23 mil e depois vendíamos… Por semana estava tu<strong>do</strong> certinho.<br />
Eram os mais velhos que faziam esses negócios muito grandes. Eles é que<br />
faziam esses negócios com muitas coisas. Isto passou-se entre os meus<br />
10/12 anos. … os outros <strong>do</strong> grupo tinham entre os 18 e os 33/34 anos. Já<br />
eram <strong>da</strong> velha guar<strong>da</strong>, como uma pessoa chama. Havia eu com essa i<strong>da</strong>de,<br />
um de 18, cinco com 33 a 34 anos e já havia lá um de 47 anos que era o<br />
sábio. A alcunha dele era o sábio. Com esta i<strong>da</strong>de, eu an<strong>da</strong>va de mãe para<br />
avó e de avó para mãe. Passava o tempo de casa para casa. To<strong>do</strong>s os dias<br />
estava com a minha mãe, mas ficava na minha avó. … Estava liga<strong>do</strong> a este<br />
grupo de gangsters que man<strong>da</strong>va em Gaia. Eu sou o único que está cá fora.<br />
Os outros foram to<strong>do</strong>s presos e condena<strong>do</strong>s a 14 anos de cadeia por to<strong>do</strong>s<br />
os crimes que cometeram… depois de eles serem presos ain<strong>da</strong> andei um<br />
ano fora. Comecei a fazer um grupo novo. Procurávamos continuar aquelas<br />
coisas. Com o primeiro grupo, assaltávamos bombas de gasolina, também<br />
fazíamos as montras, tráfico de veículos, principalmente de motos, às vezes<br />
fazíamos de carro, uma vez por outra, assalto à mão arma<strong>da</strong>… Eles diziam<br />
que eu era o inteligente. Ficava horas, uma ou duas horas sozinho e<br />
arranjava plantas <strong>do</strong>s estabelecimentos, fazia os planos para os assaltos e<br />
depois apresentava aos outros. Também tínhamos uma casa de vender<br />
droga. Com o 2º grupo já era muito diferente. Estávamos no começo. Mas o<br />
primeiro acabou: um dia houve tiroteio com polícia, fugimos para o pinhal,<br />
em S. João <strong>da</strong> Madeira, e um foi apanha<strong>do</strong> e, então, quan<strong>do</strong> é assim, se vai<br />
um vão to<strong>do</strong>s. To<strong>do</strong>s presos. Sabe é que nós também fazemos a nossa lei.<br />
Se vai um, vão to<strong>do</strong>s. Foi um <strong>do</strong>s momentos mais assusta<strong>do</strong>res <strong>da</strong> minha<br />
vi<strong>da</strong>. Mas eu chegava juntos deles com os planos e eles diziam: chegou aí o<br />
professor par<strong>da</strong>l! Entretanto, eu continuava a estar com a minha mãe.<br />
Sempre tinha uma moto, também é um <strong>do</strong>s meus sonhos, e ia ao café <strong>da</strong><br />
minha mãe muitas vezes, posso dizer to<strong>do</strong>s os dias…<br />
O grupo novo era já com primos e irmãos <strong>do</strong>s outros. Nós éramos um grupo<br />
de muita gente, para aí 32, mas o núcleo era de 8… achávamos que<br />
éramos os maiores. Uma vez chegamos a entrar num bairro de ciganos e<br />
partimos aquilo tu<strong>do</strong>. Mandávamos em tu<strong>do</strong>. Por isso é que tenho me<strong>do</strong> de<br />
chegar a Gaia. Me<strong>do</strong> de chegar a acontecer o que aconteceu a outro que<br />
levou <strong>do</strong>is tiros na cabeça. Felizmente está vivo. Mas por isso tenho me<strong>do</strong>.<br />
Os que estão presos estão a tentar cobrir-me. Já man<strong>da</strong>ram muitos<br />
processos porque não querem é que vá lá para dentro. Eu já tenho<br />
processos limpos…<br />
Os sentimentos que tiro <strong>da</strong> minha vi<strong>da</strong>? (…) não sei man<strong>da</strong>r sentimentos<br />
para aí... talvez me<strong>do</strong>, frustração, impotência… sim, de me sentir impotente<br />
e sentir frustração, muita frustração. São muitos sentimentos …<br />
Um exemplo, sempre gostei de skate. Já fui por três vezes campeão<br />
nacional de ama<strong>do</strong>res. E eu, se me tiravam os três lugares <strong>do</strong> pódio, eu<br />
virava-me à pessoa que mo tirava. Por isso cheguei a ter um processo. Eu<br />
não suportava não ficar num <strong>do</strong>s três primeiros lugares. Já que eu era<br />
bom…<br />
Já tirei sentimentos de alegria no meio <strong>da</strong>quilo tu<strong>do</strong>… Eu não ficava<br />
contente no momento, era só passa<strong>do</strong> algum tempo. Eu pensava assim:<br />
hei! já passou um ano e ninguém descobriu. Já passei por muita coisa,<br />
muita coisa, muita coisa… passei também pelo mun<strong>do</strong> artístico. Trabalhei<br />
como DJ numa discoteca… por isso é que o pessoal se safava bem. Dos<br />
oito <strong>do</strong> grupo, seis eram seguranças no… e o outro era contabilista. Olhe<br />
só, um contabilista a an<strong>da</strong>r connosco, era de mais! …<br />
Acho que tu<strong>do</strong> isso tem a ver com a minha família… também não ter<br />
atenção de certas pessoas… Afinal to<strong>do</strong>s sabiam que eu fazia aquilo. Só<br />
que não me queriam dizer na<strong>da</strong> … A minha mãe percebeu quan<strong>do</strong> fui parar<br />
ao hospital… então uma mãe que sabe que um filho aos oito anos esteve<br />
no hospital quase a morrer com over<strong>do</strong>se! A minha mãe a partir <strong>da</strong>í<br />
percebeu!…Tinham me<strong>do</strong> de fazer alguma coisa. Me<strong>do</strong> <strong>do</strong> que eu podia<br />
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