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Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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Aveiro e, por fim, outra vez, Leiria. Não se lembra quantas vezes mu<strong>do</strong>u de ama, mas<br />

sabe que foram muitas.<br />

189<br />

Entrou na escola primária com 6 anos de i<strong>da</strong>de. Lembra-se que na<br />

primeira vez que foi à escola, a ama lhe deu muito material e que já sabia fazer contas<br />

de somar… lembra-se que, no 2º ano, era o melhor <strong>da</strong> classe em leitura porque<br />

passava os tempos livres a ler livros de ban<strong>da</strong> desenha<strong>da</strong>, ―Tio Patinhas‖, ―Mónica‖,<br />

―Cebolinha‖, ―Pato Donald‖ que a mãe lhe man<strong>da</strong>va pelo correio. Sempre gostou de<br />

ler.<br />

O que te lembras mais <strong>da</strong> tua vi<strong>da</strong> na escola? Reprovei no 2º ano porque,<br />

além de faltar muito, tive que mu<strong>da</strong>r de escola porque a minha mãe se<br />

deslocou para outra ci<strong>da</strong>de.<br />

―E, então porque faltavas muito?‖<br />

―Por acaso, não me lembro…‖<br />

―Hoje, és capaz de perceber o que te levava a faltar muito nessa altura?‖<br />

―Não gostava, não achava interessante…‖<br />

―Não encontras mais nenhuma razão?‖<br />

―Também era um bocadinho goza<strong>do</strong> na escola… gozavam-me por eu ter<br />

uma mãe prostituta… mas eu não acreditava… negava até ao fim… gostava<br />

muito dela… ela era tu<strong>do</strong> para mim… era o meu apoio…‖<br />

―Mas, então uma mãe que não estava contigo era o teu apoio? Não foram<br />

as amas que te deram apoio?‖<br />

―Não, elas deixavam-me tardes inteiras a brincar sozinho com os outros<br />

miú<strong>do</strong>s de quem tomavam conta‖<br />

―Elas deixavam-te sozinho… e a tua mãe… como podes dizer que ela era o<br />

teu apoio se ela raramente estava contigo?‖<br />

Porque quan<strong>do</strong> estava, levava-me a passear, <strong>da</strong>va-me carinhos, mas acho<br />

que eu disse que ela era o meu apoio porque primeiro via outros meus<br />

amigos e colegas com uma mãe e é difícil ver to<strong>da</strong> a gente com uma mãe e<br />

eu não, ou seja, o meu desejo era ver ela ao pé de mim, para me <strong>da</strong>r<br />

carinhos, atenções, <strong>da</strong>r-me força para eu não deixar de acreditar na vi<strong>da</strong> ,<br />

em mim e naquilo que eu sou capaz.<br />

No 3º ano <strong>da</strong> escola já nenhuma aprendizagem lhe importava e passou a<br />

ser um aluno problemático, segun<strong>do</strong> as suas próprias palavras, uma vez<br />

que não se concentrava, distraía os colegas na sala de aula e desrespeitava<br />

o professor, gozan<strong>do</strong>-o, chaman<strong>do</strong>-lhe nomes, pon<strong>do</strong> alcunhas etc.<br />

Retoman<strong>do</strong> a questão <strong>do</strong>s factores que predispõem estes indivíduos para<br />

o consumo de drogas, a reflexão que até agora desenvolvemos conduz-nos a uma<br />

nova interrogação. Será o desinteresse pela escola o efeito <strong>do</strong> consumo ou, pelo<br />

contrário, a prática <strong>do</strong> consumo é uma resposta ao vazio instala<strong>do</strong> por uma vi<strong>da</strong> sem<br />

senti<strong>do</strong>, sem rumo, sem objectivos? Será a delinquência, visível nos depoimentos<br />

recolhi<strong>do</strong>s, um efeito <strong>do</strong> consumo de drogas? Ou será a delinquência um mo<strong>do</strong> de<br />

vi<strong>da</strong> já instala<strong>do</strong> anteriormente aos consumos? Não será, antes, o consumo de drogas<br />

parte de uma estratégia de fuga, ou denegação, de uma reali<strong>da</strong>de que não se

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