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Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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Não o deixava tocar-me. Ele também às vezes batia na minha mãe… A<br />

minha mãe trabalhava numa fábrica, não sei de quê, e o meu pai era<br />

professor de Kung-Fu. Não sei se havia dificul<strong>da</strong>des económicas…mas<br />

devia haver porque eles gastavam muito… A relação com a minha mãe foi<br />

sempre complica<strong>da</strong>. Mais tarde, aí por volta <strong>do</strong>s meus treze anos, retomei o<br />

contacto com ela. Houve um tempo em que a minha mãe nos recebia, a<br />

mim e à minha irmã, aos fins-de-semana porque eu e a minha irmã<br />

tentamos aproximar-nos dela, mas ela só ligava à minha irmã, ou então<br />

punha-me a tomar conta <strong>do</strong> meu irmão (filho <strong>da</strong> minha mãe e <strong>do</strong> meu<br />

padrasto). Depois, numa discussão com a minha irmã ela disse-me que eu<br />

não tinha si<strong>do</strong> planea<strong>da</strong>, que nasci por acaso. A minha mãe confirmou.<br />

Entretanto deixei de querer ir à minha mãe, e a minha irmã também…a<br />

minha mãe não nos ligava, éramos só nós que telefonávamos, e por isso<br />

decidi ―cagar‖ para ela…eu ficava triste, revolta<strong>da</strong>, não percebia porque é<br />

que ela não queria saber de nós… isso foi sempre uma coisa que me<br />

magoou…mas eu tinha de ser eu… tinha de ir para a frente… e foi no<br />

colégio, quan<strong>do</strong> cheguei à a<strong>do</strong>lescência que de repente tu<strong>do</strong> se mu<strong>do</strong>u…eu<br />

estava farta de fazer o que os outros queriam…eu queria ser eu… e não<br />

queria mais saber <strong>do</strong>s outros… estava farta de ser man<strong>da</strong><strong>da</strong>… não<br />

suportava mais ser contraria<strong>da</strong>…a minha mãe não queria saber de<br />

mim…‖caguei‖…<br />

Do tempo em que vivi com os meus avós lembro-me que fui muito<br />

acarinha<strong>da</strong> pela minha avó… eram os <strong>do</strong>is reforma<strong>do</strong>s. O meu avô sempre<br />

trabalhou na construção civil e a minha avó tinha si<strong>do</strong> emprega<strong>da</strong> <strong>do</strong>méstica<br />

em casas de pessoas ricas. Não me faltava na<strong>da</strong>, mas também não havia<br />

muito dinheiro. Quan<strong>do</strong> eu tinha nove anos o meu avô morreu com cancro<br />

<strong>da</strong> bexiga. O ambiente em casa era bom durante o dia, mas à noite era mau<br />

porque o meu avô bebia muito, era alcoólico. Nessas ocasiões ele agredia<br />

fisicamente a minha avó e eu lembro-me disso. A mim acho que só me<br />

bateu uma vez porque ele gostava muito de mim… Houve três razões<br />

principais pelas quais a minha avó nos pôs no colégio, a mim e à minha<br />

irmã. Uma foi essa, por o meu avô ser alcoólico e pelas cenas que havia de<br />

agressão. A outra foi porque o meu avô tinha cancro, tinham muitas vezes<br />

que se deslocar ao hospital, não tinham com quem nos deixar. Mas para<br />

além disso, a minha avó teve que aju<strong>da</strong>r outras netas e não havia dinheiro<br />

para nos sustentar a to<strong>do</strong>s… sempre fui uma menina que gostava de fazer<br />

o que queria. Não gostava de ser contraria<strong>da</strong> e isso, mais tarde no colégio,<br />

não foi muito bom para mim… mas acho que também foi porque a minha<br />

avó quis compor o que me faltou… pais… então <strong>da</strong>va-me muita atenção…<br />

<strong>da</strong> minha mãe acho que comecei ce<strong>do</strong> a ter raiva… mas as coisas foram<br />

melhoran<strong>do</strong> (…) às vezes…mas também acho que sou pareci<strong>da</strong> com ela…<br />

não gosto que me digam não, mas também não aprendi a dizer não aos<br />

desafios… ao que é diferente… sempre gostei de experimentar de tu<strong>do</strong>…<br />

sem limites…<br />

Virgílio (13 anos)<br />

Há 5 meses numa Comuni<strong>da</strong>de Terapêutica, Virgílio veio por decisão<br />

<strong>da</strong> Direcção <strong>do</strong> Lar onde se encontrava, com a anuência <strong>da</strong> mãe. Verbaliza ter<br />

algumas dificul<strong>da</strong>des em falar de si, mas manifesta o desejo de participar na<br />

entrevista, começan<strong>do</strong> por referir que nasceu numa prisão onde a mãe cumpria<br />

pena por assassinato. Do pai, que desconhece, pouco quer falar, mas adianta que<br />

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