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Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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viver com a mãe, em Gaia, onde fica até aos 6/7 anos. Quan<strong>do</strong> tem cerca de 10 anos<br />

vai novamente para casa <strong>da</strong> avó onde permanece até aos 14 anos. Nessa época,<br />

recor<strong>da</strong>, já tinha relações ambíguas com a mãe. Do pai recor<strong>da</strong>-se muito vagamente,<br />

na infância, mas passa a ter contactos esporádicos com ele, durante a a<strong>do</strong>lescência.<br />

Sobre o padrasto refere não constituir para si uma figura significativa, bem pelo<br />

contrário, considera que o viu como um rival na relação com a mãe. A partir <strong>do</strong><br />

momento que a mãe foi trabalhar para a Bélgica, durante um ano, reside com a avó.<br />

To<strong>da</strong>via, a sua integração no gangue, de que há muito fazia parte, assumiu contornos<br />

tão graves que acabou por ter de vir tratar-se na Comuni<strong>da</strong>de Terapêutica quan<strong>do</strong> foi<br />

obriga<strong>do</strong> a apresentar-se em Tribunal, aos 15 anos de i<strong>da</strong>de.<br />

100<br />

Este é, a nosso ver, um caso típico, de construção <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de<br />

individual em total dependência <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de social. É, de resto, um exemplo <strong>do</strong>s<br />

a<strong>do</strong>lescentes com evoluções marginais que ―vagueiam literalmente ao sabor <strong>do</strong> grupo,<br />

<strong>da</strong> crew, ou <strong>do</strong> gangue‖ 132 .<br />

Com efeito, a história <strong>da</strong> infância <strong>do</strong> Bernar<strong>do</strong> aponta para a não<br />

existência de trocas afectivas significantes, para uma inadequa<strong>da</strong> delimitação e<br />

interiorização de regras e limites, o que contribui de forma decisiva para que a sua<br />

a<strong>do</strong>lescência fosse marca<strong>da</strong> por uma ver<strong>da</strong>deira carreira marginal. Com uma estrutura<br />

individual fragiliza<strong>da</strong>, pobre de referências e afectos, a iniciação e adesão a um grupo<br />

marginal processaram-se paulatinamente, à medi<strong>da</strong> que cumpria as tarefas que o<br />

grupo lhe ia atribuin<strong>do</strong> a fim de obter o seu reconhecimento.<br />

Tu<strong>do</strong> indica que o gangue, onde desde ce<strong>do</strong> se viu envolvi<strong>do</strong>, acabou por<br />

desempenhar um papel fortemente socializa<strong>do</strong>r, tanto a nível <strong>da</strong> sua organização<br />

psíquica como <strong>do</strong>s padrões de comportamento.<br />

Com os elementos <strong>do</strong> gangue não somente aprendeu os procedimentos<br />

necessários para ser sucedi<strong>do</strong> no consumo e tráfico de drogas, como adquiriu regras,<br />

valores e estratégias exigi<strong>da</strong>s à sobrevivência <strong>do</strong> ban<strong>do</strong>. Desenvolveu competências<br />

necessárias ao desempenho eficaz <strong>da</strong>s tarefas requeri<strong>da</strong>s ao exercício <strong>da</strong>s práticas<br />

marginais e aprendeu a processar as racionalizações que permitiram superar os<br />

constrangimentos morais que o olhar <strong>da</strong> família, ain<strong>da</strong> que de mo<strong>do</strong> inconsistente, lhe<br />

ia devolven<strong>do</strong> sobre o seu mo<strong>do</strong> de vi<strong>da</strong>. Foi justamente no gangue que este jovem<br />

construiu uma identi<strong>da</strong>de marginal, ―conquistan<strong>do</strong>‖ o acesso a um estatuto social<br />

reconheci<strong>do</strong> no grupo. O grupo constituiu o espaço de afirmação <strong>do</strong> seu valor pessoal,<br />

superan<strong>do</strong> as dúvi<strong>da</strong>s e incertezas que por vezes lhe foram surgin<strong>do</strong> quan<strong>do</strong><br />

interpela<strong>do</strong> pelos adultos <strong>do</strong> seu meio familiar sobre os seus comportamentos. No<br />

grupo encontrou o espaço relacional e simbólico para satisfazer a necessi<strong>da</strong>de de<br />

132 Pedro Strecht, Vontade de Ser, Assírio & Alvim, Lisboa, 2000, pág. 87-89.

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