17.04.2013 Views

Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto

Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto

Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Muitos jovens, que não aprenderam ou se recusaram a aprender o<br />

senti<strong>do</strong> <strong>do</strong>s limites, vivem na ilusão de preencher, a to<strong>do</strong> o custo, os seus desejos,<br />

acaban<strong>do</strong> por cair na negação <strong>do</strong> próprio desejo e <strong>da</strong> própria existência. Resumem a<br />

vi<strong>da</strong> a um esta<strong>do</strong> de privação que, deste mo<strong>do</strong>, tornam inaceitável. O consumo <strong>da</strong><br />

droga é então subjectivamente vivi<strong>do</strong> como a prova de que agem de acor<strong>do</strong> com o que<br />

lhes apetece, quan<strong>do</strong> o que na reali<strong>da</strong>de acontece é não saberem o que desejam.<br />

Assim concebi<strong>do</strong>, o prazer é apenas a experiência <strong>do</strong> na<strong>da</strong> que está<br />

muito longe de proporcionar uma real satisfação. ―Quem segue os seus impulsos cria<br />

as condições objectivas <strong>da</strong> toxicomania, caso em que o prazer não é mais <strong>do</strong> que o<br />

alívio passageiro de um sofrimento‖ 47 .<br />

Evitar o trabalho interior de reorganizar os desejos, o que<br />

ver<strong>da</strong>deiramente conferiria significa<strong>do</strong> à vi<strong>da</strong>, é o que o toxicómano acredita conseguir<br />

à custa <strong>da</strong> droga. Preencher o vazio de si mesmo e <strong>do</strong>s outros, vazio que fica quan<strong>do</strong><br />

não se aprendeu a enfrentar a vi<strong>da</strong> com to<strong>do</strong>s os seus limites e frustrações, é a<br />

necessi<strong>da</strong>de irresistível e imperiosa que se impõe ao toxicómano. Pode dizer-se que,<br />

uma vez que o desejo é vivi<strong>do</strong> através de uma sensação de vazio que urge preencher,<br />

a qualquer custo e por to<strong>do</strong>s os meios, o problema psicológico <strong>do</strong> toxicómano se<br />

resume a uma reacção defensiva contra a própria ideia de privação. ―É o me<strong>do</strong> <strong>da</strong><br />

privação que serve de motor à sua acção‖ 48 .<br />

A profundi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> reflexão de Anatrella, patente numa visão <strong>da</strong><br />

psicanálise que assume a centrali<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s valores e <strong>da</strong> organização social no<br />

funcionamento psíquico <strong>do</strong>s indivíduos humanos, atinge, quanto a nós, um ponto alto<br />

quan<strong>do</strong> abor<strong>da</strong> os fun<strong>da</strong>mentos <strong>do</strong> bem-estar humano. Reconhecer o que falta, o que<br />

existe de inacaba<strong>do</strong> em ca<strong>da</strong> um de nós, é a condição sem a qual não podemos<br />

libertar-nos <strong>do</strong>s aspectos ilusórios <strong>do</strong> desejo humano e, logo, nos permite ficar abertos<br />

a um ―para além <strong>do</strong> desejo‖, indispensável para nos encaminharmos para as relações<br />

reais.<br />

Permanentemente em aberto, a questão <strong>do</strong> bem-estar humano é<br />

reaviva<strong>da</strong> sempre que uma socie<strong>da</strong>de deixa de conseguir educar para o senti<strong>do</strong> <strong>da</strong><br />

existência, o que nas socie<strong>da</strong>des actuais remete para uma ideologia que despreza a<br />

questão crucial <strong>da</strong> compreensão e <strong>da</strong> finali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> desejo humano. Se não existe uma<br />

educação <strong>do</strong>s desejos, é a liber<strong>da</strong>de de existir que fica ameaça<strong>da</strong>, pois não podemos<br />

desenvolver a interiori<strong>da</strong>de, enriquecê-la e construir a sua coerência própria. Pelo<br />

contrário, ao querer reter os desejos, tal como eles se apresentam, de forma<br />

autónoma e impulsiva, a personali<strong>da</strong>de pode deixar de discernir aquilo de que<br />

47 Tony Anatrella, Liber<strong>da</strong>de Destruí<strong>da</strong>, op. cit., p. 53.<br />

48 Tony Anatrella, Liber<strong>da</strong>de Destruí<strong>da</strong>, op. cit., p. 53.<br />

35

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!