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Maria Luisa Pinto.pdf - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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ca<strong>da</strong> um. Dificilmente aceita a autori<strong>da</strong>de e nunca se conforma com a distância que<br />

lhe impõem face à família. O sentimento de vazio é contínuo e não consegue<br />

relacionar-se com ninguém. A escolha parece ter si<strong>do</strong> feita… vi<strong>da</strong> de rua porque já<br />

não acredita em ninguém e ninguém acredita nela.<br />

Clara<br />

O meu pai começou a desconfiar e um dia foi-me esperar e viu-me lá atrás<br />

de um barraco a consumir … Depois meteu-se o tribunal e a assistente<br />

social e estive em muitos colégios… de muitos fugi… estive nalguns durante<br />

semanas, noutros alguns meses… ninguém me aguentava… eu parecia que<br />

só queria sarilhos… e era… queria vir embora… o meu pai e a minha avó<br />

ain<strong>da</strong> eram importantes para mim… mas eles não me percebiam… e no<br />

colégio muito menos… também eu me recusava a falar com to<strong>do</strong>s… faltava<br />

às aulas… mas também comecei tarde, lembra-se? Fui para a escola a<br />

primeira vez com 9 ou 10 anos… foi a minha avó que me pôs… mas eu já<br />

só fazia o que queria… eu estava-me a ―cagar‖ para tu<strong>do</strong>… O último<br />

colégio, antes de vir para cá (para a comuni<strong>da</strong>de terapêutica), foi em Braga.<br />

Mas só fazia ―mer<strong>da</strong>‖. Não respeitava regras nenhumas, não fazia na<strong>da</strong> <strong>do</strong><br />

que me diziam. A intenção era mesmo essa, era que me man<strong>da</strong>ssem<br />

embora. E foi. E depois vim para aqui [Comuni<strong>da</strong>de Terapêutica]. É isto. É<br />

isto a minha vi<strong>da</strong> e pronto.<br />

134<br />

Na sua história de vi<strong>da</strong> Clara começou por transitar <strong>da</strong> família de origem<br />

para uma família de acolhimento e, posteriormente, passou para um colégio. Do<br />

colégio foge e é trazi<strong>da</strong> pela polícia para a Clínica <strong>do</strong> Outeiro. Da passagem pelo<br />

colégio recor<strong>da</strong> que ansiava pelos fins-de-semana, momento em que podia estar com<br />

os ―tios‖ [designação que atribui aos adultos que a acolheram], mas que não gostava<br />

de lá estar. A imposição de regras, a ausência de afecto e os castigos, sempre foi o<br />

que viveu como mais penaliza<strong>do</strong>r.<br />

A minha família de acolhimento vivia em Ermesinde… tinha <strong>do</strong>is filhos e<br />

tinha mais <strong>do</strong>is miú<strong>do</strong>s de acolhimento. Vivi lá oito anos com to<strong>do</strong>s e o meu<br />

irmão. (…) Durante este tempo não tinha contacto com os meus pais. A<br />

família de acolhimento é que era a ver<strong>da</strong>deira… Eu não gosto <strong>do</strong>s meus<br />

pais. Na família de acolhimento, eu tinha tu<strong>do</strong>, mãe, pai, tios, avós, irmãos,<br />

tu<strong>do</strong>… guar<strong>do</strong> sentimentos bons, memórias boas, deste tempo na minha<br />

família de acolhimento. Davam-me tu<strong>do</strong> o que precisava, às vezes <strong>da</strong>vamme<br />

o que eu queria, mas sempre dependen<strong>do</strong> <strong>do</strong>s meus comportamentos.<br />

Punham regras e se eu falhava, então não me <strong>da</strong>vam logo, por exemplo,<br />

não me deixavam ir ter com os amigos. Mas saiamos juntos, brincavam<br />

comigo, íamos almoçar fora, íamos ao cinema, eram sempre carinhosos,<br />

meiguinhos, nunca, nunca me batiam. To<strong>do</strong>s os dias eu tinha guloseimas,<br />

quan<strong>do</strong> me castigavam era tirar a televisão <strong>do</strong> quarto ou puxão de orelhas<br />

ou não me deixavam ir brincar com os colegas, mas nunca me batiam,<br />

castigavam-me. Os meus tios, como chamo, até me deram telemóveis, que<br />

eu estragava e depois deixaram de <strong>da</strong>r porque era muito pequena. … As

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