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Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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Narciso, demasia<strong>do</strong> bem programa<strong>do</strong> na sua absorção em si próprio para poder ser<br />

afecta<strong>do</strong> pelo Outro, para sair de si – e, no entanto, insuficientemente programa<strong>do</strong>,<br />

pois que deseja ain<strong>da</strong> um mun<strong>do</strong> relacional afectivo‖ 239 .<br />

235<br />

O neo-narcisimo define-se pela desunificação, pela fragmentação <strong>da</strong><br />

personali<strong>da</strong>de, a sua lei é a coexistência <strong>do</strong>s contrários. Cool nas suas maneiras de<br />

ser e de fazer, liberto <strong>da</strong> culpabili<strong>da</strong>de moral, o indivíduo narcísico é, no entanto,<br />

propenso à angústia e à ansie<strong>da</strong>de, gestor <strong>da</strong> sua saúde, constantemente preocupa<strong>do</strong><br />

com ela, e arriscan<strong>do</strong> a vi<strong>da</strong> nas auto-estra<strong>da</strong>s e nas montanhas.<br />

As análises precedentes dão conta de uma evolução complexa que,<br />

atingin<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os <strong>do</strong>mínios <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> social, concorre para a generalização <strong>do</strong>s<br />

mecanismos de vulnerabilização <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> social e individual, expon<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os sujeitos<br />

sociais, em geral, a rupturas e fragili<strong>da</strong>des peculiares. Uma delas, tal como assinala<br />

Lipovetsky, é a que remete para a dissipação <strong>da</strong>s causas colectivas universais, para o<br />

esfumar <strong>da</strong>s utopias congrega<strong>do</strong>ras de sonhos e de ideais que ajudem a relativizar as<br />

frustrações, que animem e enriqueçam a existência, que confiram uma dimensão de<br />

transcendência à criação humana, arrancan<strong>do</strong>-a à triviali<strong>da</strong>de.<br />

To<strong>da</strong>via, há que assinalar que essa plurali<strong>da</strong>de de mu<strong>da</strong>nças que mais<br />

recentemente têm enfraqueci<strong>do</strong> o laço de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia está longe de se repercutir<br />

indiferencia<strong>da</strong>mente sobre to<strong>do</strong>s os ci<strong>da</strong>dãos, independentemente <strong>do</strong>s recursos por<br />

estes deti<strong>do</strong>s. O laço de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia que outrora foi gera<strong>do</strong>r de valores comuns e aju<strong>do</strong>u<br />

a superar clivagens, oposições e rivali<strong>da</strong>des 240 , enfim, <strong>do</strong> laço que havia permiti<strong>do</strong><br />

fazer recuar a pobreza e unir os indivíduos em torno de um grande projecto nacional<br />

está hoje fragiliza<strong>do</strong> nos seus fun<strong>da</strong>mentos. As grandes instituições de socialização,<br />

como a família, a escola, o merca<strong>do</strong> de trabalho, as organizações sindicais, o sistema<br />

de justiça, o próprio Esta<strong>do</strong>, perderam grande parte <strong>do</strong> seu potencial para gerar a<br />

integração e a coesão sociais.<br />

Ora, a história <strong>do</strong>s jovens que seleccionamos para o nosso estu<strong>do</strong> de<br />

caso é bem a evidência de uma acumulação de rupturas que constrangem a<br />

existência desde as fases mais precoces <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. A vi<strong>da</strong> familiar devasta<strong>da</strong> pela<br />

239 Gilles Lipovetsky, A era <strong>do</strong> vazio – Ensaio sobre o individualismo contemporâneo, op. cit., pág. 60<br />

240 Serge Paugam, Le Lien Social, op. cit., p. 75. ―Nas socie<strong>da</strong>des democráticas os direitos <strong>do</strong>s ci<strong>da</strong>dãos<br />

conheceram um desenvolvimento peculiar, poden<strong>do</strong> identificar-se três gerações sucessivas: a <strong>do</strong>s direitos<br />

civis que protegem o indivíduo no exercício <strong>da</strong>s suas liber<strong>da</strong>des fun<strong>da</strong>mentais, nomea<strong>da</strong>mente face aos<br />

empreendimentos considera<strong>do</strong>s ilegítimos pelo Esta<strong>do</strong>; a <strong>da</strong> afirmação <strong>do</strong>s direitos políticos que lhe<br />

asseguram uma participação na vi<strong>da</strong> pública; e, finalmente, a <strong>do</strong>s direitos sociais que lhe garantem uma<br />

certa protecção face aos azares <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Nas socie<strong>da</strong>des em que o Esta<strong>do</strong> Providência mais se<br />

desenvolveu, a organização <strong>da</strong> educação, <strong>da</strong> protecção no trabalho, <strong>do</strong>s socorros aos mais infelizes<br />

encontrou a sua justificação e legitimi<strong>da</strong>de no reconhecimento de que só pode ser ci<strong>da</strong>dão quem possuir<br />

a capaci<strong>da</strong>de de ser autónomo. O laço de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia assenta, pois, sobre uma concepção exigente <strong>do</strong>s<br />

direitos e <strong>do</strong>s deveres <strong>do</strong> indivíduo‖.

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