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Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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290<br />

Será a Comuni<strong>da</strong>de Terapêutica um espaço contentor onde os a<strong>do</strong>lescentes<br />

possam reelaborar os sentimentos de inferiori<strong>da</strong>de, desde logo por lhes proporcionar<br />

condições de retorno ao trabalho escolar e às tarefas <strong>da</strong> aprendizagem?<br />

Constituirá a Comuni<strong>da</strong>de Terapêutica um lugar onde é possível descobrir,<br />

de mo<strong>do</strong> efectivo, as capaci<strong>da</strong>des de que não foi possível tomar consciência numa<br />

fase bem mais precoce <strong>da</strong> existência? Assumirá esta Comuni<strong>da</strong>de Terapêutica que<br />

somente através <strong>da</strong> descoberta <strong>da</strong>s capaci<strong>da</strong>des é possível evitar e superar saí<strong>da</strong>s<br />

através <strong>da</strong> expulsão imediata <strong>do</strong> sofrimento? Assumirá a Comuni<strong>da</strong>de Terapêutica que<br />

a descoberta <strong>da</strong>s capaci<strong>da</strong>des é uma condição necessária para que a violência e a<br />

agressivi<strong>da</strong>de deixem de ser a única estratégia de alívio, para que o bem - estar<br />

individual deixe de ser consegui<strong>do</strong> à custa <strong>da</strong> transferência <strong>do</strong> sofrimento para os<br />

outros? 294<br />

Assumirá a Comuni<strong>da</strong>de Terapêutica que para estruturar a fragili<strong>da</strong>de<br />

psicológica destes a<strong>do</strong>lescentes muito contribuíram certas lógicas sociais que os<br />

impedem de diversificar e enriquecer o seu capital de relações sociais? Como evitar<br />

que enveredem, designa<strong>da</strong>mente à saí<strong>da</strong>, pela diluição <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de num grupo<br />

(gang) que coarcta um eventual desejo de autonomia evolutiva? Como conseguir que<br />

o indivíduo não fique ―preso‖ ao grupo, que lhe serve simultaneamente de carrasco e<br />

de referência identificatória se não forem amplia<strong>da</strong>s as oportuni<strong>da</strong>des de interagir com<br />

uma varie<strong>da</strong>de de pessoas e de contextos porta<strong>do</strong>res de referências culturais plurais?<br />

Como evitar que sejam remeti<strong>do</strong>s para universos simbólicos que reforçam a<br />

aprendizagem de estratégias e padrões comportamentais dissidentes <strong>do</strong> que é<br />

<strong>do</strong>minantemente aceite? Como evitar que só possam aceder à identi<strong>da</strong>de e ao<br />

sentimento de pertença se inseri<strong>do</strong>s num grupo que cultiva a inversão <strong>da</strong> escala de<br />

294 Pedro Strecht, Preciso de Ti. Perturbações Psicossociais em Crianças e A<strong>do</strong>lescentes, op.cit.,pág. 167<br />

Refere-se a estas crianças e a<strong>do</strong>lescentes como ―zé-ninguém de rua sem…‖, e identifica alguns aspectos<br />

que frequentemente caracterizam a sua organização psíquica: Fragili<strong>da</strong>de <strong>do</strong> eu, com forte pre<strong>do</strong>mínio <strong>do</strong><br />

agir, que se constitui como tentativa de sobrevivência <strong>do</strong> ver<strong>da</strong>deiro ―self‖. As feri<strong>da</strong>s narcísicas precoces,<br />

em que as experiências repeti<strong>da</strong>s de per<strong>da</strong> contribuem para um sentimento de aniquilamento e de<br />

desconheci<strong>do</strong> interior, orientam-na para mecanismos de defesa que a levam a ―atirar‖ para o meio estes<br />

sentimentos. A criança torna-se, assim, ―a feri<strong>da</strong> que fere, a que aniquila por me<strong>do</strong> de ser aniquila<strong>da</strong>, a<br />

que aban<strong>do</strong>na por receio de ser aban<strong>do</strong>na<strong>da</strong>, a que destrói e odeia numa tentativa de expulsar uma fonte<br />

interna de sofrimento‖; Fragili<strong>da</strong>de ou ausência <strong>do</strong> superego, traduzi<strong>da</strong> numa fragili<strong>da</strong>de <strong>do</strong> sistema de<br />

censura, e que condiciona a elaboração de sentimentos de culpa e, consequentemente, o<br />

desenvolvimento de estratégias de reparação. Assim, as crianças e a<strong>do</strong>lescentes continuarão<br />

dependentes <strong>do</strong>s ―grilos-falantes‖, com grande dificul<strong>da</strong>de em obedecer a regras e figuras de autori<strong>da</strong>de:<br />

a obediência, quan<strong>do</strong> é consegui<strong>da</strong>, muitas vezes à força de estratégias fortemente coercivas, é-o apenas<br />

em função <strong>do</strong> imediato; quer dizer, não é vivi<strong>da</strong> como algo que se deve fazer para se sentir melhor<br />

consigo mesmo, para diminuir sentimentos internos de culpa. Assim, logo que termina o sistema de<br />

coerção, os comportamentos regressam, como se nenhuma aprendizagem tivesse aconteci<strong>do</strong>; Distorção<br />

<strong>do</strong> ideal <strong>do</strong> eu, que aparece como exigente e megalómano, numa colagem identificatória às personagens<br />

com poder exterior. A sua conduta orienta-se então em função <strong>da</strong> obtenção de poder, mesmo que por<br />

meios inaceitáveis e exclusores (tráfico e ven<strong>da</strong> de drogas, sensação de omnipotência, fantasias<br />

absolutamente irrealistas <strong>da</strong>quilo que vão fazer ou ser, furtos, roubos, violência, …).

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