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Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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Daniela<br />

Sílvio<br />

Iniciei o consumo de drogas quan<strong>do</strong> fui para casa <strong>da</strong> minha avó. Sabe,<br />

depois aí é um ambiente <strong>do</strong> ―carago‖, sabe como é, é um bairro e o<br />

caraças, há sempre droga, há sempre lá droga e quem se drogue, e eu<br />

estava-me a ―cagar‖ para a vi<strong>da</strong> e então meti-me na droga. Eu acho que<br />

tinha para aí 9 ou 10 anos(…) Já sabia o que isso era… até tive um tio<br />

(irmão <strong>da</strong> minha mãe) que morreu sob o efeito de drogas…mas depois<br />

fui para casa <strong>da</strong> minha avó, comecei a meter droga, comecei a ―cagar‖<br />

para tu<strong>do</strong>. (…) Meti-me, era eu que queria, sabia onde arranjar, via-os<br />

para lá to<strong>do</strong>s,. . . fumei por minha pressão, porque quis… tinha amigos<br />

com quem consumia, mas fui eu que quis… ninguém me obrigou...<br />

comecei a fumar haxixe e depois re<strong>do</strong>n<strong>do</strong>s, pastilha. … Roubava porque<br />

estava-me a ―cagar‖ para a vi<strong>da</strong> e roubava também para ter dinheiro<br />

para a droga. Muitas vezes a minha avó <strong>da</strong>va-me dinheiro para comer e<br />

eu, em vez de comer, ia mas é comprar droga. A minha avó queria que<br />

eu fosse à escola e regras e eu … só queria vi<strong>da</strong> de rua. Consumia com<br />

amigos <strong>do</strong> bairro e <strong>da</strong> escola. …<br />

(…) Roubava telemóveis e carros com o pessoal <strong>do</strong> meu bairro. Roubava<br />

porque estava-me a ―cagar‖ para a vi<strong>da</strong> e roubava também para a droga.<br />

Muitas vezes a minha avó <strong>da</strong>va-me dinheiro para comer e eu em vez de<br />

comer ia mas é comprar droga… Em casa <strong>do</strong> meu pai, no <strong>Porto</strong>, … eu<br />

ficava a consumir com os meus amigos e depois ficava to<strong>da</strong> aflita e vinha<br />

embora, já sabia que ia ouvir e chegava a casa to<strong>da</strong> «cega».<br />

…e eu também an<strong>da</strong>va meti<strong>do</strong> na droga, por isso é que vim para a<br />

Clínica… como sabe, cresci numa família onde os meus pais se drogavam<br />

os <strong>do</strong>is. Além disso o meu pai era alcoólico… a droga estava ali, ali<br />

mesmo…em casa e no bairro… juntava-me com amigos que consumiam e<br />

então parecia que a droga deixava esquecer a violência lá em casa…<br />

fumava ―ganza‖, uns 4 ou 5 charros por dia. Tinha dias em que não<br />

fumava…<br />

Era fácil arranjar, havia sempre um amigo que tinha por ter rouba<strong>do</strong> aos<br />

pais… comecei com 8 anos, acho eu… acho que não tinha me<strong>do</strong>… afinal os<br />

outros também consumiam… aprendi com outros e meti-me por minha<br />

vontade… eu tinha era revolta contra o meu pai… <strong>da</strong> minha mãe tinha pena,<br />

mas ela protegia-me… nunca pensei na droga como uma coisa má… era<br />

uma experiência que tinha com os amigos <strong>do</strong> bairro… eu já tinha deixa<strong>do</strong><br />

de ir à escola… não gostava, lembra-se <strong>do</strong> que lhe disse? A escola era uma<br />

prisão…<br />

Gostava de an<strong>da</strong>r na rua… com os outros… às vezes roubávamos coisas<br />

no supermerca<strong>do</strong>… não éramos bem um ban<strong>do</strong>… éramos antes um grupo<br />

de amigos mais ou menos <strong>da</strong> mesma i<strong>da</strong>de que an<strong>da</strong>va para lá, sem ter<br />

onde ocupar o tempo… inventávamos… e a droga que consumíamos fazia<br />

parte dessa forma de estarmos… havia muitos a consumirem, mais<br />

velhos… às vezes esses também nos <strong>da</strong>vam… mas esses gajos mais<br />

velhos é que já tinham outra vi<strong>da</strong> de roubos e van<strong>da</strong>lismo…<br />

Eu nem pensava se era bom ou mau consumir e traficar…era o que muitos<br />

faziam no lugar onde vivia… lá no Cerco… mas havia gente que traficava<br />

para poder viver… não tinham trabalho e tinham de se fazer à vi<strong>da</strong>… hoje<br />

sei que é tu<strong>do</strong> muito mau, faz mal a muita gente… e consumir também faz<br />

mal… mas naquela altura nem falava dessas coisas nem estava<br />

preocupa<strong>do</strong> ou com me<strong>do</strong>… em grupo sentíamo-nos mais fortes e depois<br />

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