Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto
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quan<strong>do</strong> regressei, foi ca<strong>da</strong> vez pior… cheguei a assaltar o café onde a<br />
minha mãe trabalhava… roubei uma máquina de chocolates para tirar o<br />
dinheiro e roubei mais dinheiro.<br />
Quem nos aju<strong>da</strong>va era o meu avô, porque havia pouco dinheiro… a minha<br />
mãe tinha muitas dificul<strong>da</strong>des, vivíamos em situação de pobreza, embora a<br />
minha mãe tivesse trabalho, havia muitas despesas…<br />
Eu não era na<strong>da</strong> feliz… via os outros a terem coisas e eu não… an<strong>da</strong>va<br />
sempre a dizer à minha mãe que queria isto, queria aquilo, queria uma<br />
playstation portátil, queria uma bicicleta,… e ela estava sempre a dizer-me<br />
que não <strong>da</strong>va, que não havia dinheiro… eu tinha conversas com ela, ela<br />
<strong>da</strong>va-me conselhos para eu não an<strong>da</strong>r com aquelas companhias, mas eu<br />
não ligava, só fazia o que queria… eu roubava porque via os meus colegas<br />
a fazerem isso e também porque queria ter coisas como eles… por<br />
exemplo, roubei dinheiro para comprar uma máquina de fazer desenhos na<br />
cabeça, quan<strong>do</strong> cortas o cabelo… de outra vez roubei para arranjar material<br />
para pôr piercings…outra para fazer tatuagens… to<strong>do</strong>s os meus amigos<br />
an<strong>da</strong>vam assim e eu queria ser como eles…<br />
Eu não sentia me<strong>do</strong> por roubar… achava que nunca me ia acontecer na<strong>da</strong><br />
porque eu roubava e saía a correr e não me iam apanhar… a minha mãe<br />
sabia e vivia aflita mas não conseguia fazer-me parar… a minha mãe<br />
desistiu de me chamar a atenção porque quan<strong>do</strong> ela começava a ―man<strong>da</strong>r<br />
vir comigo‖ eu começava a ―tripar‖ com ela e dizia-lhe logo ―tu em mim não<br />
man<strong>da</strong>s‖ e virava as costas e an<strong>da</strong>va… eu sentia-me muitas vezes triste,<br />
zanga<strong>do</strong>, inferior aos outros… e humilha<strong>do</strong>… porque muitas vezes as<br />
pessoas começavam a dizer-me ―tenho isto e tu não tens‖ e eu sentia-me<br />
injustiça<strong>do</strong> e magoa<strong>do</strong>… eu achava que algumas vezes a minha mãe não<br />
podia comprar mas que quan<strong>do</strong> tinha dinheiro não me <strong>da</strong>va de propósito…<br />
fazia chantagem comigo porque eu só queria as coisas para mim e agredia<br />
os meus irmãos… não sei porquê, mas fazia-lhes mal<strong>da</strong>des… cheguei a<br />
meter um na máquina de lavar… a minha mãe chegou a tempo de o<br />
tirar…até que aconteceu que tive uma pega com a minha mãe e parti-lhe a<br />
cabeça… ela fez queixa no hospital e este deu a conhecer ao tribunal…o<br />
tribunal man<strong>do</strong>u-me para aqui, para a Comuni<strong>da</strong>de Terapêutica… eu tinha<br />
14 anos e roubei-lhe 50 euros e, no dia seguinte de manhã ela descobriu,<br />
bateu-me, eu reagi e mandei-lhe com um prato de sopa na cabeça e partilhe<br />
a cabeça… quatro ou cinco dias depois é que vim para a<br />
Comuni<strong>da</strong>de…o Tribunal ouviu to<strong>da</strong> a minha família, estes estiveram de<br />
acor<strong>do</strong> e disseram que sim… eu vim muito contraria<strong>do</strong>, vim com raiva…<br />
achava que eles não tinham o direito de me fazer isto…em relação à minha<br />
mãe sentia-me culpa<strong>do</strong> <strong>da</strong>s coisas que fiz… era a primeira vez que eu<br />
estava a ver as consequências <strong>do</strong>s meus comportamentos, porque até aí<br />
não tinha aconteci<strong>do</strong> na<strong>da</strong>…<br />
José (15 anos)<br />
A primeira vez que nos cruzamos com este jovem encontrava-se há<br />
cerca de um mês na Comuni<strong>da</strong>de Terapêutica. A sua inserção nesta estrutura<br />
decorreu <strong>da</strong> solicitação de um Centro de Apoio ao Toxicodependente que o vinha<br />
acompanhan<strong>do</strong>, sem sucesso, há pelo menos <strong>do</strong>is anos. Convi<strong>da</strong><strong>do</strong> a falar sobre a<br />
sua vi<strong>da</strong> desde criança, o discurso deste jovem remete-nos para o ambiente<br />
residencial, o qual classifica como o lugar de aprendizagem <strong>da</strong>s práticas marginais.<br />
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