Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto
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inverti<strong>do</strong>s e negativos, que procurou encontrar um espaço de confirmação narcísica e<br />
reconhecimento social. Contu<strong>do</strong>, mesmo aí se confrontou com experiências<br />
emocionais negativas, já que os outros tinham acesso a bens que, ao lhe serem<br />
nega<strong>do</strong>s confirmavam os seus sentimentos de inferiori<strong>da</strong>de. Com a experiência <strong>da</strong><br />
frustração sistemática e <strong>da</strong> não valorização, mesmo entre os pares, a agressivi<strong>da</strong>de<br />
transforma-se, neste caso, num padrão de comportamento em relação a to<strong>do</strong>s os que<br />
o rodeiam, inclusivamente as irmãs.<br />
116<br />
A insuficiência afectiva e o sentimento de um permanente desfasamento<br />
entre o que recebeu e tem, por uma la<strong>do</strong>, e aquilo que deseja ou quer 142 , por outro<br />
la<strong>do</strong>, alimentaram a sua baixa auto-estima e a projecção nos mais próximos de um<br />
profun<strong>do</strong> mal-estar.<br />
Socorren<strong>do</strong>-nos, de resto, <strong>da</strong> análise de Pedro Strecht a propósito <strong>do</strong>s<br />
consumos de drogas, podemos admitir que este caso poderá ser explica<strong>do</strong> como<br />
alguém que mesmo que não tenha si<strong>do</strong> atingi<strong>do</strong> no seu preenchimento narcísico, se<br />
organizou num modelo de funcionamento submeti<strong>do</strong> ao desejo imparável de ter mais,<br />
de omnipotência, que o impede de se sentir afectivamente satisfeito. Consciente ou<br />
inconscientemente, a preponderante sensação de vazio gera o desejo ávi<strong>do</strong> de o<br />
preencher, consumin<strong>do</strong> substâncias que, transitoriamente, produzem sensações de<br />
plenitude, bem-estar, alívio físico e psicológico.<br />
Sou <strong>do</strong> Barreiro, vivi sempre com a minha mãe e mais três irmãos mais<br />
novos <strong>do</strong> que eu… uma é filha <strong>do</strong> mesmo pai… os outros <strong>do</strong>is, uma menina<br />
e um menino, são filhos de pais diferentes… to<strong>do</strong>s vivem com a mãe. Vivia<br />
num prédio, na ci<strong>da</strong>de, numa zona calma, mas mais à frente havia uma<br />
zona de muito van<strong>da</strong>lismo… ali só havia prédios.<br />
Quan<strong>do</strong> tinha um ano a minha mãe separou-se <strong>do</strong> meu pai porque ele<br />
queria vender-me a um casal de italianos… Quan<strong>do</strong> conheci o meu pai tinha<br />
eu nove anos… a minha mãe tem o 6º ano de escolari<strong>da</strong>de, <strong>da</strong><strong>do</strong> por um<br />
curso profissional de hotelaria…sempre foi cozinheira num café… sobre o<br />
meu pai não sei na<strong>da</strong>…<br />
Aos 9 anos fui viver com o meu pai porque a minha mãe me man<strong>do</strong>u… eu<br />
portava-me mal, já começava a ter comportamentos desviantes, como por<br />
exemplo deixar de ir às aulas, começar a <strong>da</strong>r-me com amigos <strong>da</strong> minha<br />
i<strong>da</strong>de que chegavam às horas que queriam, bebiam álcool, fumavam<br />
‖ganza‖, não cumpriam regras, roubavam no supermerca<strong>do</strong> coisas para<br />
comer, assim, esta vi<strong>da</strong>… era muito rebelde e muito agressivo com os meus<br />
irmãos. (…) O meu pai vivia com uma senhora e tinham uma filha… vivi<br />
com eles durante <strong>do</strong>is meses mas a minha madrasta deu-me tareia forte<br />
porque bati na minha irmã e, ao fim desse tempo, a minha mãe foi-me lá<br />
buscar…eu não gostava de viver com eles porque nunca me dei bem com o<br />
meu pai desde que comecei a conhecê-lo… não sei dizer porquê, mas acho<br />
que não me sentia deseja<strong>do</strong>…<br />
Do tempo em que vivi com a minha mãe, até aos 9 anos, desde que<br />
comecei a <strong>da</strong>r-me com esses amigos, lembro-me que só fazia o que<br />
queria… não ouvia a minha mãe, faltava ao respeito, não cumpria horários,<br />
roubava em casa e fora…depois de ter esta<strong>do</strong> a viver com o meu pai,<br />
142 Pedro Strecht, Interiores, Assírio & Alvim, Lisboa, 2001, pág. 218