Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto
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difícil demonstrar que o princípio <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s oportuni<strong>da</strong>des é pouco respeita<strong>do</strong>.<br />
A escola não consegue apagar o peso <strong>da</strong> socialização familiar sobre os desempenhos<br />
escolares, mas também não consegue evitar a ―desunião‖ ou a ruptura <strong>da</strong>s relações<br />
sociais entre os alunos de origens sociais diversas. Sabemos que uma parte <strong>do</strong>s<br />
fracassos <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de de oportuni<strong>da</strong>des pode ser atribuí<strong>do</strong> ao funcionamento <strong>da</strong><br />
escola, em si mesma, uma vez que se demitiu de assegurar aos mais fracos as<br />
condições necessárias para acederem às bases mínimas <strong>do</strong> saber, para evitar a<br />
desunião escolar <strong>do</strong>s alunos e atenuar, assim, o sentimento de humilhação.<br />
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Por tu<strong>do</strong> isso, é preciso superar a oposição entre responsabili<strong>da</strong>de individual<br />
e responsabili<strong>da</strong>de social, passan<strong>do</strong> a considerá-las como duas dimensões liga<strong>da</strong>s<br />
que se reforçam mutuamente. Numa socie<strong>da</strong>de democrática, a liber<strong>da</strong>de individual só<br />
é atingi<strong>da</strong> na condição de oferecer a ca<strong>da</strong> um a possibili<strong>da</strong>de real de a exercer<br />
plenamente. Esta ambição passa pelo recurso à noção de responsabili<strong>da</strong>de social.<br />
A ética social torna-se então priori<strong>da</strong>de para aqueles que têm menos, por<br />
referência aos princípios <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de de oportuni<strong>da</strong>des e <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s<br />
resulta<strong>do</strong>s. Em vez de incriminar os mais fracos, tornan<strong>do</strong>-os responsáveis pela sua<br />
sorte, será necessário colocar a questão <strong>do</strong> lugar <strong>do</strong>s mais desfavoreci<strong>do</strong>s no sistema<br />
social. Será normal que os menos qualifica<strong>do</strong>s sejam também os menos protegi<strong>do</strong>s<br />
em termos de apoio social? Será normal que as crianças <strong>do</strong>s meios desfavoreci<strong>do</strong>s<br />
sejam condena<strong>da</strong>s a fracassar no sistema escolar sem terem ti<strong>do</strong> a oportuni<strong>da</strong>de de<br />
adquirir as bases necessárias à sua integração social? Será normal que os menos<br />
qualifica<strong>do</strong>s tenham menos acesso à formação contínua que os mais qualifica<strong>do</strong>s? A<br />
contradição entre a igual<strong>da</strong>de formal <strong>do</strong>s indivíduos e a força <strong>da</strong>s desigual<strong>da</strong>des <strong>da</strong><br />
vi<strong>da</strong> económica e social não pode ser facilmente resolvi<strong>da</strong>. Ela requer to<strong>da</strong>via a<br />
elaboração de políticas públicas que visem <strong>do</strong>tar as populações mais desfavoreci<strong>da</strong>s<br />
<strong>da</strong>s capaci<strong>da</strong>des de usufruir <strong>do</strong> progresso social, de aceder aos serviços públicos e<br />
aos direitos, de se libertarem, pelo menos parcialmente, <strong>da</strong>s protecções primárias,<br />
antes de mais, na esfera <strong>do</strong>méstica e nos laços de proximi<strong>da</strong>de, assim como aderir<br />
plenamente às instituições públicas, o que passa pela confiança nesta últimas.<br />
Mais de um século depois de Durkheim, o laço de participação orgânica tem<br />
um papel primordial na regulação social. Republicano por convicção, estava<br />
convenci<strong>do</strong> <strong>do</strong> papel fun<strong>da</strong>mental <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> enquanto poder capaz de fazer a lei para<br />
to<strong>do</strong>s, mostran<strong>do</strong> que os poderes parciais que fazem parte de um to<strong>do</strong>. Era<br />
necessário, por exemplo, não deixar a família gerir-se inteiramente por ela mesma. Era<br />
preciso, segun<strong>do</strong> ele, proteger as crianças contra o risco de um autoritarismo parental<br />
excessivo e garantir a to<strong>do</strong>s o acesso à escola. A socie<strong>da</strong>de de indivíduos livres e<br />
iguais não é possível sem o recurso ao poder <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.