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Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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Juliano (16 anos)<br />

112<br />

Cruzámo-nos com Juliano na Comuni<strong>da</strong>de Terapêutica onde se encontra<br />

há cerca de um ano. Veio por decisão <strong>do</strong> Tribunal por ter processos acumula<strong>do</strong>s de<br />

roubos e outros comportamentos desviantes. Convi<strong>da</strong><strong>do</strong> a falar sobre a história <strong>da</strong> sua<br />

vi<strong>da</strong>, Juliano começa por sublinhar a <strong>do</strong>ença <strong>da</strong> mãe e a ausência de pai,<br />

circunstâncias essas que obrigaram a que fosse viver com outra família amiga <strong>da</strong> mãe,<br />

entre os <strong>do</strong>is e os nove anos. De segui<strong>da</strong>, realça a mu<strong>da</strong>nça de residência e o facto de<br />

ter i<strong>do</strong> viver para um bairro, como outro acontecimento muito negativo <strong>da</strong> sua curta<br />

história de vi<strong>da</strong>.<br />

Residente num território onde a transgressão não era objecto de<br />

manifestações de mal-estar colectivo, constituin<strong>do</strong> antes um elemento de uma<br />

subcultura juvenil, forte era a probabili<strong>da</strong>de de Juliano iniciar precocemente práticas<br />

marginais. Neste contexto propício à estigmatização ligou-se a um grupo de jovens na<br />

busca de reconhecimento por parte <strong>do</strong>s pares e de laços que pudessem conferir<br />

senti<strong>do</strong> à sua existência de criança rejeita<strong>da</strong> pelo pai. Foi a<strong>do</strong>ptan<strong>do</strong> um estilo de vi<strong>da</strong><br />

que quebrou a intimi<strong>da</strong>de inicial entre a mãe e os filhos e a possibili<strong>da</strong>de de partilhar e<br />

avaliar os bons e os maus momentos. Ce<strong>do</strong> começou a isolar-se, deixou de partilhar<br />

sentimentos e dificul<strong>da</strong>des com a mãe, desenvolven<strong>do</strong> paralelamente estratégias de<br />

evitamento para poder prosseguir com as práticas de consumo sem vir a ser<br />

descoberto por ela.<br />

Ain<strong>da</strong> que o contexto familiar fosse propicia<strong>do</strong>r de uma certa estabili<strong>da</strong>de<br />

e segurança material, a instabili<strong>da</strong>de e a desesperança inscritas no habitat reforçaram<br />

a necessi<strong>da</strong>de de se juntar ao grupo que poderia proporcionar poder e protecção. A<br />

partir <strong>da</strong>í mais difícil se tornou superar construtivamente as frustrações <strong>da</strong> infância e<br />

<strong>da</strong> a<strong>do</strong>lescência, mais longínqua a possibili<strong>da</strong>de de se envolver em relacionamentos<br />

que promovessem o cumprimento <strong>da</strong>s normas de convivência social. É no grupo de<br />

pares, pelo desenvolvimento de mo<strong>do</strong>s de estar ajusta<strong>do</strong>s às expectativas <strong>do</strong> grupo,<br />

que ca<strong>da</strong> vez mais o jovem espera alcançar um estatuto social reconheci<strong>do</strong>.<br />

―Quan<strong>do</strong> nasci vivia com a minha mãe, mas ela teve um acidente de mota<br />

e ficou paraplégica e eu, com <strong>do</strong>is anos, fui viver com uma amiga <strong>da</strong> minha<br />

mãe a quem chamava tia. Embora tenha mais cinco irmãos só vivi com o<br />

meu irmão gémeo. Os outros estavam distribuí<strong>do</strong>s assim: três estavam em<br />

colégios e uma minha irmã estava com o meu pai. Os meus pais<br />

separaram-se antes de eu nascer, por isso eu nunca conheci o meu pai. Só<br />

desde que estou na Comuni<strong>da</strong>de Terapêutica é que estive com ele.<br />

A minha mãe, apesar de nunca estar com o meu pai, aguentava a casa. Ela<br />

trabalhava como segurança no XXX e vivíamos bem. Sobre o que fazia o<br />

meu pai, nunca soube. Sei é que não <strong>da</strong>va dinheiro nenhum à minha mãe.

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