Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto
Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto
Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
ambiente institucional será capaz de se organizar de forma suficientemente<br />
consistente a ponto de permitir ao a<strong>do</strong>lescente reelaborar a sua vi<strong>da</strong> psíquica, de lhe<br />
permitir que resolva, em certa medi<strong>da</strong>, os seus conflitos de identi<strong>da</strong>de. As exigências<br />
que se colocam ao contexto institucional são enormes uma vez que as tarefas<br />
inerentes à superação <strong>da</strong> confusão <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> dependência e <strong>da</strong> fragili<strong>da</strong>de<br />
psíquica são impossíveis de concretizar sem uma estrutura de plausibili<strong>da</strong>de, um<br />
aparelho de conversa, como lhe chamam Peter Berger e Luckmann 309 , que mais não<br />
representam <strong>do</strong> que um novo sistema de classificação <strong>da</strong>s reali<strong>da</strong>des <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> que<br />
nos rodeia. Como salientam estes <strong>do</strong>is autores, nessa obra de referência, o<br />
desalojamento <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de subjectiva incorpora<strong>da</strong> na primeira socialização só poderá<br />
ocorrer num ambiente colectivo onde as interacções significantes são intensas e<br />
carrega<strong>da</strong>s de emoção e de afectos. Para ―desmantelar‖, desintegrar a reali<strong>da</strong>de<br />
subjectiva, são necessárias condições sociais e conceptuais específicas. Não é<br />
possível a transformação radical <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de subjectiva, incluin<strong>do</strong> <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de, sem<br />
a identificação com outros significativos, com quem se possam repetir as experiências<br />
infantis <strong>da</strong> dependência emocional. A mais importante exigência é a criação de um<br />
aparelho legitima<strong>do</strong>r que permita a apropriação e manutenção <strong>da</strong> nova reali<strong>da</strong>de e o<br />
aban<strong>do</strong>no ou repúdio <strong>da</strong>s reali<strong>da</strong>des ―alternativas‖. A velha reali<strong>da</strong>de será, então,<br />
reinterpreta<strong>da</strong> dentro <strong>do</strong> aparelho legitima<strong>do</strong>r <strong>da</strong> nova reali<strong>da</strong>de, o que envolve a<br />
ruptura subjectiva com o mun<strong>do</strong> anterior <strong>do</strong> indivíduo 310 .<br />
313<br />
Que respostas devem orientar o trabalho institucional para aju<strong>da</strong>r os<br />
a<strong>do</strong>lescentes a resolver sau<strong>da</strong>velmente a crise de identi<strong>da</strong>de?<br />
A experimentação de papéis assume uma dimensão particular, pois a<br />
identi<strong>da</strong>de apoia-se fortemente naquilo que socialmente somos capazes de fazer. De<br />
tal forma que ca<strong>da</strong> pessoa é mais ou menos aquilo que se espera que ela seja. Ao<br />
desempenhar papéis, o indivíduo participa de um mun<strong>do</strong> social. Ao interiorizar estes<br />
papéis, esse mesmo mun<strong>do</strong> torna-se subjectivamente real para ele. Em virtude <strong>do</strong>s<br />
papéis que desempenha, o indivíduo é introduzi<strong>do</strong> em áreas específicas <strong>do</strong><br />
conhecimento socialmente objectiva<strong>do</strong>, não somente no senti<strong>do</strong> cognitivo restrito, mas<br />
também no senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> conhecimento de normas, valores e mesmo emoções.<br />
Ora, a observação directa que pudemos fazer <strong>da</strong> Clínica <strong>do</strong> Outeiro deixa-<br />
nos algumas dúvi<strong>da</strong>s acerca <strong>da</strong> adequação <strong>do</strong> seu programa às características<br />
específicas <strong>do</strong>s a<strong>do</strong>lescentes de cujas histórias aqui procuramos <strong>da</strong>r conta. O seu<br />
programa terapêutico não toma, quanto a nós, na devi<strong>da</strong> conta a questão <strong>da</strong> severa<br />
309<br />
Peter Berger e Thomas Luckmann, A construção social <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, Editora Vozes, Petrópolis, Brasil,<br />
1973, pág. 202 e seguintes.<br />
310<br />
Peter Berger, Thomas Luckmann, A construção social <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, op. cit., pág. 211.